Descartes duvidou de tudo, inclusive da sua própria existência e do mundo que o rodeava. Ele acabou encontrando algo de que não poderia duvidar: a existência da dúvida. A lógica do pensamento de Descartes é a de que, ao duvidar de algo, estaria pensando. E, se existe a dúvida, o pensamento também existe. Logo, se penso, igualmente existo. Foi "O discurso do método" que resumiu o seu pensamento na frase em francês Je pense, donc je suis, depois traduzida para o latim Cogito, ergo sum. É que o princípio da dúvida no amigo que inspirou este editorial começou com um "Penso, logo duvido", terminando então no tal "Penso, logo desisto". Hoje, começa a ser um sentimento generalizado, as pessoas desistem porque deixaram de ter alguma em que acreditar, desistem porque sentem que o País falhou com elas. Sentem que os políticos e as instituições falharam com elas. Deixaram de querer insistir e preferem desistir.
Há quem desista e se vá embora, mas há quem desista e fique por cá (porque, se calhar, não tem como também se ir embora). Ficam por cá quase já sem expectativas e objectivos para o futuro. Jovens que, em tempo de paz, se decidem a emigrar em busca de uma vida melhor para si e para os seus. Até quem governa e anda nestas coisas da governação também os seus lá fora, porque acredita que é no exterior que terão melhor educação, saúde e habitação. O paradoxo nisto tudo em que em conversas privadas se percebe que eles próprios nem acreditam no País dirigem e nem no sistema que há décadas nos vem governando. Hoje, temos no País um ambiente em que grande parte dos cidadãos já não acreditam em quem governa e que não vêem na oposição uma alternativa viável e sustentável. Quebrou-se a confiança dos cidadãos nas instituições. O sistema está todo fragilizado. Há uma quebra de confiança, de aceitação e de popularidade no Presidente da República.
Cada pronunciamento, cada exoneração, cada nomeação, cada decisão ou cada viagem ao exterior gera polémica, discussão, vira meme e anima as redes sociais, criando sempre um cenário pouco favorável para si e o estabelecimento da confiança entre governantes e governados. O Poder Judicial está totalmente de rastos e sem credibilidade, tendo até alcançado um feito inédito (pelas piores razões, claro) na sua história: nos últimos cinco anos, três juízes-presidentes de três tribunais superiores (Tribunal Supremo, Tribunal Constitucional e Tribunal de Contas) renunciaram aos cargos pelas razões que todos sabem, mas que também todos se calam. O jornalismo está cada vez mais asfixiado pelas interferências dos poderes políticos, económicos e agora até o Judicial na linha editorial dos órgãos. A comunicação social como caixa de ressonância ou meio de propaganda dos poderes perde credibilidade e confiança dos cidadãos, que assim já nem os levam a serio, nem os seguem.
É destaque, nesta edição do NJ, um escândalo de atribuição de notas numa instituição de ensino superior. Quando as instituições de ensino que deviam ser referência, quando instituições que têm a missão de formar quadros para desenvolver o País, quando instituições que devem ter a vocação de promover o mérito, a competência e a excelência acabam revelam estar metidas em esquemas fraudulentos, em que é que os cidadãos podem esperar mais? Quanto à ética e à deontologia, elas são colocadas de parte, e outros interesses entram em cena, é bem revelador do País em que vivemos. Mas esse é o País que temos e não devíamos estar a desistir dele ou de viver nele. Quem tem responsabilidades de governação tem de nos dar razões para acreditar, motivos para ficar e não desistir. Não se pode ficar indiferente ao sofrimento dos cidadãos, não se pode ignorar o seu direito à indignação.
O Executivo, aliado às forças de inteligência e segurança com a comunicação social pública no estratagema, não pode passar um atestado de menoridade aos cidadãos, não pode achar que os cidadãos não têm vontade própria e que não pensam pelas suas próprias cabeças ao ponto de precisarem de ser instrumentalizados ou manipulados por um partido na oposição para agirem. Até quem está na governação ou no partido que governa também está indignado com a subida do preço do combustível, dos produtos da cesta básica e com a perda de poder de compras. Ignorar isso só indigna mais os cidadãos e aumenta a desconfiança em relação ao Governo e a outras instituições. E como as pessoas pensam, logo acabam desistindo e desistem porque ficam com a percepção de que este Presidente, este Governo e o partido que o sustenta há muito desistiram delas. Insistir, resistir e desistir passou a ser o trinómio que domina hoje a vida dos nossos cidadãos. Dêem-nos alguma coisa em que acreditar. Ao menos isso.