Foi na quarta-feira, 24, que o ministro dos Negócios Estrangeiros russo (o urso) e o secretário de Estado norte-americano (a águia), se encontraram para uma hora de conversa à margem da Assembleia-Geral realizada para marcar o 80º aniversário das Nações Unidas, de onde saiu o compromisso das duas maiores potências nucleares do mundo manterem o diálogo "aceso".
Mas antes, porque este encontro surge depois de o Presidente Trump ter estado com Volodymyr Zelensky, num curto encontro de alguns minutos, mas suficiente para deixar o Presidente ucraniano satisfeito como há muito não se via após reunir com norte-americano, porque Trump lhe disse que "com o apoio da União Europeia e dos países europeus da NATO", podia reaver todos os territórios perdidos para a Rússia nos últimos três anos e meio.
Na conversa imediatamente a seguir com os jornalistas, Donald Trump não apenas disse que iria manter o apoio a Kiev, embora sem se comprometer com mais do que já era conhecido, admitiu poder retirar a confiança a Vladimir Putin, embora dando um mês ao Presidente russo para evitar esse desfecho... mas foi depois, na Truth Social, que o anfitrião largou a granada sem cavilha...
Como se pode revisitar aqui, Trump disse que a Ucrânia pode recuperar os territórios perdidos para a Rússia desde 2022, que não inclui a Crimeia, mas pouco mais abaixo já incluía a estratégica península, apelidou a Rússia de "tigre de papel" porque se fosse uma verdadeira potência militar tinha conquistado a Ucrânia numa semana, e atirou a granada sem cavilha: e pode mesmo ir mais além, ocupando áreas da Federação Russa.
Alguns analistas, como o norte-americano John Mearsheimer, professor da Universidade de Chicago, e um dos maiores especialistas mundiais em geopolítica, ou o britânico Alexander Mercouris, podcaster com proximidade à causa russa mas com demonstrada equidistância nas análises, consideram que este "post" de Trump está a ser mal analisado porque onde os media tradicionais encontram uma inflexão para o lado de Kiev, estes encontram apenas ironia e um "adeus definitivo" ao conflito ucraniano, passando o ónus do apoio aos ucranianos para os países europeus.
Já sobre o epiteto de "tigre de papel" usado por Trump para achincalhar os russos, a resposta foi, claramente, irónica e veio directamente do Kremlin, pelo seu porta-voz, Dmitri Peskov, que lembrou que a Rússia é comummente vista como "o urso" e não como "tigre", assim como os EUA são uma águia e não outro qualquer pássaro.
Peskov, citado pela RT, a partir de uma entrevista a outro media russo, o RBK, recusou a ideia de a Rússia ser um tigre de papel, que é sim um urso e que "não há ursos de papel", garantindo ao norte-americano que "a Rússia é mesmo um verdadeiro urso".
Nessa entrada na Truth Social, o Presidente dos EUA deixou ainda uma bizarra referência sobre ter apenas há duas semanas percebido a plenitude dos efeitos da guerra nas economias russa e ucraniana e defendeu, por isso, que Moscovo com "sérios problemas" e que não vai conseguir aguentar muito mais a actual toada na frente de combate.
Peskov, admitindo alguns problemas na economia russa, assevera a sua resiliência e capacidade para suprir as necessidades do conflito, contra-atacando Trump apelidando-o de "um businessman" e que, como tal, está "apenas a tentar convencer o resto do mundo a comprar o gás e o crude americanos" mais caros e não os russos, mais baratos...
Mas, voltando à diplomacia sentada à mesa e não a passear pelo zoológico, em Nova Iorque, o ministro Sergei Lavrov e o secretário de Estado Marco Rubio, que, recorde-se, também é conselheiro de segurança de Trump, segundo os russos, comprometeram-se a manter o diálogo construtivo e permanente entre as diplomacias de Washington e de Moscovo, procurando avançar na normalização das relações que chegaram a "zero" na Administração Biden.
Já os americanos, mais parcos em palavras na síntese publicada sobre este encontro, reiteraram "a determinação do Presidente Trump em parar a matança" na Ucrânia e a necessidade de Moscovo dar mais firmes e ousados passos para permitir o fim das hostilidades.
O site da RT admite que ocorreu uma ligeira mudança de atitude de Trump face ao que estava acordado após o encontro com Putin no Alasca, que aconteceu após o encontro de ontemem Nova Iorque com Zelensky, mas cita de novo Lavrov onde este enfatiza que a Rússia mantém o empenho em manter a "linha definida" pelos dois Presidentes no seu encontro de 15 de Agosto, onde ambos admitiram ser fundamental analisar as causas profundas para a guerra na Ucrânia.
Com este encontro e as declarações de um e do outro lado percebe-se claramente que os russos estão a desvalorizar as declarações de Trump após a reunião com Zelensky e apostam tudo em manter o fio narrativo após o histórico encontro no Alasca, sendo que em Washington, devido às rápidas alterações da postura de Trump, parece difícil, senão mesmo impossível, definir um alicerce sólido para assentar a normalização das relações com a Rússia.