A ciência política ensina-nos que a inclusão social é o conjunto de medidas direccionadas para pessoas omitidas do meio social, seja por alguma deficiência física ou mental, cor da pele, orientação sexual, género ou estatuto fazendário dentro da comunidade. A inclusão social objectiva proporcionar oportunidades de acesso iguais às das pessoas sem aquelas "limitações". Ou seja, fazer com que todo o indivíduo, independentemente de qualquer "pecha", consiga dispor, sem preconceitos, de bens e serviços, como saúde, educação, emprego, renda, lazer e cultura, entre outros.

Há muitos exemplos de como as autoridades governamentais e a sociedade em geral se estão marimbando para aqueles aos quais deveriam estar voltadas medidas concretas de inclusão social. Há dias, o País conheceu um exemplo flagrante neste sentido. Trata-se da ausência da Selecção Nacional de futebol com muletas num torneio de preparação agendado para o período entre 6 e 8 de Junho, na Polónia. O evento é uma espécie de "janela FIFA" dessa variante do futebol.

O convite chegou ao Comité Paralímpico Angolano (CPA) com mais ou menos mês e meio de antecedência, período considerado curto para instar o Governo a suportar as despesas decorrentes da participação na prova. Por isso e porque há instruções claras quanto à submissão de documentos para participações internacionais, o CPA sequer notificou o Ministério da Juventude e Desportos (MINJUD) para o efeito. A entidade que cuida do desporto adaptado no país preferiu não queimar cartuchos, sob pena de ver recusados pedidos posteriores, mesmo quando a competição for efectivamente a doer.

Na verdade, a opção do CPA também se estribou parcialmente numa promessa de um empresário que se havia disponibilizado a patrocinar a equipa para a viagem em questão, mas à última hora recuou. Como sabemos, muitas empresas passam por dificuldades sérias, inclusive para honrar compromissos salariais. Provavelmente, o empresário deveria estar à espera de um pagamento para honrar a palavra empenhada junto do CPA.

É óbvio que a regra é submeter antecipadamente a documentação para ter o apoio financeiro do Governo, a fim de participar em qualquer evento internacional. Mas ninguém ignora que não há regra sem excepção e a excepção confirma a regra. É, aliás, obrigação do Governo apoiar as Selecções nacionais. Isto está escrito. Ou seja, mesmo não tendo sido accionadas para o efeito, as autoridades governamentais bem poderiam ter-se chegado à frente para resolver o assunto. Afinal, trata-se de um torneio de preparação para o "Mundial" de Outubro próximo, na Turquia.

Durante dias a fio falou-se na comunicação social sobre a possibilidade de a Selecção Nacional de futebol com muletas não honrar o convite que lhe foi endereçado para estar entre as melhores do Mundo. Logo, não custava nada às próprias autoridades governamentais tomarem a iniciativa de abordar o CPA. O empresariado também não se moveu. Ficou quedo e mudo. Para concretizar essa importante participação no torneio polaco, a delegação precisava apenas da ninharia de AKZ 10 milhões, qualquer coisa como 25 mil euros no câmbio oficial, já que parte das despesas seriam pagas pela organização. É simplesmente inacreditável.

Nisso tudo, é grave o facto de este não ser o primeiro desperdício de convite recebido para que a Selecção Nacional de futebol com muletas possa preparar-se ao mais alto nível e sem grandes custos. Muitos convites tiveram que ser recusados por falta de condição financeira. Num país que continua a gastar milhões com frivolidades, dói saber que a ausência se deve à falta de uma bagatela de 25 mil euros. Dói imenso, principalmente porque o Governo e a sociedade têm responsabilidades acrescidas para com cidadãos como os que integram a Selecção Nacional de futebol com muleta, muitos dos quais amputados por uma guerra que eles não pediram.

Mais doloroso ainda se torna, quando, em contrapartida, há a assinatura de um contrato-programa entre o Fundo de Apoio à Juventude e ao Desporto com a Federação Angolana de Futebol (FAF) para a campanha de qualificação para a fase final do CAN"2023. O MINJUD a tratar com a instituição que perdeu temporariamente o patrocínio do consórcio de empresas públicas para o "Girabola" porque não consegue prestar contas é, no mínimo, questionável. Independentemente da importância social do futebol, parece-nos imoral tratar com um ente que deixou os árbitros entrarem em greve porque não os conseguia pagar, apesar de ter dinheiro para o efeito. Do mesmo modo, até agora não consegue prestar conta de verbas recebidas da Total Energie.

Dado o histórico da FAF neste particular - é um ente no qual não se pode confiar -, o MINJUD deveria proceder como se faz no sector bancário. Alguém que tenha o nome sujo na praça financeira por desonra de compromisso não consegue novo empréstimo em nenhum outro banco. Não é por sadismo que os bancos agem assim. Fazem-no em defesa dos seus activos, porque depois que um é vigarizado, outro também pode sê-lo.

Os campeões do mundo de futebol com muleta têm um "Mundial" à porta, disputando-se já em Outubro próximo. Até agora não tiveram nenhum jogo de preparação, porque jamais conseguiram responder positivamente aos inúmeros convites que chegaram ao CPA. Provavelmente vão defender o título sem nenhum jogo ou sem uma preparação condigna no exterior do País, ao contrário do que acontece com as principais modalidades desportivas praticadas em Angola.

Curiosamente estes deserdados são os mesmos que nos encheram de orgulho em Novembro de 2018 e inclusive foram galardoados pelo Presidente da República com a Medalha de Bravura e de Mérito Cívico e Social de 1.ª classe. Na ocasião, a ministra da Juventude e Desportos, Ana Paula do Sacramento Neto, manifestou-se orgulhosa dos "heróis de Guadalajara", frisando que "a nação agradece". Em mensagem afim, João Lourenço considerou o feito como "inspirador exemplo de superação e firmeza".

Ora, se heróis são tratados dessa forma, imagine-se como são tratados os demais deficientes. A impressão que dá é de que o silêncio das autoridades e da sociedade de um modo geral só ocorreu por se tratar de uma classe "diferente" de pessoas. E a prová-lo está o facto de uma Selecção Nacional como as "Palancas Negras", que só dá desgostos aos angolanos, ser atendida ao mínimo chiado, enquanto a "outra" nem com chorados berrados conseguiu comover governantes e empresários.

Decididamente a inclusão social é uma grande treta e o preconceito em relação aos deficientes é uma realidade incontornável.