Poucos dias antes do arranque da campanha, a comunicação social noticiava, no Huambo, a detecção de dois casos de poliomielite, confirmados no município do Sambo. A informação foi avançada pelo director provincial da Saúde, Lucas Nhamba, que prontamente comunicou a situação ao Departamento Nacional de Saúde Pública. Em resposta, as autoridades sanitárias accionaram medidas concretas para travar a propagação do vírus. Estava dado o sinal de alerta: longe de ser uma memória dos anos de 80, a pólio continua a rondar.
No ano passado, publicámos nesta coluna a crónica intitulada Pólio zero: "A estrelinha cuia como o sambapito", sublinhando o esforço do Ministério da Saúde (adiante, MINSA) em levar a vacina a milhões de crianças. Estimava-se, então, vacinar 5,5 milhões de menores em todo o País. A vacina, administrada por gota oral, percorreu os 164 municípios, de porta em porta, em igrejas, mercados e postos sanitários. Era um esforço monumental, marcado pelo entusiasmo das brigadas de vacinação, que mobilizavam crianças com a mascote da Estrelinha Azul.
Todavia, por detrás do esforço oficial, permanece uma fricção subtil. Muitos pais são apanhados de surpresa com o anúncio da vacinação, sobretudo em escolas. Alguns, desconfiados, sentem desconforto por não terem sido devidamente informados antes de que o seu filho receberia a vacina. O que acaba por ser um embaraço.
O MINSA tem insistido que a vacina deve ser tomada em duas fases, sob pena de não garantir imunidade completa. No entanto, mesmo após campanhas mediáticas, verificaram-se episódios em que pais ligaram a clínicas privadas à procura da vacina fora do prazo oficial, sem sucesso. Naturalmente, apenas as unidades públicas estavam autorizadas a administrar as gotas da campanha. Durante as campanhas, as Administrações Municipais, escolas e Igrejas deram o devido suporte, além da acção dos brigadistas de porta a porta. É, portanto, crítico que a falta de clareza informativa coloque crianças em risco.
Num tempo em que a informação circula sobretudo pelas redes sociais, a ausência de impacto visível nas grandes páginas frequentadas pela juventude urbana - casos como Platina Line ou XAA - é um vazio gritante. Ora, se é nesse espaço digital que muitos pais e tutores procuram referências, então por que não ali a Estrelinha Azul se tornar viral?
Urge transformar a vacinação numa rotina incorporada no dia-a-dia das famílias. Hoje em dia, qualquer banco tem uma aplicação com notificações automáticas para lembrar pagamentos, disponibilizar extractos bancários, entre outros. Por que não desenvolver uma aplicação nacional do MINSA com alarmes, lembretes de calendário e informações sobre cada campanha? Seria uma forma prática de reduzir surpresas, aumentar confiança e envolver os cidadãos num processo contínuo de protecção da infância.
Num país com forte crescimento demográfico, como Angola, esta medida seria uma resposta prática às exigências do nosso tempo. Estima-se que Luanda, em 2019, tivesse já mais de 8,2 milhões de habitantes, um quarto da população nacional. Só por este dado se compreende que campanhas massivas de vacinação enfrentem barreiras logísticas gigantescas. Aplicações digitais poderiam, nesse sentido, aliviar pressão e melhorar o alcance.
É certo que a comunicação não se resume à tecnologia. A articulação comunitária continua a ser indispensável. No interior, onde a penetração da internet é mais frágil, a confiança constrói-se pela proximidade com líderes comunitários, igrejas e associações locais. Mas nada impede que a lógica de porta a porta se reforce com uma estratégia nacional de comunicação sobre a obrigatoriedade da vacina.
O vírus da pólio, identificado no Huambo, mostra que basta uma fissura para reabrir uma cadeia de transmissão. A protecção de todos só é alcançável quando há imunidade colectiva, e essa meta não se compadece com hesitações individuais.
Talvez chegue o dia em que, numa simples abordagem do agente regulador do trânsito, o polícia pergunte não só pelos documentos do carro, mas também: "Já tem instalada a aplicação do MINSA?" Seria o sinal de que a vacinação se tornou parte do tecido cultural da sociedade. Até lá, continuaremos a repetir o alerta: vacinar é proteger, e a dúvida ou a surpresa não podem custar a saúde de uma criança.n
*Mestre em Linguística pela Universidade Agostinho Neto