É que estas situações alimentam a crise institucional, fragilizam e expõem instituições. É que quem devia contribuir para o reforço da estabilidade democrática, fortalecimento das instituições e promoção do princípio da separação de poderes acaba "usurpando" competências de outros órgãos, exercendo pressão sobre os mesmos. "Quem sobe ao poder geralmente não sabe descer", escreveu Carlos Drummond de Andrade no "Avesso das Coisas" e quando se debruçava sobre a Política. Esse é o dilema de muitos titulares de cargos no Poder Político e no Poder Judicial. Aquilo que devia ser uma relação profícua entre os dois poderes há muito que se transformou numa relação promíscua, tornando-se agora numa relação podre e azeda. É o avesso das coisas.
Os casos de Exalgina Gambôa (Tribunal de Contas), Joel Leonardo (Tribunal Supremo) e Laurinda Cardoso (Tribunal Constitucional) resultam da liberdade e poder de escolha de João Lourenço, que começa ele próprio a ficar desiludido com as suas opções, porque nomes de pessoas com maior credibilidade, idoneidade, experiência e competência não lhe faltaram. O cartão partidário, compadrio e as conveniências falaram, muitas vezes, mais alto quando havia melhores opções sobre a mesa. E aqui João Lourenço também tem o ónus da culpa porque as escolhas foram suas. Em cinco anos, três juízes-presidentes de tribunais superiores acabaram demitidos (a seu pedido), sendo um deles Exalgina Gambôa, que irá ficar para a história como a "mboa" que andou a extorquir ministros. Mas, o avesso das coisas entre Poder Político e o Poder Judicial vem já desde o tempo da governação de José Eduardo dos Santos (JES), quando se fez um "arranjo". A inamobilidade dos juízes foi bem praticada com as trocas de Manuel Aragão do Supremo para o Constitucional e de Rui Ferreira do Constitucional para o Supremo, tudo no interesse de agendas políticas, e foi aí que o Poder Judicial começou a pagar o preço da incoerência.
Os juízes-presidentes de tribunais superiores deslumbraram-se com o poder, o status e com o dinheiro que tinham ao seu dispor. Ninguém sabia (ou ainda sabe) quando recebiam, quanto gastavam e como gastavam, escudavam-se na separação de poderes para fazer das suas. Na verdade, os tribunais superiores sempre foram verdadeiras coutadas dos juízes-presidentes e dos seus aliados. JES sabia dos esquemas e desvios, mas, desde que a lealdade, obediência e servilismo estivessem presentes, ele fechava os olhos. João Lourenço não é José Eduardo dos Santos, não é o avesso, mas, sim, o inverso. JES era o estadista e diplomata, JLo é militar, disciplinador e controlador.
O Poder Judicial ao tempo de Rui Ferreira e de Manuel Aragão demorou a perceber isso e, quando percebeu, tentou colocar um "travão" naquilo que consideram ingerência do Poder Político na sua até então "inviolável zona de conforto", e o resultado todos conhecemos. O controlo e influência sobre o Poder Judicial e a comunicação social sempre foram elementos importantes para a manutenção do político da era JES e assim vai sendo na era JLO. Não tenhamos ilusões. O que aconteceu com Rui Ferreira, Manuel Aragão e Exalgina Gambôa é um recado para Joel Leonardo que, pelo que se viu esta semana na Cidade Alta, está em vias de ser "o próximo mais próximo" e também para Laurinda Cardoso. A crise institucional está aí: o Poder Judicial, que devia ser a reserva moral do Estado, está de rastos, fragilizado e nas ruas da amargura. Hoje até chegou ao ponto de o Presidente da República acusar publicamente uma antiga juíza-presidente do Tribunal de Contas de ter estado a extorquir ministros. É o avesso das coisas.
Outra situação preocupante e que me foi revelada por alguém do nosso "Kremlin" é que muitos governantes, quando tomam posse, não conhecem o programa do partido (MPLA) e de forma empírica prometem fazer isto e aquilo. E há aqui uma falha que precisa de ser corrigida. O MPLA não pode continuar a ser permanentemente criticado ou penalizado nas urnas, porque o Executivo não cumpre o programa de Governo sufragado nas eleições. E aqui também temos o avesso das coisas.
O Executivo incumpridor penaliza o seu próprio partido. Penso ser altura de o MPLA, uma vez mais, pedir contas ao Executivo, exigir que cumpra com o programa de Governo apresentado aos eleitores e validado nas urnas. Pelos pronunciamentos e promessas, facilmente percebemos que existem membros do Executivo que não conhecem, nunca leram e nem cumprem o programa de governação do seu partido.
Será necessário um exercício de crítica e de autocrítica para se ultrapassarem estas barreiras internas. É que, na altura da prestação de contas, da avaliação ou do voto, será sobre aquilo que o MPLA e o seu cabeça-de-lista prometeram, não necessariamente sobre o que um governante populista ou mais emocionado prometeu aos cidadãos com base em inspirações em Odorico Paraguaçu.
Já viram que anda quase tudo no avesso? É o avesso das coisas.