Os Estados Unidos estão há largos meses, com especial evidência desde que começou a guerra na Ucrânia, com a invasão russa, e, com ela, a emergência de uma nova ordem mundial multipolar com tracção centrada no eixo Pequim-Moscovo, em oposição à ordem mundial baseada em regras forjadas pelos EUA no pós II Guerra Mundial, a investir na reconquista da influência perdida nas últimas décadas em África para a China, especialmente, mas também para a Rússia.

Depois desta visita de Kamala Harris, que termina a 01 de Abril, chega ao continente, ainda este ano, mas sem data marcada, o Presidente Joe Biden, e antes dela, estiveram em África a secretária do Tesouro, Janet Yellen, e o secretário de Estado, Antony Blinken, os dois pilares, a par da Defesa, da Administração Biden, todos com agendas marcadamente anti-China e anti-Rússia (ver links em baixo, nesta página).

Com esta deslocação a três países anglófonos, Harris procura marcar pontos na disputa abrasiva que os EUA mantém com China e Rússia no continente, que passa, além do acesso às vastas reservas de recursos naturais estratégicos no subsolo africano, desde logo na área das novas tecnologias, como terras raras, coltão e cobalto, pela construção de maioria nas mediáticas votações na Assembleia Geral da ONU.

Estas votações, onde Washington procura isolar Moscovo, têm uma importância efectiva reduzida, por não serem vinculativas e porque enfrentam à resistência de um grupo alargado de países que persistem na não condenação da Rússia, sendo a mais importante "trincheira" ocupada pela China, mas com os países africanos a contribuírem com a maior parte dos votos que contrariam as intenções norte-americanas.

E é com o objectivo de alterar este cenário que a Administração Biden tem em curso uma forte ofensiva diplomática, política e económica em África, sendo a visita agora de Kamala Harris a mais pesada e que muitos analistas interpretam como a antecâmara da deslocação de Joe Biden ainda este ano, que, apesar de não ter data acertada, ode muito bem coincidir com a Cimeira Rússia-África, prevista para Julho, em São Petersburgo, podendo assim Washington medir forças directamente com o "inimigo".

Kamala Harris prometeu ao Presidente Akufo-Addo assistência em segurança para o Gana bem como um aumento expressivo do investimento norte-americano no país, tendo atirado com um número de 100 milhões USD para o efeito.

E lembrou, em forma de elogio, que o Gana tem sido, sob a liderança do Presidente Nana Akufo-Addo, uma referência para a democracia africana e um contribuinte líquido para a paz e a segurança no mundo.

Com uma crise económica severa a entra pela porta adentro com a Covid-19, o Gana vive momentos de extrema dificuldade, com um crescente aumento do custo de vida, uma crise de dívida que pode deixar o país de rastos, coincidindo com as crescentes dificuldades de Acra para cumprir os seus compromissos internos e externos, tendo, por isso, aproveitado a presença da vice de Joe Biden para lhe pedir solidariedade numa altura em que o país está a tentar voltar aos carris de antes da pandemia e desta guerra na Ucrânia e os seus efeitos nefastos na economia global.

Uma das questões de segurança que mais inquietam o Governo ganês são as incursões selváticas de terroristas da al qaeda do Magrebe e do estado islâmico que operam no Burquina Faso e na região do Sahel, com a qual o Gana tem fronteiras porosas.

Akufo-Addo disse mesmo a Harris que tem passdo muitas noites sem dormir para manter a segurança nesta parte do país, constantemente ameaçado pelos radicas islâmicos, e onde, como é o caso do Burquina Faso e do Mali, a Rússia tem conseguido ganhar influência e aumentar a sua presença em todos os níveis, económico, militar e diplomático, o que é uma das razões para que os EUA olhem para o Gana com especial atenção.

O azimute de Kamala Harris usado nesta passagem pelo Gana não será diferente do que vai usar na Tanzânia e na Zâmia, países que atravessam circunstâncias políticas e económicas semelhantes, desde logo com crises de dívida entre mãos, além de questões de segurança, mais no caso da Tanzânia.