Pouco depois de Donald Trump anunciar o tête-à-tête com Vladimir Putin, prometendo um draft robusto com os pilares da paz na Ucrânia, o Presidente ucraniano, com ar de quem não dormiu o que devia, veio garantir que "a Ucrânia não abdicará da sua independência".
Indo ainda mais longe, Zelensky fez questão de garantir que não só não vai ceder na questão da independência do seu país, o que pode ser lido como uma recusa a ceder territórios a Moscovo, como desafiou mesmo Trump a "não deixar que os russos o enganem e enganem a Ucrânia".
Esta imediata reacção de Zelensky ao possível encontro presencial entre Putin e Trump, que terá sido definido nos seus pormenores durante a visita de Steve Witkoff, o enviado especial da Casa Branca a Moscovo, contém, seguramente, um fardo pesado para o Presidente norte-americano.
Isto, porque ao afirmar que não vai aceitar ceder na questão territorial ao Kremlin, mesmo sabendo-se que Vladimir Putin não vai abrir mão das suas exigências mais relevantes, entre estas a questão de as cinco regiões anexadas em 2014 (Crimeia) e 2022 (Kherson, Zaporizhia, Lugansk e Donetsk), Zelensky está a tirar o tapete a Trump... ou a si mesmo.
Isto, porque alguns analistas, como Douglas McGregor, coronel norte-americano na reforma que integrou a equipa de Trump no primeiro mandato e assessorou o secretário da Defesa dos EUA, ou ainda John Mearsheimer, renomado autor e especialista em geopolítica, da Universidade de Chicago, a remoção de Zelensky do cargo de Presidente pode revelar-se essencial para acabar com o conflito na Ucrânia.
E uma das razões para este incómodo mostrado por Volodymyr Zelensky no seu último vídeo, onde enfatiza ainda que o norte-americano tem de estar atento às manobras russas para "não ser enganado, é que o fim das hostilidades na Ucrânia teria como primeira consequência a realização de eleições Presidenciais, que estão a ser adiadas já desde Maio de 2024 com base na Lei Marcial em vigor.
Apesar de admitir que a Federação Russa parece agora "mais inclinada para a paz", o chefe do regime ucraniano promete não ceder naquilo que é o essencial para si, que é a defesa da integridade territorial, para a qual afirmou ter obtido o apoio dos seus aliados europeus, que não vão estar no tête-à-tête entre Trump e Putin.
E essa, a ausência dos aliados europeus, como a Alemanha, a França e o Reino Unido, a linha da frente do apoio a Kiev, é a confirmação de que tanto Moscovo como Washington não querem que os europeus atrapalhem as negociações entre EUA e Rússia para o conteúdo do acordo de paz que vai ser imposto a Zelensky.
Isto, porque é facto sabido há muito que sem o apoio activo dos Estados Unidos, a Ucrânia, mesmo que com as promessas de armamento e financiamento dos europeus, não tem condições para resistir à pressão militar russa e está condenada a uma derrota sem condições num curto espaço de tempo.
Há, todavia, uma alteração substancial à exigência anunciada no início desta semana por Donald Trump, que queria um plano detalhado para a paz até esta sexta-feira, 08, ameaçando com robustas tarifas secundárias contra os maiores importadores de crude e gás russos, que são a China e a Índia.
Para deixar claro que estava a falar a sério, embora cedendo já no seu calendário, Trump ordenou a aplicação de uma taxa de 50% sobre as exportações da Índia para os EUA a partir desta quinta-feira, 07.
Mas há ainda um "mas" relevante que é ter deixado de fora a China, temendo que Pequim volte a fechar a torneira das "terras raras" para a indústria automóvel, militar e aeroespacial norte-americanas, que dependem quase totalmente do gigante asiático.
Além da Índia, estas tarifas abrangem, porém, outras dezenas de países, embora em valores menores, desde a União Europeia ao Brasil, deste África ao Índo-Pacífico, atingindo mesmo os seus aliados regionais, como o Japão, a Austrália ou a Coreia do Sul e Taiwan.
Este "tsunami" de tarifas norte-americanas não é resultado da pressão para condicionar a Rússia, excepto as aplicadas à Índia, mas é importante no âmbito da guerra na Ucrânia porque em cima da mesa estão ainda novas vagas de taxas que serão aplicadas a quem mantiver negócios na área da energia com Moscovo.'
Só que, como sucede amiúde, o encontro Trump-Putin para a próxima semana, provavelmente, que já foi também confirmado pelo Kremlin, não é para os russos uma cedência à pressão das tarifas, é, como notam alguns analistas, uma oportunidade de ouro.
Isto, porque, sabendo que Trump está internamente prestes a naufragar no contexto do escândalo da "lista Epstein", com, crê-se, centenas de nomes de indivíduos envolvidos em pedofilia, abusos de menores... e precisa urgentemente de desviar as atenções desse caso melindroso, o Kremlin pode estar a trabalhar no sentido de levar o americano a pressionar os ucranianos a aceitarem as condições russas para ter a sua "vitória diplomática".
Com a imprensa norte-americana a insistir há semanas que, afinal, o nome de Donald Trump, cuja amizade com Jeffrey Epstein, que, alegadamente, se suicidou na prisão em 2019, era conhecida há décadas, para ter uma escapatória para as atenções dos media, o Presidente dos EUA pode impor a Kiev "a paz dos russos".
E isso não teria um grau elevado de dificuldade para Trump, que tem dito e redito sem parar que esta não é a sua guerra, que é "a guerra de (Joe) Biden", porque tem como Ás de trunfo o facto de condenar Kiev à derrota militar num curto espaço de tempo assim que acabar com o apoio militar (armas e intelligentsia) e dinheiro aos ucranianos.
Mas ninguém sabe com precisão mínima o que que vai na cabeça de Donald Trump e alguns analistas admitem que o seu optimismo pode ser, na realidade, apenas a sua fé sem fundamento na ideia de que as sanções à Rússia, sejam as directas, ainda na forma de ameaça de serem reforçadas, ou indirectas, sobre a Índia e, no futuro, sobre a China, levem Moscovo a ceder.
Isto, num complexo jogo de "póquer" em que o bluff de Trump consistiria na pressão exercida por Pequim e Nova Deli por detrás da porta, assente no facto de que tanto chineses como indianos não querem, como já o afirmaram, deixar de ter acesso à energia russa barata, mas também não querem obstáculos aduaneiros aos seus negócios bilionários com os EUA, a maior economia e a maior potência militar (ainda) do mundo.