Hoje, os Estados Unidos da América (EUA) são o país mais desigual, em que mais de 25% da riqueza nacional está concentrada nas mãos de menos de mil pessoas. A Inglaterra vem logo a seguir, a Europa continental tem níveis menos acentuados de desigualdades, tendo feito imensos progressos nesta matéria na segunda metade do século XX.
As sociedades nórdicas (Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia) são consideradas as de menores desigualdades. O autor centrou a sua atenção nos rendimentos tributados, ou seja, do rendimento proveniente do trabalho e do capital. A principal conclusão é que, de facto, a educação e a tecnologia, são os grandes factores que dirimem, ou reduzem o nível das desigualdades.
As minhas últimas três reflexões neste espaço, insistentemente, referiram o aprofundar das desigualdades na sociedade angolana, o que redunda no empobrecimento extremo, visível em todos os quadrantes da sociedade, que acredito que, com programas de extensão rural e fomento de produção agrícola, pode-se, progressivamente, ir se reduzindo.
Incapaz de seguir a sistematização de Piketty (2017), pois não tenho, formalmente, os registos, quer do rendimento do trabalho, quer do capital, pois mesmo antes da independência não havia registos de rendimento de pessoas singulares e de capital. Porém, não é muito difícil observar que as desigualdades na sociedade angolana são profundas, reflectidas pelos altos níveis de empobrecimento. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), entre 2017 e 2023, o Produto Interno Bruto (PIB) angolano, em termos reais, cresceu em média 0,4% ao ano (2,5% entre 2020 e 2023), enquanto o crescimento populacional esteve acima dos 3,4%, sendo que o seu nível per capita caiu numa média anual de cerca de 2,6% (0,5% entre 2020 e 2023). Ademais, nos últimos 5 anos (2020-2024), a Taxa de Desemprego esteve sempre muito próxima, ou acima dos 30% (acima dos 50% entre a população jovem de 15 a 24 anos), com a média acima dos 31%, sendo que mais de 80% dos empregos são no sector informal. Por isso, enfatizo persistentemente a gravidade do nível de empobrecimento da sociedade angolana, tendo sugerido, por via da extensão rural, caminhos para reversão do quadro de empobrecimento prevalecente no seio da população rural, que abandona massivamente o campo, em direcção aos meios urbanos, sem meios de sobrevivência.
As sociedades que reduziram os níveis de desigualdades na distribuição do rendimento nacional, como as nórdicas, o fizeram por meio de investimentos sistemático no sistema de educação, o que permitiu qualificar as pessoas, proporcionar o aumento da produtividade do trabalho, que por sua vez aumentou o nível de compensação pelo trabalho. Para além do facto de que uma pessoa instruída, procura melhores formas de utilizar, ou alocar os seus recursos financeiros, o que, certamente, prepara as pessoas para os desafios das sociedades modernas. Digo sempre que a formação universitária em si, nem sempre proporciona o emprego dos sonhos, nada disso! Uma boa formação universitária aprimora a forma de organização do pensamento, qualificando a capacidade de interpretação da multiplicidade de variáveis complexas das sociedades modernas.
Assim, posicionar-se melhor face aos desafios, que se lhe apresentam, pois, saber ler e interpretar os fenómenos de cada momento, permite que a pessoa tenha respostas para cada situação. Mesmo num ambiente económico tão adverso, como o angolano, há jovens que se têm destacado nas suas iniciativas de negócios. Foi doloroso ouvir a história de uma jovem de Luanda, que nas arruaças do dia 28 e 29 de Julho perdeu suas lojas, conseguidas com muito sacrifício e engenho empreendedor.
Falando dos tumultos e arruaças dos dias 28, 29 e 30 de Julho, o foco de muitos analistas, até mesmo das autoridades, está no efeito, sem olhar para as causas. Este exército de excluídos, famintos, desesperados, muitos deles forçados a abandonar o meio rural, inclui crianças que não tiveram acesso à escola. São os angolanos excluídos das salas de aulas, que no ano lectivo de 2024/2025, segundo Manuel Neto Costa, em artigo publicado no Novo Jornal, atingiu a cifra de mais de 7 milhões de crianças. As políticas públicas do pós-independência no que concerne a educação, sem sombra de dúvidas, são um fracasso! A par da exclusão de milhares de crianças do sistema de ensino, há ainda o grave problema da má qualidade de ensino. Estou a dar a mão à três crianças, membros da família. Fiquei espantado que as três meninas, alunas da 5ª e 9ª, e 11ª Classe, não sabiam ver horas num relógio analógico. Tive de as ensinar! A aluna da 9ª classe não conseguiu ,em cálculo mental, somar duas parcelas de milhares, teve de recorrer à calculadora. Aprendi a ler horas na 2ª classe, estou recordado que se fazia o relógio em cartolina ou papelão, nesta mesma classe aprendi a fazer as contas de cabeça (cálculo mental), sem precisar de escrever os números. Aprendi a tabuada na 1ª classe. Hoje, não se pode comparar a 4ª classe do meu tempo, com a actual 9ª classe ou mesmo a 12ª classe. O que se espera do desempenho profissional, ou mesmo académico dessas crianças, adolescentes e jovens?
As arruaças que assistimos nos dias 28, 29 e 30 de Julho são consequência das desigualdades na distribuição da riqueza nacional, sendo, por conseguinte, o início das dores, devido aos fracassos das políticas públicas neste domínio. Até mesmo pelo facto de que não se está a olhar para o problema com o realismo que se impõe. Pois, apenas se está a focar na consequência, ou efeito e não nas causas, aliás, já há condenações, mas sem uma reflexão aprofundada das causas! Por isso, digo que é o início das dores, sem olhar para o problema com serenidade, encontrar as causas, tentar encontrar soluções para as causas do problema, não vamos sair do imbróglio em que estamos metidos. Quando se deixa de fora do sistema de educação milhares de crianças. O que se espera no médio e longo prazo? Grande parte das pessoas detidas, são de facto adolescentes e jovens, em que muitos deles não tiveram educação. A fraca, ou a total falta de educação, é a principal fonte das desigualdades sociais prevalecentes.
Os níveis de empobrecimento da população angolana são assustadores. A classe média angolana, bem dizer, deixou de existir, ou está reduzida, a uma centena de pessoas. Infelizmente, não é possível fazer-se uma análise na mesma perspectiva à do estudo do Piketty (2017), porquanto, no caso de Angola, o rendimento das pessoas singulares está disperso, não sendo possível a análise da progressividade dos impostos (está em curso a reforma tributária, com o lançamento do imposto de pessoas singulares), de tal sorte que não se consegue ter registo do rendimento das pessoas na sua globalidade, como o que se prática já há dezenas de anos em outras jurisdições. Os impostos são o principal instrumento que o Estado dispõe para redistribuição da riqueza, tirando aos que têm muito, passando para os grupos menos favorecidos, através dos serviços públicos, como a educação, saúde, previdência, entre outros.
Andando pelas cidades e vilas no Centro e Sul do País (creio não ser diferente em outras partes do país), o que mais me melindra é ver o número de pessoas com a mão estendida a pedir, bem como o número de pessoas a deambular pelas ruas sem ocupação. Por isso, não fiquei surpreendido com o sucedido nos dias 28, 29 e 30 de Julho, aliás, devemos prever acções ainda mais violentas nos próximos tempos, porquanto os níveis de desigualdades existentes, entre a classe dominante, e a grande maioria da população empobrecida e desesperada, não dão outra indicação, se não o engendramento de actos de saque e arruaças, idênticos aos que assistimos, no passado dia 28, 29 e 30 de Julho. O perigo desses actos irracionais é atingir, maioritariamente, o património público, já escasso, a propriedade de pessoas inocentes e a perda de vidas, também inocentes! Eis a razão pelo que se devia, com profundidade, equacionar-se a causa do problema, e não, focar-se nas consequências, com o martelo dos Juízes, ou com os fuzis, como solução, como estamos a assistir, pois essas soluções, são apenas o adiar das dores!
*Economista