Tanto no discurso do PR como na actuação dos seus auxiliares da Polícia Nacional e dos comentadores de serviço na comunicação social, a pirâmide está invertida, parece haver uma clara estratégia e/ou orientação de se colocar o património e os bens destruídos acima das mortes, é que estamos a falar de 30 mortos, isto fazendo fé nos números oficiais.

O direito à propriedade não pode estar acima do direito à vida. Não se ouviu o PR a falar da abertura de um inquérito para apurar as razões destas mortes ou eventuais excessos das forças da ordem. Não se viu o PR a orientar a sua equipa social para fazer o levantamento do apoio moral, psicológico e material às famílias enlutadas. Ainda vimos o comandante-geral da Policial Nacional dizer literalmente que o facto da cidadã Ana Mabuila estar no nosso País em alegada situação ilegal "justificava" a sua morte com um tiro pelas costas. Um absurdo e sinal de tamanha insensibilidade e desrespeito pela vida humana. Em suma, querem dizer-nos que a destruição de bens justifica toda e qualquer morte. Parece que se quer investir mais em meios para uma polícia repressiva, quando ela devia ter mais meios para prevenir e também proteger os cidadãos.

Os casos dos acidentes em Viana, em que alguns jovens se tornaram "heróis da foto" por incapacidade dos serviços de protecção civil, o caso do acidente na Serra da Leba, em que se verificou que a Polícia Nacional não tem meios adequados para o resgate de vítimas. Outro caso caricato foi o do Aeroporto do Cunene ter ficado "inoperante" durante quase um mês ou mais, porque a única viatura dos bombeiros estava avariada. A maior parte dos semáforos da cidade de Luanda não estão a funcionar e os materiais de vigilância do CISP são só para o "inglês ver". Uma fonte revelou-nos que há até falta de balas de borracha, que só assim se justifica o uso de munições reais nestes actos. Basta ver a vergonha que muitas vezes os bombeiros passam quando chamados a intervir em várias situações, os vídeos circulam nas redes sociais e eles, os agentes da corporação, são alvo de chacota dos cidadãos. Vivemos numa orgia perpétua, parecemos a mulher de vestido caro e bonita, mas que tem a cueca rota, ou o homem do sapato caro, mas com as meias rasgadas.

A ONU pediu investigação independente às mortes durante a greve dos taxistas, na nota divulgada a 31 de Julho, o escritório da ONU para os Direitos Humanos pede ainda que as investigações incidam também sobre as violações dos direitos humanos nesse período. A ONU pretende saber com precisão se os relatos de uso de munições reais contra a população civil se confirmam, considerando que se trata do "uso desproporcional" da força. Não devemos esquecer-nos que Angola tem a presidência rotativa da União Africana, tem responsabilidades acrescidas em termos de boa governação, manutenção da paz e afirmação da democracia. Os estados-membros da organização vão questionar o presidente da União Africana, João Lourenço, que por sua vez terá de questionar o Presidente de Angola, João Lourenço, sobre estes acontecimentos todos. Como isto pode estar a acontecer logo na terra do Campeão da Paz? Os danos para sua reputação e para a imagem do País são irreversíveis. É muito mau para o ambiente de negócios, mau para a nossa afirmação como Nação livre, independente e democrática.

Não se pode estar a viver numa orgia perpétua em que achamos que as coisas acontecem e ninguém está a ver, e não há consequências. Temos de assumir que estamos a falhar há vários anos, que está a faltar estratégias, visão, organização e orientação. Quando se quer forçar culpados internos e externos, mas não se quer discutir as verdadeiras causas da crise, as falhas mantêm-se e os erros repetem-se.