Depois de a Ucrânia ter realizado com estrondoso sucesso, na passada semana, um conjunto de ataques às infra-estruturas energéticas russas, incluindo o oleoduto "Druzhba, o último que fornece crude russo à Europa ocidental, Moscovo ripostou esta madrugada com um dos mais poderosos ataques à capital ucraniana com misseis balísticos, de cruzeiro e drones de longo alcance.
Esta descrição do ambiente de sucessivos ataques entre russos e ucranianos não é uma novidade, nem sequer engloba os mais violentos ataques mútuos desde o início da invasão russa em 24 de Fevereiro de 2022, mas mostra que as conversações de paz que têm os EUA como mediador (ver links em baixo) estão longe de chegar a bom porto.
O ataque ucraniano ao oleoduto "Druzhba", que em russo significa "amizade", e que serve principalmente a Hungria e a Eslováquia, está mesmo no centro de uma possível escalada da fricção entre estes dois países da NATO e da União Europeia e a Ucrânia, especialmente depois de o Presidente Volodymyr Zelensky ter feito uso de uma ironia corrosiva ao glosar o significado da palavra que dá o nome ao oleoduto que as suas forças atacaram.
Volodymyr Zelensky aludiu à "amizade" entre Kiev e Budapeste, a capital húngara, para sublinhar que se o Governo da Hungria quiser manter a "amizade" com a Ucrânia tem de deixar de comprar energia à Rússia e assim deixar de financiar a sua guerra na Ucrânia, avisando que se Budapeste o não fizer voluntariamente, Kiev continuará a atacar a "Amizade" russo-húngara-eslovaca.
As já tensas relações entre a Hungria e a Eslováquia, por um lado, e a Ucrânia, por outro, tendem assim a intensificar-se e tanto Budapeste como Bratislava, a capital da Eslováquia, já garantiram, deixando uma sub-reptícia ameaça, para já apenas no nível diplomático, a Kiev se continuar a ameaçar a sua segurança energética, que é vital para ambos os países visto não terem mar e ser o único acesso a petróleo e gás fundamentais para a sua sobrevivência económica, e mesmo pessoal, durante o Inverno rigoroso que se aproxima no Hemisfério Norte.
Com este ataque nocturno, a Rússia, segundo fontes do Kremlin, atingiu "apenas alvos militares", o que é uma resposta também às muitas vozes citadas nos media ocidentais que acusam Moscovo de atacar alvos civis na Ucrânia, mas os analistas mais sérios notam que se tratou de um "castigo" da Federação Russa pela ousadia, e eficácia, dos seus recentes ataques ucranianos no seu território.
Um exemplo que tem sido repetido nos media russos é que se a Rússia atacar alvos civis, o resultado seria ainda mais dramático que o que está presentemente a suceder em Gaza, onde Israel ataca centros populacionais, provocando milhares de mortos e, neste momento, segundo dados da ONU, em quase quatro anos de guerra morreram "apenas" 11 mil civis na Ucrânia, enquanto em Gaza, em menos de dois anos, o número oficial de mortos é já de mais de 63 mil...
Mas em pano de fundo está, seguramente, o impasse mortífero na mesa das negociações onde o Presidente norte-americano, Donald Trump, está a dar crescentes sinais de impaciência, voltando a ameaçar Moscovo com novas e pesadas sanções económicas, ao mesmo tempo que efectivou as tarifas de 50% sobre a Índia como punição por o outro gigante asiático manter a compra de crude russo.
Isto, ao mesmo tempo que os media económicos norte-americanos estão, por estes dias, depois disso ter sido avançado pelo The Wall Street Journal, a insistir na preparação, para já apenas por parte da multinacional Exxon, do regresso das petrolíferas dos EUA à exploração de reservas em território russo, no caso na Ilha Sacalina, no extremo oriente russo, estando as conversações com a Rosnef, a concessionária, para o efeito.
Ora, esta questão, se se confirmar, é mais um passo de gigante na normalização das relações russo-americanas, reatadas com o regresso de Trump à Casa Branca, em Janeiro deste ano, o que os analistas sublinham significar um afastamento de Washington de Kiev por via dos negócios, o "departamento" a que o Presidente dos EUA é claramente mais "sensível".
Este tema, que desagrada profundamente a Kiev, porque, como Zelensky não se cansa de repetir,a segurança da Ucrânia depende quase a 100% dos Estados Unidos, estará, seguramente, entre os temas a discutir esta sexta-feira, 29, em Nova Iorque, onde o enviado especial de Trump para a guerra no leste europeu, Steve Witkoff, e o chefe de gabinete de Zelensky, Andriy Yermak, vão reunir para "aproximar a guerra do seu fim".
Fim que muitos analistas admitiram que ficou mais perto depois do tête-à-tête entre Donald Trump e Vladimir Putin, no início de Agosto, no Alasca, mas que, com o passar dos dias, especialmente depois do grupo de líderes europeus encabeçado por Zelensky ter viajado para Washington com o claro propósito de sabotar o resultado do encontro dos Presidentes russo e americano, começou a afastar-se mais e mais até que, hoje, voltou a ser uma... miragem.
E a razão é simples: os russos não querem a paz a qualquer preço, porque, estando a ganhar a guerra, exigem ver aceites as suas exigências territoriais, políticas e diplomáticas, enquanto os europeus, especialmente França, Alemanha e Reino Unido, apesar de estarem a afundar-se em severas crises económicas, com raízes profundas neste conflito, continuam a "investir" na derrota da Rússia, e em Kiev, Volodymyr Zelensky está consciente de que o fim do conflito é o fim da sua Presidência, porque estará assim obrigado a realizar eleições, que já tardam desde Maio de 2024, e todas as sondagens o "condenam" à derrota.
A olhar para este cenário de "terror" diplomático, os Estados Unidos procuram a quadratura do círculo, que é, ao mesmo tempo que fornecem apoio militar e financeiro a Kiev, surgem como mediadores, curiosamente aceites tanto por russos como por ucranianos, sendo a paz a aposta mais enfatizada por Donald Trump entre os seus objectivos estratégicos, embora, para já, sem grande sucesso, como os mútuos ataques brutais desta semana entre Kiev e Moscovo o demonstram.
Alguns analistas entendem que se Trump decidir mesmo acabar com a guerra usando todas as ferramentas ao seu dispor, o que parece poder acontecer em breve se o tal negócio multibilionário das petrolíferas norte-americanas na Rússia ganhar consistência, então deixará de apoiar Kiev, não apenas com armas e dinheiro mas também na área da intelligentsia.
Se tal suceder, os aliados europeus, entalados nas suas crises económicas sem precedentes, com notícias surpreendentes de Londres e Paris poderem ser intervencionados e obrigados a recorrer ao FMI, ou a União Europeia, cada vez mais enleada em diferenças políticas entre os seus membros sobre a guerra na Ucrânia, e uma sociedade civil crescentemente cansada de ver a sua qualidade de vida esvair-se nas trincheiras da Ucrânia, não terão como substituir os EUA como suporte para a continuação da guerra com os russos.
Uma ideia que começa a fazer caminho actualmente na Europa Ocidental é que, mesmo que os europeus tivessem sucesso na sua empreitada de, como chegou a dizer a líder da Comissão Europeia, Ursula Leyen, "humilhar e ajoelhar a Rússia no campo de batalha", isso poderia ser uma catástrofe ainda maior porque nesse caso seria quase inevitável o recurso às armas nucleares... e isso seria uma soma de resto zero para todos.