A notícia abalou a comunidade angolana em Portugal e voltou a expor a fragilidade com que a vida pode terminar num instante. Jovens, com planos, com trajectos em construção, perderam tudo no espaço de segundos. A força do embate, a hora tardia e a inexistência de qualquer possibilidade de fuga explicam a dimensão da tragédia.
A nossa Embaixada, em Portugal, reagiu de imediato. A embaixadora, Maria de Jesus Ferreira, expressou "consternação" e lembrou que os jovens tinham "um futuro risonho pela frente" e que o país "muito esperava" deles. A mensagem sublinha solidariedade às famílias e reconhece o carácter irreparável da perda. Foi uma resposta institucional, sóbria, adequada ao impacto da notícia.
Mas este caso, apesar de ter acontecido fora de Angola, toca um ponto que temos abordado, repetidamente, no Novo Jornal: a segurança rodoviária continua a ser um dos maiores problemas sociais do nosso tempo. Não há semana sem relatos de acidentes graves, tanto em Angola como nas comunidades angolanas no exterior. E, ano após ano, voltamos ao mesmo lugar: uma mistura de excesso de velocidade, cansaço, imprudência, abuso de álcool e confiança excessiva no volante. Sem desconsiderar, no caso angolano, problemas recorrentes como vias degradadas, iluminação insuficiente e deficiências afins.
Entramos agora na quadra natalícia, período crítico para a sinistralidade. Há mais circulação, mais viagens, mais encontros, mais horários apertados e mais cansaço. O ambiente da época cria um terreno fértil para decisões apressadas. A combinação é conhecida: volante mais pressa é igual a risco; volante mais álcool é igual a tragédia; volante mais sono é igual a sentença.
Escrevemos, a propósito, no primeiro semestre deste ano: A sinistralidade rodoviária continua a ser uma das principais causas de morte em Angola. Em 2024, pelo menos 3.120 pessoas morreram em todo o país em consequência de 12.303 casos de sinistralidade rodoviária, cifra um pouco abaixo dos registos do período homólogo. Em 2023, foram registados 14.429 acidentes de viação, resultando em 3.121 mortes e 17.902 feridos.
Segundo a Direcção de Trânsito e Segurança Rodoviária, os dados de 2023, comparativamente aos de 2022, mostram um aumento de 122 mortes e 2.209 feridos. A Polícia Nacional indica que a maioria dos acidentes foram causados por atropelamento (4.852) e colisão entre automóveis e motociclos (3.024).
Luanda, especialmente, exige atenção redobrada. As estradas estão sobrecarregadas, a convivência entre veículos continua tensa e a pressão urbana transforma cada trajecto num teste de resistência. Há automobilistas que ignoram limites de velocidade, há ultrapassagens arriscadas em locais proibidos, há uso do telemóvel ao volante como se fosse um gesto inofensivo.
A condução defensiva, tantas vezes tratada como tema secundário, deveria ser regra de comportamento - principalmente nesta época. Sinalizar, manter distância de segurança, reduzir a velocidade em zonas densas, respeitar prioridades, parar quando se está cansado: são práticas simples, básicas, mas decisivas. Não exigem investimento. Exigem consciência.
Os trágicos acontecimentos de Lisboa lembram-nos isto com dureza. Lembram-nos que o carro é uma máquina que pode proteger, mas que também pode destruir. Lembram-nos que o erro de um segundo pode custar vidas inteiras. Lembram-nos que nenhum reencontro familiar vale uma viagem apressada, e que nenhuma festa vale uma ultrapassagem arriscada.
Que cada condutor, em Luanda e em todo o país, faça a sua parte. Que conduza com clareza, prudência e respeito pelas regras. Que pense no valor de quem o espera em casa. Que não transforme um regresso de Natal num episódio que jamais se apagará.
Não é só uma questão de civismo. É mesmo uma questão de sobrevivência.n

*Mestre em Linguística pela Universidade Agostinho Neto