Foi durante a realização da Feira dos Municípios, que decorreu, há pouco mais de um mês, na cidade do Lubango, que Nuno Mahapi "ousou" "refrescar" a memória do Presidente João Lourenço para a necessidade da prioridade da medicina preventiva, em vez da curativa, assim como apelou para que o Estado faça maiores investimentos nos cuidados primários de saúde, ou seja, em unidades de base.
Sem descurar a importância da construção de novos e polivalentes hospitais ou a reabilitação das já existentes, o governante quis dizer, por outras palavras, que pouco ou nada serviria apostar na política do "betão armado", sem desenvolver simultaneamente a construção de unidades de saúde primárias e secundárias dotados de equipamentos e recursos humanos à altura da demanda.
Apesar de ter reconhecido os investimentos que foram ou têm sido feitos com a construção de novas infra-estruturas de saúde e reabilitação das que já existiam na Huíla, Mahapi não deixou de advertir sobre as graves fragilidades e insuficiências que ainda assolam os demais municípios daquela província, o que, segundo ele, tem resultado no estrangulamento das unidades terciárias do centro, ou seja, na sobrecarga dos serviços das unidades de referência.
Apontou como exemplo o caso de uma ambulância que diariamente tem sido forçada a percorrer por mais de mil quilómetros para transportar pacientes de um dos municípios mais distantes para a sede da província, realizando múltiplas viagens num só dia.
Na realidade, este fenómeno não se regista apenas na Huíla, sendo também extensivo às demais províncias do País, incluindo a de Luanda, onde a falta de condições de atendimento nas unidades de saúde da periferia tem levado às constantes evacuações de pacientes para os hospitais de referência, contribuindo, desse modo, para a sobrecarga desses serviços e consequente incapacidade de resposta.
À conta das constantes evacuações de doentes, diz-se, com alguma dose de ironia, que os motoristas das ambulâncias em Luanda são os "únicos" que trabalham nos centros de saúde onde felizmente existem esses meios de transporte...
Não deixa de ser caricato que muitos dos doentes transportados para as unidades do centro padeçam de doenças "simples", tais como a malária e outras de foro gastro intestinal, mais concretamente as diarreias agudas, muitas das quais originadas pela péssima qualidade da água que consumem; doenças essas que podiam ser tratadas localmente, sem recurso às unidades de referência.
Daí que faz todo o sentido o apelo do governador da Huíla para que se aposte na medicina preventiva, já que um verdadeiro SNS deve estar munido de cuidados integrados de saúde, nomeadamente: a promoção e vigilância da saúde, a prevenção da doença, o diagnóstico e tratamento dos doentes e a sua reabilitação médica e social.
Em países onde existe um SNS robusto como, por exemplo, Portugal, o tratamento dos doentes tem começado na base, ou seja, nos centros de saúde dos bairros, por via dos médicos de família, de forma a evitar a " corrida às urgências" dos grandes hospitais.
Aliás, a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) tem recomendado aos Estados-membros, sobretudo em África, a construção de pequenas e intermédias unidades de saúde, em vez de mega hospitais, alguns dos quais convertidos em autênticos "elefantes brancos".
Infelizmente, entre nós, faz-se, exactamente, o contrário, os centros de saúde não existem ou, se existem, são uma lástima, já que, na sua maioria, carecem de microscópios, reagentes, ecógrafos, ou energia para despistar uma "simples" malária ou febre tifóide.
Ninguém em sã consciência pode negar que, nestes seis anos de governação do Presidente João Lourenço, houve esforços no sentido de inverter o débil quadro da assistência médica e sanitária nas novas unidades de saúde construídas ou que foram reabilitadas, algumas receberam equipamentos de ponta, mas, verdade seja dita, foram registados poucos avanços, porque não foram respeitadas as prioridades, que deixaram escancaradas as fragilidades e insuficiências de todo o SNS.
Por outro lado, os hospitais de nível terciário que receberam equipamentos modernos não têm sido devidamente explorados devido à falta de quadros capazes, pelo que se diz, à boca pequena, que as novas unidades vivem de "Kixikila de quadros", ou seja, de "tapa buracos".
Os governantes angolanos, sobretudo o TPE e a ministra da Saúde, mais parecem apostados na chamada política do "betão armado", alicerçada na construção grandes hospitais, dotados de equipamentos de ponta, em detrimento das unidades básicas da saúde, que dariam respostas mais céleres.
Apesar dos investimentos feitos nos últimos anos, muitos pacientes continuam a morrer de doenças curáveis, com destaque para o paludismo. Neste capítulo, o médico e sindicalista Adriano Manuel não podia ser mais claro, quando, em distintas ocasiões, revelou que, apesar dos "avanços" com a construção de novos hospitais e maiores investimentos no sector, os "angolanos" continuam a morrer das mesmas doenças de há 20 anos".
Para o presidente do Sindicato dos Médicos Angolanos, as "doenças" do SNS estão há muito identificadas, mas o seu tratamento carece de "vontade política por parte do Executivo para mudar o quadro".
Há quem acredite que os media públicos poderiam ajudar a melhorar o quadro da saúde no País, caso a mesma exercesse o papel que lhe cabe, ou seja, informando com verdade e sem subtilezas.
Infelizmente, temos uma imprensa estatal que continua a ser um instrumento de propaganda do regime, acrítica, constituída por jornalistas " bem comportados" que não conseguem apontar os erros e insuficiências do nosso (falido) SNS.
De facto, os órgãos de comunicação ao serviço do poder político têm-se limitado a mostrar o verniz dos edifícios recém-inaugurados, mas depois nunca mais voltam ao local para saber ou apurar sobre a qualidade de serviços aí prestados.
Depois de uma campanha ruidosa em torno dos médicos de família de nacionalidade cubana, que vieram em Angola, pagos a peso de ouro, os media estatais nunca se deram ao trabalho de fiscalizar o que eles têm feito nos centros de saúde onde foram colocados. Dispõem de meios de trabalho? Será que ainda lá estão quando abundam informações de terem enveredado para o exercício da medicina privada ou mesmo abandonado o nosso país em busca do El Dorado noutras paragens?
Há dias, o PR garantiu que nunca faltará dinheiro para o sector da Saúde, sendo essa a primeira prioridade de todas as prioridades. Sabendo-se que o País necessita de médicos, não se compreende como é que Angola tem pelo menos três mil médicos no desemprego... Por que razão Angola " continua a importar " médicos estrangeiros, sobretudo de Cuba, que chegam a ganhar dez vezes mais do que os nacionais? Para não dizer, de forma imerecida, já que alguns expatriados são de competência profissional questionável.
No topo da colina
As "doenças" crónicas do nosso Sistema Nacional de Saúde (SNS)
O governador da Huíla, ao contrário da generalidade dos seus homólogos provincianos que invariavelmente cobrem as visitas do Presidente da República às suas províncias com rasgados elogios à figura do Titular do Poder Executivo (TPE), teve a coragem de tocar, ainda que ao de leve, numa ferida crónica que há muito sangra, mas que poucos gestores públicos evitam abordar a "chaga" no espaço público: a falência do nosso Sistema Nacional de Saúde (SNS).
