Na primeira, apenas circulam os eleitos do sistema e que têm acesso a generosos empréstimos bancários sem que seja, sequer, necessário a apresentação das mínimas garantias olímpicas, onde existem fazendas que lhes foram oferecidas e que têm o tamanho de alguns países europeus; onde as contas bancárias em offshore necessitam de um perito privado em gestão bancária, pois os legítimos proprietários "desconseguem" gerir aqueles universos; onde os filhos improdutivos se passeiam no estrangeiro em carros que custam o preço de um centro de saúde com tecnologia de ponta.


O "Acesso Condicionado" é um lugar de conforto, de protecção. Os curiosos são barrados. Ali funciona um código de compadrio temporário entre quem detém o poder e quem está na sala de espera das fezadas. Quando muda o dono do poder, os beneficiários deixam cair o antecessor e de forma canina ajoelham-se ao novo dono sem questionar. O método é o atropelo à Ética e à Honra. Neste paraíso, os habitantes não se preocupam com as necessidades quotidianas, pois tudo está lá para os servir de forma generosa. As grandes preocupações são se no próximo local de férias se aluga o hotel inteiro ou se compram já um palácio. Se o casamento do filho terá 800 ou 1500 convidados.

Se o parto da filha será em França ou nos Estados Unidos da América. Se compram uma nova casa, pois os sapatos de marca já não cabem na actual. Neste País, os corruptos são protegidos e são respeitados, e o povo é motivo de chacota. Neste País, os dirigentes amam tanto os pobres que os multiplicam.


A Angola do "Acesso Condicionado" exige recursos em abundância, pois a quantidade de horas de voo que os seus habitantes têm, somadas em conjunto, muito provavelmente já equivale à distância entre a Terra e o Marte. As filhas ainda crianças menores de 17 anos vão para os colégios com carteiras da Hermès e da Chanel, numa ostentação desproporcional às suas idades e promotoras de um ridículo exemplo de novo riquismo. Tudo aqui é dourado, dos relógios às mobílias, das babás vietnamitas ou filipinas à arrogância promovida pelo complexo de superioridade. Da publicidade que surge na Euronews ao ministro que manda aldrabar os dados estatísticos para agradar o chefe, mesmo que o chefe nem tenha solicitado tal ilegalidade. Aqui só se fala de dinheiro, contam-se as propriedades, comparam-se negócios, resvalando sempre para a falta de sentido.


Noutra Angola do "Desenrasca-te como Puderes", está a esmagadora maioria da população angolana. Aqui, o "Acesso Condicionado" é provado e reiterado pela incapacidade sequer de se prover água potável para todos, num país onde a quantidade de rios é épica. Apenas 10% das crianças com cinco anos frequentam o ensino pré-escolar, e as outras 90% têm "Acesso Condicionado" à capacidade de os seus pais terem dinheiro para as colocar no ensino privado, o que é uma impossibilidade manifesta para a maioria. Aqui, uma criança frequenta a escola durante oito anos e apenas aprende o equivalente a quatro anos, de acordo com o Index de Capital Humano do Banco Mundial. Aqui, o presente não tem futuro que assente na dignidade humana pela ausência de emprego, de acesso à saúde e aos medicamentos e por não existir sequer uma instituição pública que ofereça um prato de sopa quente todos os dias a quem passa fome.


Nesta Angola de dor e sem nenhum serviço público de alívio social que ampare quem bateu no fundo, onde o combate à pobreza foi e é um insulto à indigência, os velhos são enxovalhados pelo abandono, os seropositivos têm um tratamento intermitente, sendo que mais de 30 mil crianças estão sem anti-retrovirais e os cancerosos não têm tratamento adequado, pois o Centro Oncológico mede medo de tanta insuficiência. A Saúde Pública é um desastre, pois a ausência de saneamento básico atraiçoa todas as promessas e 47 anos depois a malária continua a ser a principal causa de morte de adultos e crianças. A fome é uma realidade. Relativa é a vontade de resolver o problema. As minorias étnicas são apresentadas como folclore, sem dignidade nem respeito pela sua cultura, pela sua amarga qualidade de vida e pela sua importância histórica. Não há memória de nenhum representante legítimo que tenha saído da comunidade e sem fato ocidental ter sido eleito deputado para defender uma realidade que afecta milhares de angolanos, mas que é invisível aos olhos do Direito e das Garantias por parte dos governantes.


Nesta Angola do "Desenrasca-te como Puderes", onde o futuro está descalço, desnutrido, desabrigado e desprotegido, não existem elevadores sociais para que o povo possa alterar a sua miserável sorte. A desigualdade social que foi e é promovida pela ausência de políticas públicas eficazes e realistas, sobretudo políticas económicas, sociais e ambientais que visassem o Bem Comum, continua inalterada. O estado catatónico em que esta Angola se encontra não tem nada a ver nem com o passado histórico, nem com a guerra, nem com aspectos culturais como nos querem fazer acreditar. O poder político perdeu todas as oportunidades que foram postas à sua disposição desde o fim da guerra até hoje. O retumbante fracasso social deve-se à ausência de uma liderança com uma visão que reflectisse o propósito de um País para todos. Liderar não é chefiar. Liderar é ter um sonho, que seja bom para todos e desenvolvê-lo e tal como nos ensinou Kant a "Agir sempre de modo a querer que a sua acção se torne uma lei universal".


Sonho com uma Angola que acabe de vez com todos os "Acessos Condicionados". Uma Angola onde todos tenham os mesmos Direitos à nascença. Uma Angola onde a arrogância dos políticos e servidores públicos seja punida por desrespeito à democracia e ao povo soberano. Sonho com uma Angola onde quem tem menos tenha a prioridade, onde o progresso se desenvolva da aldeia para a cidade e não ao contrário como temos assistido. Sonho com uma Angola onde a Escola Primária seja a principal instituição do Estado, a mais acarinhada, a mais protegida e a mais financiada. Sonho com uma Angola onde nunca mais ninguém passe fome nem tenha que beber a mesma água dos bois. Sonho com uma Angola que consiga banir a negligência e o egoísmo dos políticos sem afectos, que seja capaz de acabar com a mortalidade infantil e com os musseques. Uma Angola que consiga unir todos os angolanos em torno da Pátria e com uma nova bandeira que nos una e nos identifique. Uma nova Angola que devolva a esperança a todos os que a perderam.


Para que isto aconteça, precisamos de um novo Governo que oiça o povo com o coração, que esteja presente em todas as suas aflições, que entre nas suas casas como um pai, um amigo e não um colector de votos. Um Governo que defenda apenas os princípios e que entenda Gabriel Garcia Marquez quando diz: "Aprendi que um homem só tem direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se". É esta Angola que devemos exigir. Menos do que isto não nos serve.