A pergunta, oportuna, salta da tampa ante a ameaça de virmos a ser novamente engolidos pela máxima "lampedusiana": mudar tudo para que tudo fique na mesma...

Porém, nem oito, nem oitenta. A resposta àquela pergunta, não sairá de uma arma de destruição massiva, mas também não será envolvida em grinaldas.

Não havendo espaço para festivais de fogo de artifício, não se abrirá igualmente alas à instauração de um cenário apocalíptico que oponha "todos contra todos". Não, nada disso.

Desde logo porque sente-se no ar a fermentação crítica de uma mudança de atitude dos governados para com os governantes de carácter irreversível.

Sente-se no ar a calibragem de um novo espírito de liberdade que, impulsionado de baixo para cima e avesso ao inconformismo, se ergue agora para fazer prevalecer o direito à indignação dos cidadãos contra sucessivas operações de cosmética que, por aqui, continuam a embrulhar em exótico bálsamo o nosso sistema democrático.

E sente-se ainda no ar a noção dos gigantescos estragos provocados pela embriaguez do "boom" petrolífero propulsora de uma perigosa deriva governativa.

Mas, no ar clama-se também pelo surgimento de reformadores portadores de uma mente "desmineralizada", que sejam capazes de oferecer à sociedade um pensamento político mais racional e uma visão da coisa pública mais estruturada.

No ar ergue-se ainda o desabrochar de reivindicações de uma cidadania que, depois de ter sido conduzida, durante vários anos, em contramão, ao impor agora como imperativo político e moral a arrumação e desinfestação da casa de diversas pandemias sociais, exige a imersão de uma liderança que, mesmo escrevendo direito por linhas tortas, saiba ao menos reconhecer que o poder do dinheiro mal gerido pelos governantes é sempre inversamente desproporcional à lucidez política, à noção de racionalidade governativa e ao bom senso dos governados.

Se "partir os dentes" ao ciclo de monopólios prevalecente constituiu uma espécie de "Grito de Ipiranga", a via verde para as reformas num sector nevrálgico para a economia - os petróleos - pode ter sido betumada no mais poderoso activo do país - a Sonangol - com a separação do exercício, em simultâneo, da atividade concessionária da atividade de exploração.

Escreveu-se assim direito porque houve coragem política para dar um pontapé no desfile de conflitos de interesses que, assente no império da corrupção, acabou por provocar a degradação da imagem da companhia.

Escreveu-se direito porque a sua governança passou agora a estar virada exclusivamente para o seu "core bussiness", pondo fim à ilusão besuntada na testa dos seus funcionários que julgavam que pertenciam a um Estado dentro de outro Estado...

Escreveu-se direito porque começou-se a quebrar o ciclo vitorioso da acumulação de ociosidade em pessoal, do triunfo da morte de competências à deriva, da dispersão de energias de recursos técnicos e do descontrolo de meios financeiros que, sem qualquer escrutínio auditorial, acabaram por provocar há oito anos a sua falência técnica.

Escreveu-se direito porque a Sonangol está agora obrigada a preparar-se para enfrentar o mercado da concorrência, em igualdade de circunstância, com as demais operadoras petrolíferas.

Escreveu-se direito porque em obediência às regras de transparência e em busca das práticas que conferem maiores garantias de credibilidade aos parceiros, entregou-se, finalmente, a função concessionária a um organismo - a Agência Nacional de Petróleos.

Endireitadas algumas das linhas tortas com que, por aqui, no passado, se coseram as nossas políticas públicas, com uma nova escritura em andamento, começam agora a levantar-se dúvidas sobre a arquitectura das reformas e sobre o perfil dos reformadores.

Dei por mim, por isso, a projectar um rápido olhar sobre a obra de Deng Xiao Ping. E lembrei-me então, que este (quase) anão de metro e meio impulsionador da política de "portas abertas" na China, ao demonstrar ao mundo que tamanho não é documento, atirou-se às reformas munido de três armas:

uma forte convicção na mudança sob uma liderança firme, a "paciência de chinês" alicerçada numa visão de longo prazo e uma elite política séria, comprometida e bem preparada.

E, logo lembrei-me também de João Lourenço. Lembrei-me de um Presidente que, alimentando o país com uma forte vontade de mudança, está, porém, a tornar-se vítima dos seus próprios erros de "casting" e de algumas decisões governamentais que, tomadas por impulso e sem efeitos no bolso dos cidadãos, ao gerarem a descrença, na China certamente levariam o velho Deng a corrigir o tiro.

Lembrei-me que a prevalência por aqui de um ambiente de negócios difuso e a incapacidade dos poderes públicos vencerem alguns desafios sociais básicos estão a revelar que, em muitos casos, a incompetência pode estar a ser muito mais danosa para a governação do que a corrupção.

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