O Aviso estabelece a sujeição a sanções dos bancos comerciais que não atinjam as metas indicadas, com base no princípio de comply or explain (cumprimento ou explicação); i. e., os bancos que não atinjam as metas anuais estabelecidas devem justificar as razões, decidindo o BNA sobre as medidas ou sanções a aplicar, caso a caso, em função das justificações apresentadas. Entretanto, o Aviso determina também que os bancos comerciais procedam a uma avaliação e gestão de risco adequadas das operações de crédito.

Embora o BNA sustente a medida com base nas disposições do artigo 26.º da Lei n.º 14/21, de 19 de Maio - Lei do Regime Geral das Instituições Financeiras (LRGIF), ela não se subsume em qualquer uma delas, sendo que o artigo versa sobre os objectivos da regulação e supervisão do sistema financeiro.

O BNA extravasa assim as suas funções de regulador estabelecidas na Constituição e na Lei. E a adopção da medida constitui tão só uma tentativa de, paliativamente, por decreto, contornar os fundamentos macroeconómicos e os factores estruturais que previnem - em face do elevado risco que apresenta - que a concessão de crédito ao investimento produtivo pelo sistema bancário ocorra normalmente, assim como de se substituir ao Governo na subsidiação de tal crédito como medida de política fiscal. E isso, a prazo, deverá trazer mais custos que benefícios à economia e sociedade.

E será do elevado risco que o investimento produtivo ainda apresenta em Angola, associado a uma tentativa de observância pelos bancos da avaliação e gestão adequada dos riscos do crédito, assim como da existência de melhores alternativas de aplicação dos fundos de que dispõem (Operações Cambiais, Títulos e Valores Mobiliários e Crédito ao Comércio, a Particulares, ao Imobiliário e à Construção) que terá decorrido o não cumprimento das metas em relação ao Aviso n.º 10/2020 pelos bancos comerciais. O BNA viu-se então obrigado a prorrogar o prazo de Dezembro de 2020 para, sucessivamente, Abril de 2021 e Dezembro de 2021. Na verdade, numa economia que se pretende de mercado, uma adequada avaliação e gestão de riscos das operações de crédito não é compatível com metas fixadas como as indicadas. Nessas circunstâncias, a observância rigorosa daquele procedimento na concessão dos créditos tenderá a gerar mais explanations (explicações) do que compliance (cumprimento), na medida em que este implicaria o relaxamento na avaliação e gestão dos riscos.

Entretanto, na perspectiva do BNA, a medida incorpora supostamente um incentivo aos bancos comerciais na realização das operações de crédito consideradas, que se traduz na dedução do montante dos créditos assim concedidos do valor das Reservas Obrigatórias que devem constituir junto do BNA, nas seguintes proporções e condições: (i) 100% do capital vincendo e vencido há menos de 90 dias dos valores desembolsados de créditos de médio e longo prazo ao investimento; (ii) 50% do capital vincendo e vencido há menos de 90 dias dos valores desembolsados de créditos de curto prazo para a compra de matéria-prima e outros insumos; e (iii) 25% do capital dos créditos vencidos há mais de 90 dias e créditos reestruturados por dificuldades financeiras do cliente. Portanto, a ideia subjacente é a de que os bancos poderão assim libertar liquidez das Reservas Obrigatórias por aqueles montantes, tendo assim a possibilidade de aplicá-la, eventualmente, em operações passíveis de compensar as perdas prováveis com os créditos a conceder nos termos estabelecidos.

Acontece, entretanto, que os bancos comerciais angolanos, no seu conjunto, têm tido, historicamente, excesso de liquidez, dando-se ao "luxo" de manter reservas voluntárias junto do BNA. As estatísticas monetárias e financeiras do BNA mostram que as reservas voluntárias do conjunto do sistema bancário nacional no BNA equivaliam, respectivamente, no final dos anos de 2019, 2020 e 2021 e no final de Janeiro de 2022, a 102,7%, 81,1%, 92,5% e 90,4% do montante que correspondia aos 2,5% dos Activos Líquidos do sistema bancário (o volume mínimo de crédito a desembolsar pelo bancos determinado pelo BNA) no final dos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021, respectivamente . Isso significa que em 2019 os bancos não veriam nenhuma liquidez adicional libertada pela concessão dos créditos, e nos anos de 2020, 2021 e 2022 teriam liquidez adicional equivalente, respectivamente, a apenas mais 4,8, 2,0 e 2,6 pontos percentuais acima das Reservas Voluntárias que no conjunto mantinham junto do BNA.
Compreende-se, assim, que as taxas históricas de transformação dos depósitos em créditos sejam relativamente baixas: 51,3%, em 2017, 47,4%, em 2018, 44,0%, em 2019, 32,0%, em 2020, 37,2%, em 2021 e 38,9%, no final de Abril de 2022 . E daqui se releva o facto de as taxas de 7,5% e 10% impostas pelo BNA como máximo a cobrar pelos bancos comerciais para a totalidade dos custos não constituírem em si problema para os bancos comerciais, dado que obtêm os fundos quase de graça, face às baixas taxas de remuneração dos depósitos que praticam. O problema decorre do elevado nível de imparidades suscitados pelos créditos ao investimento produtivo, tendo em conta o ainda elevado risco desse investimento.

Deste modo, pode concluir-se que o pretenso incentivo para os bancos comerciais na concessão dos créditos considerados, pela dedução dos valores desembolsados das Reservas Obrigatórias, é inócuo por ser, de facto, inexistente.

Então, a medida do BNA enferma, fundamentalmente, dos seguintes "pecados": (i) está à margem da Constituição e da lei; (ii) extravasa as competências do BNA e constitui uma interferência directa deste na gestão dos bancos comerciais, ao determinar os sectores aos quais estes devem conceder crédito, o número mínimo de créditos que devem desembolsar e o custo máximo das operações, tornando o BNA corresponsável pelo desempenho que os bancos comerciais tiverem; (iii) o pretenso incentivo incorporado na medida é, de facto, inexistente; e (iv) é - tal como ocorreu no passado com tentativas semelhantes do Governo - ineficaz quanto à efectiva contribuição para a estruturação eficiente e sustentável do tecido produtivo nacional, além de não ser compatível com um banco central efectivamente independente.

Na verdade, em termos de princípio, atitude, conduta e prática, a medida de imposição da concessão de créditos pelo BNA aos bancos comerciais é equivalente à de "venda directa e dirigida" de divisas a empresas e particulares que implementou no passado, na sequência da crise iniciada em 2014 com o choque do preço do petróleo bruto.

Entretanto, pior do que o BNA tomar medidas à margem da lei, extravasar as suas competências e não agir de modo efectivamente independente, é não estar sujeito a uma adequada supervisão que assegure o escrutínio das suas acções, senão vejamos:

Nos termos da ora referida LRGIF, "os órgãos de administração e de fiscalização das Instituições Bancárias definem, fiscalizam e são responsáveis, no âmbito das respectivas competências legais e estatutárias, pela aplicação de sistemas de governo que garantam a gestão eficaz e prudente da mesma, incluindo a separação de funções no seio da organização e a prevenção de conflitos de interesses." (cf. o n.º 1 do artigo 70.º). E nos termos do "Código do Governo Societário das Instituições Financeiras Bancárias" definido pelo BNA através do Aviso n.º 01/2022, de 28 de Janeiro, é exigível aos bancos comerciais terem uma Comissão Executiva separada do Conselho de Administração e presidida por pessoa distinta do Presidente do Conselho de Administração. E o Conselho de Administração - que é designado pelos accionistas - deve integrar administradores independentes e não executivos, os quais exercem fiscalização sobre a Comissão Executiva. Além disso, é exigível que tenham também um órgão de fiscalização integrado por membros maioritariamente independentes, sendo que tais membros são designados pelos accionistas.

Ora, no que ao BNA diz respeito, nos termos da Constituição e da lei, o seu Conselho de Administração é integrado pelo Governador, por dois Vice-Governadores, por dois Administradores Executivos e por seis Administradores Não Executivos. Acontece, entretanto, que o Governador - que é nomeado pelo Presidente da República - exerce funções executivas e a ele incumbe propor os dois Vice-Governadores.

Já os dois Administradores Executivos e os seis Não-Executivos são propostos pelo Conselho de Administração, presidido pelo Governador, no que parece um processo circular, pois são os membros do Conselho de Administração a proporem os membros do Conselho de Administração. E o Comité de Auditoria da instituição é integrado por três dos Administradores Não-Executivos por designação do Conselho de Administração. Para além da sujeição das contas da instituição à uma auditoria externa e a instituição à fiscalização concomitante e sucessiva do Tribunal de Contas, o BNA não dispõe de um órgão de fiscalização ou de supervisão independente.

Então, nessa circunstância, pode dizer-se que os sistemas de governo do BNA estabelecidos pela Constituição e pela lei não parecem garantir "a gestão eficaz e prudente da instituição", assim como a devida separação de funções e a prevenção de conflitos de interesses, como é, de resto, exigido às instituições financeiras sob a sua supervisão, deixando-o sem uma adequada supervisão.

*Economista