A audiência ocorrida no final da Conferência de Roma de Solidariedade com os Povos das Colónias Portuguesas, organizada, dias antes, por militantes de esquerda e sindicatos italianos, foi uma das maiores vitórias diplomáticas dos movimentos de libertação contra o regime colonial fascista português.

Depois desse encontro, que foi destaque na imprensa internacional, Amílcar Cabral, na qualidade de porta-voz do grupo, enaltecera de forma peremptória a importância do referido "facto político".

"Trata-se de um facto político de enorme importância, mas, antes de mais, de um facto moral", enfatizara o líder do PAIGC, antes de sublinhar a justeza da luta de libertação, afirmando que "a autoridade máxima da Igreja (Católica) não apoia nada que seja contra a paz, a liberdade e a independência dos povos".

Sabendo da importância e repercussão que aquele encontro teria, não só no desenvolvimento da própria luta, mas também na busca de outros apoios, incluindo dos que ainda se mantinham reticentes, Cabral manifesta grande satisfação pela audiência e preconiza: "Pensamos que entrámos numa nova fase política da nossa luta".

Os líderes do PAIGC, FRELIMO e MPLA foram os primeiros representantes de movimentos de libertação a ser recebidos por um Papa em plena luta contra a potência colonial.

A audiência, que criou um grave conflito diplomático entre o regime de Salazar e Caetano e a Santa Sé, entra para História como um duro golpe ao projecto colonial português.

Em 1972, Cabral, exímio diplomata e construtor de pontes, volta a fazer História, ao tornar-se, como observador, no primeiro representante de um movimento de libertação a discursar na ONU, onde faz a denúncia das atrocidades do colonialismo português em África.

Na sequência dessa retumbante vitória diplomática de Amílcar Cabral, a ONU adopta por "aclamação" uma resolução condenatória de Portugal em que reconhecia o PAIGC como "único, verdadeiro e legitimo" representante do Povo da Guiné e Cabo Verde.

No seu último discurso, mensagem de Ano Novo de Janeiro de 1973, poucos dias antes de ser assassinado na Guiné Conakry, Cabral lembrava que "os próprios aliados do governo colonial fascista de Portugal votaram em bloco contra ele".

Nesse mesmo ano, em Rabat, capital marroquina, o líder do PAIGC foi, novamente, a escolha para porta-voz dos movimentos de libertação de África, na Cimeira de Chefes de Estados e de Governos africanos.

Ainda em Marrocos, uns anos antes, em 1961, Cabral, o estratega e ideólogo da revolução da Guiné-Bissau e Cabo Verde, juntou-se ao moçambicano Marcelino dos Santos e ao angolano Mário Pinto de Andrade para proclamar a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP).

Esta organização, CONCP, substituiu a Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das Colónias Portuguesas (FRAIN), também fundada por Amílcar Cabral, e os dirigentes do MPLA, Azancot de Menezes, Lúcio Lara e Viriato da Cruz, no ano anterior, durante a 2.ª Conferência dos Povos Africanos, em Túnis, capital tunisina.

Em 1951, com Mário Pinto de Andrade, nacionalista e um dos maiores intelectuais angolanos do século XX, Cabral funda, em Lisboa, o Centro de Estudos Africanos, um instrumento importante para os estudantes africanos envolvidos na luta clandestina contra o regime colonial fascista de Salazar.

A escolha de Amílcar Cabral para porta-voz dos oprimidos, certamente, teve em conta a sua "grande capacidade de comunicação e de interagir com as pessoas, excelente formação e grande capacidade intelectual e de transmitir conceitos complicados em linguagem simples", de acordo com o testemunho do Comandante Pedro Pires, à Voz da Alemanha, por ocasião dos 50 anos do assassinato de Cabral.

Como pan-africanista, o fundador das nacionalidades guineense e cabo-verdiana sublinhava constantemente a identidade africana da sua terra natal com expressões como "o nosso povo africano da Guiné" ou "a Guiné africana".

Nesta senda, no início de 1973, ao apelar aos "patriotas" cabo-verdianos e guineenses residentes em Portugal para que se unissem e se juntassem aos "trabalhadores forçados", Amílcar Cabral advoga que a "acção patriótica" deve estar "ao serviço do partido, do nosso povo e de África".

Cabral identifica os colonialistas fascistas portugueses como o "inimigo principal do nosso Povo e de África" que com "manobras pérfidas, e actos bárbaros", têm a "criminosa intenção e a vã esperança de destruir o nosso partido, aniquilar a nossa luta e recolonizar o nosso povo".

Figura de dimensão universal e um dos principais pensadores africanos do séc. XX, Cabral, um "avant la lettre", na opinião da socióloga cabo-verdiana Crispina Gomes, desde sempre defendeu um papel fundamental das mulheres na revolução e no processo de reconstrução do País.

Para tal, coloca a igualdade de género no centro do discurso e da luta política e faz depender o triunfo da revolução da participação das mulheres, afirmando que "a nossa revolução nunca será vitoriosa se não conseguirmos a plena participação das mulheres".

É assim que, nos textos fundacionais do PAIGC, é inscrita a defesa da igualdade entre homens e mulheres da seguinte forma: "Os homens e as mulheres gozam dos mesmos direitos na família, no trabalho e nas actividades públicas".

Titina Silá, Carmem Pereira, Teodora Inácia Gomes, Francisca Pereira, entre outras, são algumas das destacadas guerrilheiras da Luta Armada pela Independência da Guiné e Cabo Verde que ocuparam funções de destaque nas estruturas de direcção do PAIGC.

Como líder político que juntava teoria e acção prática, em 1967, Cabral nomeia Carmem Pereira para o cargo de comissária política e responsável da pasta da saúde do PAIGC.

Nas novas funções, Carmem Pereira cria, entre 1968 e 1969, as Brigadas Políticas e as Brigadas de Saúde que passaram a participar nas frentes de ataques dando uma nova dinâmica à luta do PAIGC.

Consciente de que as suas companheiras eram vítimas de dupla discriminação: a colonial e dentro das famílias, Cabral dizia que as mulheres enfrentavam dois combates, como lembrou Crispina Gomes, em declarações à Voz da Alemanha, para assinalar o cinquentenário da morte do líder guineense-cabo-verdiano.

Indo ao encontro das palavras de Cabral, a revolucionária Carmem Pereira cunha a expressão "combatendo dois colonialismos", sublinhando que as mulheres guineenses "precisam de lutar contra dois colonialismos: um dos portugueses e outro dos homens" da Guiné.

Por ser uma militar temida pelo inimigo, formadora de milícias e exímia manejadora de armas, Titina Silá era, na opinião de Amílcar Cabral, uma Mbalia Camara, referência, combatente e heroína da Luta pela Independência da Guiné Conakri.

Titina Silá morreu, numa emboscada, a 30 de Janeiro de 1973, baleada pelos colonialistas quando fazia a travessia do rio Farim (norte da Guiné-Bissau) de canoa, a caminho do funeral de Cabral.

As preocupações de Amílcar Cabral com as questões de género abarcavam também a linguagem política, como fez quando, por exemplo, saudou os e as guineenses que, em 1972, votaram nas regiões libertadas para a primeira Assembleia Nacional Popular (Parlamento) da Guiné-Bissau.

"A todos os eleitores e eleitoras, que, como mulheres e homens conscientes, souberam cumprir tão dignamente os seus deveres de cidadãos livres da nossa nação africana", disse, na ocasião, o líder do PAIGC.

Como advogado da igualdade de género, nessa altura, Cabral manifestara-se satisfeito ao ver uma mulher africana liderar a negociação que culminou na resolução do Conselho de Segurança à favor da Independência das colónias e de condenação de Portugal.

"Pela primeira vez sob a presidência de uma mulher, a nossa irmã e camarada guineense (da Guiné Conakry), Jeanne-Martin Ceci, (o CS da ONU) adoptou por unanimidade uma resolução que condena o colonialismo português e exige do governo de Portugal que cesse a guerra colonial em África e retire as suas tropas de ocupação e entre em negociações com as forças patrióticas", afirmara Cabral, o defensor dos direitos das mulheres, líder de líderes.