A reflexão que faço desde a realização da Conferência Nacional sobre o Capital Humano chama a minha atenção para uma realidade incontornável: No caso de Angola, um país que enfrenta desafios prementes ligados a corrupção, nepotismo e bajulação, formar cidadãos conscientes é mais valioso do que simplesmente produzir mão de obra. Aqui, mais do que em qualquer outro país do mundo, eu penso que o conceito hegemónico de "formação de capital humano" precisa de ser resgatado da armadilha da produtividade, do auto-engano dos títulos académicos e recolocado no centro da dignidade humana.
Estamos a formar simplesmente para atender às necessidades do mercado, para conferir títulos académicos ou para o exercício cabal da cidadania? Essa pergunta provoca e exige respostas corajosas. Financiar o capital humano é um acto político, ético e cultural. É decidir que o futuro de Angola será construído com liberdade, consciência e justiça social, tal como sonharam todas as pessoas que se engajaram na luta de libertação e muitos daqueles que celebraram a conquista da nossa independência a quase cinquenta anos.
Com um índice de capital humano de apenas 40%, e a meta de alcançar 60% até 2037, Angola precisa investir com assertividade. E esse investimento começa na saúde da primeira infância. Estudos mostram que cada dólar investido nos primeiros anos de vida gera retornos múltiplos em educação, produtividade e saúde. Mas como estamos a cuidar dos nossos compatriotas nos seus primeiros anos de vida? Apenas 46% dos partos ocorrem em unidades de saúde, e menos de 23% das mães têm acesso a cuidados pós-parto nas primeiras 48 horas (Fonte: UNICEF Angola).
A desnutrição afecta 38% das crianças menores de cinco anos, e 65% padecem de anemia crónica, segundo o que oiço muita gente autorizada falar sobre insegurança alimentar e desnutrição infantil em Angola.
É preciso mudar esse cenário. O investimento em saúde infantil deve ser prioridade absoluta. Programas de nutrição, vacinação, cuidados pré-natais e apoio às mães precisam de ser ampliados e financiados com urgência. O FMI estima que Angola precisa de investir 5,7% do PIB adicionalmente em saúde até 2030 para alcançar os objectivos de desenvolvimento social.
É certo que a formação técnica cresceu 50% entre 2015 e 2019, e os sectores prioritários para diversificação da economia- turismo, indústria leve, sector primário - exigem competências estratégicas. Mas sem saúde, não há educação. Sem educação, não há desenvolvimento.
A governação colaborativa, as parcerias público-privadas e os fundos públicos e provenientes da responsabilidade social corporativa devem ser mobilizados para garantir que cada criança angolana tenha acesso a cuidados essenciais desde o nascimento. Os mercados e as empresas detentoras de grandes capitais devem ser mais humanos e os programas de formação, as bolsas de estudos e as oportunidades formativas, se forem equitativas podem servir como ferramentas poderosas para garantir inclusão e criar um impacto maior em relação ao que temos vindo a observar.
Angola precisa de ser ousada. Reformar com propósito. Priorizar com coragem. Coordenar com eficácia. E acima de tudo, acreditar que investir de forma assertiva para os desafios certos é o caminho para conquistar seu lugar à mesa global. Estamos prontos para colocar a infância no centro da estratégia nacional de financiamento ao capital humano? Se a resposta for sim, então o financiamento do capital humano deixará de ser um desafio e tornar-se-á a nossa maior oportunidade, porque uma população jovem num país como o nosso não pode ser visto como um fardo, mas, sim, como um dividendo demográfico do qual temos de saber tirar proveito, porque, como diz o refrão da musica, "o melhor de angola é o/a angolano/a".
Coordenador OPSA*