Prevista para terça-feira, 20, em Luanda, no Hotel Intercontinental Luanda Miramar, esta mini-Cimeira, a segunda este ano, convocada pelo Presidente angolano na qualidade de líder da CIRGL, cargo que ocupa desde Novembro do ano passado, atesta o empenho pessoal de João Lourenço na procura de uma solução alargada e duradoura para aquele turbolento país.

A RCA vive há longos anos num turbilhão armado devido, por um lado, à guerra entre facções religiosas, cristãs, animistas e islâmicas, e, por outro, ao assalto ao poder por grupos armados apoiados pelo antigo Presidente François Bozizé, especialmente depois deste ter visto o Tribunal Constitucional recusar a sua candidatura às Presidenciais de Dezembro de 2020.

Uma boa parte destes conflitos simultâneos, que acabam por estar todos ligados, tem por detrás os abundantes recursos naturais do país, o que explica igualmente o interesse despoletado em algumas potências internacionais, como a Rússia, a França, a União Europeia e os EUA, e regionais, como o Ruanda, e, naturalmente, a CIRGL.

O que levou a que, justificado com acordos bilaterais, russos e ruandeses tenham actualmente milhares de tropas no terreno, estando mesmo em curso investigações da ONU sobre alegados abusos cometidos por mercenários ao serviço de Moscovo.

O que se passa?

Paramilitares russos estão a ser acusados de abusos na República Centro-Africana, país onde se encontram, segundo estimativas avançadas por alguns media ocidentais, milhares de militares, incluindo mercenários, enviados por Moscovo em apoio ao Presidente Faustin-Archange Touadéra, fortemente combatido por grupos rebeldes, tendo a ONU já confirmado que foram iniciadas investigações para averiguar essas acusações.

Este problema, que pode assumir especial gravidade devido à fragilidade da situação político-militar local, surge numa altura em que Luanda se prepara para acolher, na terça-feira, 20, mais uma mini-Cimeira da CIRGL, por iniciativa do Presidente João Lourenço, que lidera a organização, com a situação da instabilidade nesta complexa geografia, especialmente no leste da RDC e na situação crítica que se vive na Republica Centro-Africana (RCA).

A RCA vive há vários anos em permanente guerra civil com grupos rebeldes a procurarem o assalto ao poder em Bangui, a capital do país, com o antigo Presidente François Bozizé por detrás, mas com especial violência antes e depois das eleições do ano passado, que deram um segundo mandato ao Presidente Faustin-Archange Touadéra, que conta com o apoio oficial de militares russos a formar as tropas lealistas, mas sob suspeita de que Moscovo mantém um forte contingente de "mercenários" a garantir o circulo de segurança mais próximo do Chefe de Estado.

Provada que está a presença de elementos da sociedade privada russa Wagner, conhecida em todo o mundo como uma empresa que contrata mercenários para actuar em diversos locais do planeta, integrando essencialmente antigos militares deste país.

O Ruanda é outro país que assumiu o envio de militares para a RCA em apoio ao Presidente Faustin Touadéra, tendo, tal como a Rússia, sublinhado que isso aconteceu no âmbito da cooperação bilateral e no seguimento de um pedido oficial emitido por Bangui.

A ONU tem igualmente uma missão alargada no país, a MINUSCA, que tem desempenhado um papel importante na manutenção da paz em algumas áreas do território, como foi o caso da libertação da estrada que liga aos Camarões e que permitiu o alívio das restrições no acesso a bens alimentares que ameaça condenar à fome milhares de pessoas.

RCA, o novo ponto quente na região

A RCA é, de há longos meses para cá, uma fonte permanente de preocupação na sub-região dos Grandes Lagos, onde a CIRGL, liderada pelo Presidente angolano desde Novembro do ano passado, procura encontrar soluções de compromisso alargado envolvendo alguns dos principais actores da região, até porque, por exemplo, sabe-se hoje que este país está a ser usado por guerrilhas que desestabilizam outros países próximos, como no leste da República Democrática do Congo (RDC).

Para isso, João Lourenço, que demonstra especial empenho na busca de uma solução duradoura para a RCA, organizou em finais de Janeiro uma mini-Cimeira da CIRGL em Luanda, estabelecendo os parâmetros de acção para que possa ser definida uma estratégia de acção que deverá envolver a ONU, directamente, bem como as organizações pan-africanas e sub-regionais.

A segunda parte dessa Cimeira vai ter lugar já amanhã em Luanda, no Hotel Intercontinental Luanda Miramar, onde João Lourenço é o anfitrião de um conjunto de homólogos e representantes de organismos com ligação natural a esta problemática da segurança na Região dos Grandes Lagos, para analisar e propor soluções.

Uma das questões levantadas na anterior Cimeira foi o facto de o Presidente Faustin-Archange Touadéra, que viu o seu mandato legitimado em eleições realizadas em Dezembro último, apesar de fortemente contestadas pela oposição, estar impedido de rearmar o seu Exército para combater as guerrilhas que podem obter o mais moderno armamento de forma ilegal, usando-o para derrubar o poder legítimo.

Essa constatação levou João Lourenço a emitir um apelo à ONU para que seja levantado esse "embargo" a Bangui para que Touadéra se possa defender convenientemente dos grupos que procuram alterar a normalidade constitucional no país. Isto mesmo terá sido reafirmado ao Secretário-Geral da ONU, António Guterres, dias depois, numa longa conversa telefónica.

Recorde-se que o Presidente Faustin-Archange Touadéra, nos últimos dois anos, deslocou-se por várias vezes a Luanda para conversações com João Lourenço, tendo, nesse período, sido estabelecidos alguns acordos para o aprofundamento da cooperação bilateral nos domínios da indústria mineira como na segurança.

Para já, a RCA depara-se com um novo problema, com a ONU a analisar acusações de abusos perpetrados por paramilitares russos, nomeadamente extorsão, o que já levou Moscovo a garantir a colaboração com as Nações Unidas para tirar isso a limpo.

Isso mesmo foi confirmado pelo representante especial da ONU para a RCA, Mankeur Ndiaye, que esteve no início deste mês na capital russa para conversações com as autoridades do Kremlin.

Numa entrevista à RFI, o também chefe da MINUSCA, para além de confirmar as suspeitas que existem sobre o comportamento de militares russos, assegurando que estas estão a ser investigadas, Mankeur Ndiaye disse ser objectivo da ONU procurar a negociação para resolver este conflito, envolvendo os partidos da oposição e deixando, todavia, de fora os grupos armados que tenham participado em crimes de guerra e ataques a populações civis.

No entanto, esta questão não foi confirmada pelo vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, tendo Valery Zakharov garantido, ainda segundo a RFI, que "os crimes que possam ter sido cometidos por instrutores russos não fazem parte do objecto de discussão com o chefe da MINUSCA".

A RCA é um país que vive na insegurança permanente há longos anos e é conhecido pela imensa lista de recursos naturais que possui, desde logo o ouro, mas as atenções, segundo alguns relatórios, estão centradas na área dos denominados minérios estratégicos, como é disso exemplo o coltão e o cobalto, que despontam forte interesse das grandes potências mundiais.