Bertino Matondo é o terceiro director do SIE em cinco anos. Acha que isso é revelador de alguma fragilidade institucional ou falha na estratégia?

Não necessariamente. Pode ter a ver com a disponibilidade dos anteriores na manutenção do cargo ou com alguma alteração no conceito de diplomacia e segurança externas. Como se sabe, as relações externas são voláteis e, por vezes, os actores que intervêm no complexo mundo diplomático e securitário têm de manter certo equilíbrio que, com os anos, naturalmente, podemos vir a perder ou necessitar de termos de nos reequilibrar. Acresce que o primeiro director do consulado do Presidente João Lourenço foi nomeado pelo antecessor e, sendo este um cargo de confiança do Presidente, e, foi natural que esse o tivesse substituído no momento que considerou adequado. No caso da substituição do general José Luís Caetano Higino de Sousa, vulgo "General Zé Grande", pode ter a ver com factos que, recentemente, o Novo Jornal fez estampa ou um acordo entre o Presidente e o general para a antecipação da sua saída por razões que só os dois poderão esclarecer.

A modernização do SIE e a valorização dos seus efectivos foi um dos apelos de João Lourenço e que ainda não aconteceu.

O SIE, enquanto tal, é um serviço relativamente novo e que começou com pessoas que não estariam "formalmente" preparadas e capacitadas para o desempenho que dele se espera. Com isso, não estou a dizer que não fossem pessoas profissionalmente capazes, pelo contrário. O que desejo sublinhar é que este serviço exige pessoas com características profissionais específicas e modernas. Na minha opinião, este serviço começou a ter algum maior desemprenho nos últimos anos, com a maior intervenção de Angola nas questões diplomático-securitárias do continente, em especial nos Grandes Lagos. A criação de estudos securitários nalgumas instituições universitárias e cursos de pós-graduação, bem como seminários tanto no sector castrense como na área diplomática, levou a que houvesse necessidade de melhorar e valorizar os profissionais de base e de topo do SIE. Suficiente? E evidente eu não! E nunca será suficiente toda e qualquer valorização profissional que se faça, face às constantes alterações do mundo diplomático e securitário. Mas, sublinhe-se, também, que a valorização do SIE - e de todos os departamentos oficiais em geral, e daqueles que servem a diplomacia e a segurança nacionais, em particular - não passa ó pela dos profissionais, mas, igualmente, dos meios e dos apoios superiores. Sem esses, por muito bons profissionais que sejam, ninguém se sentirá motivado.

Fontes do NJ atestam que Zé Grande alega ter feito um trabalho digno de registo em termos da valorização e promoção dos quadros. Concorda?

Concordo em absoluto, até pelo que já referi. Apesar de nunca me ter sido dito nada que não fosse oficial - e devo aqui esclarecer que fui um dos orientadores da tese de doutoramento do senhor general José Luís de Sousa, e com quem, naturalmente, tive muitas conversas que, por causa da tese abordávamos alguns aspectos da sua vida profissional que nela foram reflectidos e transpostos para um livro que já se encontra à disposição de todos -, apesar de nada me ter sido dito, como referi, foi claro ao longo destes anos que com ele privei, a nível académico, que se sentia que o senhor general tinha uma, diria, colagem quase total da sua actividade profissional e académica - uma e outra complementam-se na área em questão - ao serviço de que foi director. E sabemos que muitos dos quadros que hoje existem no SIE foram lá colocados por iniciativa do senhor general que os foi cooptando de outros departamentos e procurando que os que para lá foram fossem dos mais competentes. O SIE, não esqueçamos, é um serviço que exige máxima competência e dedicação.

Ao longo dos anos, o SIE vem perdendo capacidade operativa e de penetração externa. Como inverter este quadro?

Pode, assim, parecer, mas do que conheço da intervenção e da capacidade de trabalho dos membros do SIE e das suas direcções - naturalmente cm apoio das presidências - não me parece que esteja a ocorrer essa perda de capacidade operativa e de penetração externa. Recordemos que o director do SIE acompanha ou acompanhava, se não sempre, na maioria dos casos e, algumas vezes, por antecipação; e disso sei, pelas razões académicas acima indicadas em que algumas das nossas reuniões eram adiadas, devido à sua função de director do SIE e de sua "never time", mas de um "always immediately and present at timing", ou seja, nunca tinha os "horários" fixos e não se podia prever o cumprimentos dos mesmos, porque o que contava era o momento imediatamente presente e este é - era, no caso - determinado pela agenda imediata do Presidente. Por isso, considero que não haja perda. Mas, nada obsta que não possa ter uma maior intervenção se essa for a vontade do Chefe do Governo, em exercício, de preferência em cooperação com o MIREX. E creio que é aqui que muitas vezes o SIE pode colidir e provocar alguns constrangimentos dentro do aparelho do Estado.

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