Em primeiro lugar, creio ser, talvez, a principal causa, é o modelo centralizado de governação das nossas cidades e vilas. Quem vive em Mavinga, Kuando-Kubango, esperar por quem está na cidade de Menongue, ou no Palácio da Cidade Alta, em Luanda, para resolver o problema na sua localidade, está condenado a não ver esse problema resolvido! Não pretendo insinuar que a descentralização é a chave de todos os problemas que afectam as cidades e vilas. Não é nada disso! Na aldeia onde nasci, as estradas que ligavam vários pontos da aldeia eram capinadas e limpas pelos aldeões em acções coordenadas pelo soba. A estrada que ligava a aldeia à vila era tratada pelos aldeões, de tal sorte que as camionetas que carregavam a produção agrícola, por exemplo, na propriedade da minha família, transitavam nestas estradas, terra batida, cujas valetas eram tratadas pelos aldeões. Infelizmente, hoje os carros já não chegam à aldeia. Em nenhum momento, fiz referência a dinheiros, apenas iniciativas, congregação de forças e vontade de salvaguardar o bem-estar colectivo, numa única palavra, liderança. Desde a minha tenra idade que os meus progenitores me ensinaram que teria de aprender a resolver os meus problemas, ou seja, encontrar pelas minhas próprias forças a solução dos meus problemas. A centralização habituou, mal as pessoas, todos estão amarrados à espera que o Governo faça. O capim invade a estrada que liga a nossa casa, e estamos à espera que alguém capine por nós. Este estado de dependência levou à degradação das infra-estruturas colectivas das cidades e vilas. A centralização tem uma série de complicações, em que se inclui o problema do financiamento das operações de manutenção das cidades e vilas angolanas. Mas, não é a questão fundamental.
O segundo factor que levou à degradação das cidades tem a ver com um dos pilares da sociedade capitalista, que também já abordei aqui neste espaço, que foi desvirtuada com a nossa opção política de início, Marxismo Leninismo, em que a posse da propriedade passou a ser colectiva. O património imobiliário foi confiscado, por abandono dos seus proprietários originários, dada a situação de guerra que se viveu, pouco antes e a seguir à independência, outros foi mesmo por nacionalização, como um acto de afirmação da soberania. O colectivismo trouxe dois problemas: a capacidade de conservação das propriedades, pois requeria recursos para financiar a sua manutenção; e o facto de o novo dono não dispor de tradição de posse de propriedade, ou seja, não foi fruto de um esforço a posse desse mesmo património, como não custou, também foi descartado. O exemplo mais paradigmático é o que se vê na Restinga (e em muitos outros pontos do País), na cidade do Lobito, em que nos deparamos com vários edifícios e espaços abandonados, degradados que estavam sob tutela dos entes públicos. No passado aquele património imobiliário era fonte de rendimento (Imposto Predial Urbano), na base do que se mantinham os arruamentos e outro património camarário, como, aliás, acontece em outras jurisdições.
O dono de uma propriedade está preocupado com a conservação do seu bem, porque pretende conservar o valor intrínseco do seu activo, por isso intercede junto aos demais membros da comunidade para a manutenção do padrão da área ou do bairro. As más notícias sobre segurança ou outros males do bairro baixam o valor da propriedade e ninguém está interessado que aconteça algo alarmante na sua comunidade. Na maioria das propriedades das cidades e vilas angolanas, são ocupadas por quem a recebeu de bandeja, na maior parte das vezes, não tem capacidade para a manter, ou por incapacidade financeira (na maior parte dos casos), ou porque o colectivo não coopera, porque a lei do condomínio, no caso dos prédios, é ignorada na maior parte dos casos. Qualquer dia, uma grande parte dos edifícios das cidades angolanas terá de ser desabitada e demolida, aliás, como já vem a acontecer nalgumas cidades.
A institucionalização do poder local, ou seja, do poder autárquico, faz que as comunidades sejam governadas pelas pessoas que nelas vivem, é muito importante! No actual contexto, o administrador, por exemplo, da cidade onde vivo, Lobito, está-se marimbando para as pessoas do município que governa. O administrador está preocupado em satisfazer o governador, que é quem o nomeia ou exonera, o mesmo acontece com o governador, que deve lealdade ao Presidente da República, que é quem o nomeia ou exonera. A prova disso é a habitual dança de cadeiras que não tem traduzido em mudanças ou melhorias na governação das cidades, ou províncias. Porquê? Porque não são as pessoas, mas antes o sistema, o modelo de governação é que não permite que a governação das cidades e vilas seja feita pelas pessoas, para as pessoas que vivem nestas localidades. Enquanto não houver transformações que proporcionem ou que transfiram o poder local para as comunidades se envolverem na solução dos seus problemas, condenamo-nos a ver as nossas cidades e vilas afundarem-se cada dia que passa.
Referi numa das minhas reflexões passadas neste espaço, que via dois problemas no horizonte, que, no médio e longo prazos, se vão configurar num grande risco de segurança do País, que eram: o crescimento demográfico descontrolado que se verifica, sem que se vislumbrem caminhos para o seu controlo; e a ocupação desordenada de terras, em que se assiste uma confusão enorme, em que, ao lado de uma vivenda, constrói-se um prédio de 5 a 10 andares; o ordenamento do território, se é que existe, parece existir só no papel, pois se assiste uma trapalhada sem precedentes. Ao lado de uma fábrica, há residências e quintas, não havendo distinção de áreas para agricultura, residências, verticais e/ou horizontais. A actividade, que nos outros países é afecta aos órgãos de governação local, está numa desorientação estonteante. O negócio de terrenos se tornou na fonte de corrupção dos órgãos do poder local, dos sobas aos administradores municipais.
Diz-se que o Bairro do Compão no Lobito, que está num estado lastimável, degradou-se de forma acelerada pelo facto de se ter entulhado a bacia de retenção das águas pluviais, onde se construiu a Igreja Católica e o Instituto Politécnico Superior Católico (ISPCOB). O antigo bairro das escolas, como Liceu (já não me lembra o nome do Liceu), da escola industrial e Comercial Gago Coutinho, a Rua da estação do Compão, por onde passavam os jovens da Catumbela, que iam ao Liceu ou à Escola Industrial e Comercial, hoje transformou-se numa picada. Estou em crer que os Tios que moraram nesta Rua (Champulim) e que já foram (Vasconcelos, Pereira do Vale, Calala, Salumbo, Ringote e outros de que já não me lembro), devem estar bem deprimidos, tal como acontece comigo, sempre que passo por aquelas Ruas, sento uma dor no coração, levando-me à depressão. O Lobito, está mesmo a precisar de um socorro urgente. As obras em curso há quase 3 anos, andam a passos de camaleão, causam imensos transtornos no dia-a-dia dos munícipes, sem que isso, signifique alguma coisa aos entes públicos responsáveis pelas obras.
Creio que a resposta da razão da degradação das nossas cidades e vilas, é do domínio público, é a forma como são governadas. As cidades e vilas são governadas por pessoas que, por vezes, não são residentes daquelas localidades, são trazidas para cumprir uma comissão de serviço, as comunidades não são envolvidas na solução dos problemas da sua comunidade, em regra, não participam na concepção dos planos de desenvolvimento ou directores, consequentemente, não funcionam. Neste andar, sem ser pessimista, pois, em regra, sou uma pessoa muito optimista, um dia acordaremos, se de facto acordarmos, no meio de uma lagoa. Salvemos as nossas cidades e vilas, de nada valerá, forçar a elevação de kimbos em municípios, pois o problema não está em serem comunas ou municípios, o problema está na forma como estes kimbos, comunas e municípios são governados.
*Economista

