Em todo o mundo, Setembro é dedicado à prevenção do suicídio, uma das maiores causas de morte entre jovens e adultos. Em Angola, o tema ainda vive à sombra do tabu, da negligência institucional e da escassez de políticas públicas eficazes. O psicólogo clínico Nvunda Tonet lançou recentemente um apelo claro: é urgente aprovar uma Lei de Saúde Mental que permita enfrentar este problema com seriedade e estrutura.

O suicídio é um problema de saúde pública, como sublinha Tonet, e deve ser tratado como tal. A ausência de respostas adequadas, tanto ao nível da prevenção como do acompanhamento, contribui para que muitas pessoas vivam em sofrimento invisível. A dor psíquica, quando ignorada, transforma-se em risco. E o risco, quando não é gerido, pode ser fatal. É neste ponto que a legislação se torna necessária vital.

Segundo o especialista, o Plano Nacional de Saúde Mental precisa de ser reforçado e operacionalizado com urgência. Propõe que consultas de Psicologia e Psiquiatria estejam disponíveis desde o nível primário de saúde, ou seja, nos centros e postos de saúde. Esta medida, já prevista no Plano de Desenvolvimento Sanitário 2012-2025, permanece incompleta. Em Luanda, há centros como o da Samba que contam com psicólogos. Mas em províncias como o Zaire, o serviço só existe nos hospitais municipais.

Esta desigualdade territorial é um dos grandes obstáculos à prevenção eficaz. A saúde mental não pode ser um privilégio urbano. Deve ser um direito universal, acessível a todos os cidadãos, independentemente da sua localização geográfica. A ausência de psicólogos nos centros de saúde das zonas periféricas e rurais é um sintoma de um sistema que ainda não reconhece a urgência da questão. E quando o sistema falha, as pessoas pagam com sofrimento - e, por vezes, com a vida.

A proposta de Nvunda Tonet vai além da infra-estrutura. O especialista defende também a formação contínua dos profissionais de saúde, para que estejam preparados para identificar sinais de risco, acolher os pacientes com empatia e encaminhá-los para apoio especializado. A saúde mental exige escuta, tempo e conhecimento. Não basta ter um psicólogo disponível, é preciso que toda a equipa de saúde esteja sensibilizada e capacitada para lidar com estas situações.

Em Portugal, o cenário também é preocupante. Um artigo recente do jornal Público revelou que as universidades esgotaram as verbas destinadas ao apoio à saúde mental dos estudantes. O Programa para a Promoção da Saúde Mental no Ensino Superior, desenhado para jovens entre os 18 e os 25 anos, enfrenta dificuldades de execução. Um quarto dos alunos da Universidade de Lisboa apresenta sintomas de depressão. Estes dados mostram que o problema é global, e que a juventude está particularmente vulnerável.

A juventude angolana não é excepção. Entre os desafios económicos, sociais e identitários, muitos jovens vivem em estados de ansiedade, desorientação e desespero. O suicídio, nestes casos, aparece como uma saída silenciosa. Mas não pode ser normalizado. É preciso criar espaços seguros de escuta, investir em educação emocional e garantir que os jovens tenham acesso a apoio psicológico gratuito e contínuo. A escola, a universidade, o centro de saúde, todos devem ser pontos de acolhimento.

Setembro Amarelo, além de campanha, é uma chamada à acção. É o momento de romper o silêncio, de enfrentar o estigma e de exigir políticas públicas que coloquem a saúde mental no centro da agenda nacional. A aprovação de uma Lei de Saúde Mental, como propõe Nvunda Tonet, seria um passo decisivo. Entretanto, não basta legislar, é preciso implementar, fiscalizar e garantir que os serviços funcionem com qualidade e humanidade.

A pedagogia do Setembro Amarelo é simples: falar salva-vidas. Falar com os amigos, com os filhos, com os colegas. Falar com os profissionais, com os professores, com os líderes comunitários. Falar com quem está em silêncio. Porque o silêncio, quando se prolonga, pode matar. E a palavra, quando é acolhedora, pode salvar.

Em Angola, o caminho ainda é longo. Mas há vozes que já se levantam. A de Nvunda Tonet é uma delas. E cada voz que se ergue contra o silêncio é uma luz que se acende no amarelo de Setembro. Que essa luz não se apague. Que se transforme em política, em cuidado, em presença. n

Porque cada vida conta. E cada vida merece ser vivida com dignidade, apoio e esperança.

*Mestre em Linguística pela Universidade Agostinho Neto