Para tal decisão, Embaló usou como pretexto os confrontos militares ocorridos em Bissau, na sequência da detenção, pelo Ministério Público, a 30 de Novembro, do ministro das Finanças, Suleimaine Seide e do secretário de Estado do Tesouro, António Monteiro, alegadamente por terem feito diligências para o pagamento de uma dívida do Estado a 11 empresários.

A dívida, no valor de seis mil milhões de francos CFA, cerca de 10 milhões de dólares, seria paga através de um crédito a um banco comercial de Bissau, procedimento normal usado por anteriores governos, apoiados por USE.

No mesmo dia, a Guarda Nacional libertou os dois governantes que horas depois foram recapturados pelas Forças Armadas e reenviados para a cadeia da Polícia Judiciária, gerando confrontos entre a Guarda Nacional e o Exército que resultaram em pelo menos dois mortos.

A detenção do ministro das Finanças e do secretário de Estado do Tesouro inviabilizou a realização de uma anunciada sessão da Comissão Especializada do Parlamento, onde os dois governantes deviam prestar esclarecimentos sobre operações financeiras ilegais que o Governo anterior - formado e apoiado pelo Presidente - terá executado.

Dias antes, em audição parlamentar, Suleimaine Seide, para "evitar instabilidade", recusara-se a divulgar a lista de indivíduos e entidades que receberam pagamentos ilegais feitos pelo Governo apoiado por USE. Face a essa recusa, o Parlamento decidiu tratar do assunto na referida Comissão Especializada.

USE, cujos desmandos constitucionais são conhecidos na Guiné e na região, caracterizou esses confrontos como tentativa de golpe de Estado e aproveitou o momento para, sem suspender a Constituição, dissolver o Parlamento com uma maioria qualificada e, com isso, retirar do palco político o seu principal adversário, Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC e presidente da ANP.

O PR guineense ignorou a Constituição do País que impede a dissolução do Parlamento nos 12 meses subsequentes à realização de eleições legislativas (as últimas foram a 4 de Junho passado), protagonizando, assim, um "atentado ao normal funcionamento das instituições democráticas", como denuncia a Ordem dos Advogados do País.

Perante a "flagrante violação constitucional", os advogados guineenses, qualificam a atitude de Umaro Embaló como conducente a "mais uma crise política e institucional" que provoca o "desmoronamento do Estado de direito democrático".

Diferentemente da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) que apenas "expressou solidariedade com o povo guineense e criticou mudanças de Governo inconstitucionais", a União Africana, através do presidente da sua Comissão, Moussa Faki Mahamat, "condenou veementemente a recente violência na Guiné-Bissau", ao mesmo tempo que "registou com preocupação a dissolução do Parlamento".

Com essa reacção, omissa em relação à dissolução do Parlamento, a CEDEAO, organização que enfrenta ameaça de cisão pelas sanções impostas a Guiné-Conackry, Mali, Burkina Faso e Níger, países liderados por juntas militares saídas de golpes de Estado, mostra a sua parcialidade e dualidade de critérios.

Depois da copiosa derrota do seu partido, Madem-G15, nas legislativas, ganhas por maioria absoluta pela coligação PAI-Terra Ranka, liderada pelo histórico PAIGC, Embaló, a quem o PR português, Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) elogiou pela "estabilização da Guiné", não tem se cansado de praticar actos de instabilidade.

Entre tais actos destaca-se, nomeadamente, ordenar a invasão e ocupação por militares encapuzados e fortemente armados da sede do Partido de Cabral, paredes meias com o Palácio presidencial, com o objectivo de intimidar os dirigentes e militantes da referida formação política.

O "amigo e irmão" de MRS anulou algumas decisões populares e constitucionais do Governo, designadamente uma medida, negociada com a indústria panificadora, para fazer baixar o preço do pão, produto básico da alimentação dos guineenses.

Condecorado, em Outubro passado, em Lisboa, por MRS com o Grande Colar da Ordem do Infante (a mais alta condecoração do Estado Português destinada a dignitários estrangeiros), Embaló retribuiu o gesto, atribuindo o nome do Presidente de Portugal a uma das ruas de Bissau.

Esta decisão, que faz lembrar a nomeação da toponímia colonial em que nomes como de Adriano Moreira e outros governantes do regime colonial fascista eram atribuídos a cidades, bairros e ruas nas colónias, sem qualquer reciprocidade, numa discriminação contra os africanos, deixou estupefacto muitos guineenses.

A atitude de USE e de Rebelo de Sousa, "um presidente que já é sem qualquer dúvida o presidente mais fraco desde 74", na opinião de Henrique Raposo, escritor e cronista português do semanário Expresso, causou indignação em meios políticos e intelectuais guineenses.

Esses meios esperavam que Marcelo Rebelo de Sousa, que, contrariamente a Bissau, não tem o seu nome atribuído a qualquer rua na capital lisboeta, recusasse a polémica homenagem.

Por isso, Firkidja di Pubis, uma organização da Diáspora guineense que em Portugal tem denunciado o "cerceamento das liberdades democráticas" na Guiné-Bissau, refere que com o seu comportamento, o Estado português "participa activamente na higienização de Umaro Sissoco Embaló".

Desde a sua chegada ao Poder, USE tem-se esforçado em adoptar medidas de branqueamento das atrocidades praticadas pelo colonialismo português na Guiné-Bissau, alegando que isso faz parte do passado e que a juventude precisa de olhar para o futuro.

Neste contexto, acabou com o feriado de 3 de Agosto, data do massacre de Pidjiguiti de 1959, desencadeado pelas forças coloniais portuguesas que reprimiram e assassinaram cerca de 50 e causaram ferimentos a uma centena de estivadores negros do Porto de Bissau, por reivindicarem direitos laborais e civis, um momento crucial para a organização da Luta Armada de Libertação Nacional encetada pelo PAIGC.

USE eliminou também os feriados de 20 e de 30 de Janeiro, respectivamente, assassinatos de Amílcar Cabral e da heroína Titina Silá, figuras decisivas da luta contra o colonialismo português.

Num País onde quem controla os militares domina o Poder, o Presidente guineense, para agradar aos militares, mudou a data da Independência Nacional, arrancada a ferro e proclamada unilateralmente pelo PAIGC, de 24 de Setembro para 16 de Novembro, dia das Forças Armadas.

Na mensagem vídeo que endereçou às comemorações dos 50 anos da Independência da Guiné Bissau, organizadas pela ANP, nas colinas de Boé, local onde, em 1973, o PAIGC proclamou a Independência, USE omitiu os nomes de Amílcar Cabral e do PAIGC como timoneiros da longa batalha pela independência do País, causando espanto aos convidados estrangeiros e Corpo Diplomático presentes nas festividades.

Observadores da realidade guineense e regional acreditam que USE estará a criar condições para copiar o negativo exemplo do vizinho e amigo da fronteira norte (Senegal), Macky Sall, que, para retirar da corrida presidencial o seu rival político, Ousmane Sonko, moveu-lhe um processo judicial que, apesar de pouco claro, culminou na condenação do opositor a dois anos de prisão efectiva e o impedimento de concorrer às presidenciais de Fevereiro de 2024.

Sonko, 49 anos, líder da oposição, ex-inspetor-chefe fiscal e defensor de reformas políticas e do sistema tributário senegalês, com muita aceitação e popularidade junto da juventude, maior segmento eleitoral, antes da sua prisão, presidia o partido Patriotas Africanos do Senegal para o Trabalho, a Ética e a Fraternidade (PASTEF), agora ilegalizado pelo Governo de Macky Sall.

Contando com amparo de Portugal, Senegal e conivência da CEDEAO, Embaló soma e segue na sua campanha para neutralizar politicamente o seu adversário e afastá-lo das próximas presidenciais, bem como ilegalizar o PAIGC, perante a passividade da dita Comunidade Internacional.