"Relações entre Angola e Portugal nunca estiveram tão boas", esta é a frase que a Lusa escolheu para um dos títulos da extensa entrevista que fez a João Lourenço, como, de resto, é costume que o Presidente faça nas vésperas de visitas de Estado relevantes.

Mas esta frase tem muito mais húmus que o significado imediato das palavras que a compõem, significa que não há pontas soltas nas relações entre Luanda e Lisboa, como existiram no passado, desde logo com o tremendo "irritante" provocado pelo processo judicial aberto em Lisboa contra o antigo vice-Presidente angolano, Manuel Vicente.

Este "irritante" foi, então, resolvido com Portugal a ceder à pressão de Luanda e a transferir, ao abrigo de um acordo no âmbito da CPLP,o processo contra Manuel Vicente para os tribunais angolanos, onde não está esquecido, segundo a PGR angolana.

Nestas entrevista, que a agência portuguesa de notícias seccionou, onde lança apelos ao investimento luso em Angola, pedindo aos empresários daquele país europeu que ajudem Angola a diversificar a sua economia de forma a libertá-la das amarras do sector petrolífero.

"As relações estão muito boas, nunca estiveram tão bem quanto agora, precisamos é de aumentar o investimento português em Angola e onde for possível", diz Lourenço aos jornalistas da Lusa, debruçando-se ainda sobre as ferramentas existentes, como a linha de crédito que recentemente cresceu ou os acordos que vão ser assinados no contexto da presença de António Costa em Luanda.

Isto, porque, como lembra o Presidente Lourenço, o crédito à exportação "incentiva a deslocação das empresas portuguesas para Angola, uma vez que elas se sentem mais confortáveis e com a garantia de que o que vêm fazer a Angola fica coberto por esse crédito" e este deve ser priorizado na infra-estruturação rodoviária do país.

Uma das notas negativas sublinhadas nesta entrevista foi a decisão da Galp de alienar os blocos petrolíferos que detinha em Angola, ao que João Lourenço se limitou a dizer que "se permanecessem seria melhor" admitindo, todavia, que "eles terão as suas razões para se terem retirado".

A "princesa" chega à conversa e Vicente também e ainda José Sócrates

Quando estas visitas ocorrem, seja de dirigentes angolanos a Portugal ou portugueses a Angola, com tutela na área da Justiça, os nomes de Isabel dos Santos, a empresária e filha do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, e do ex-vice-Presidente Manuel Vicente, saltam sempre para o palco mediático. É novamente o caso.

"Isabel dos Santos não é minha rival política", foi a frase preferida da Lusa para titular a segunda secção da entrevista a João Lourenço.

Aqui chegados, o Presidente da República disse que a empresária que carrega o nome do antigo Presidente, que governou o país de 1977 a 2017, é "apenas uma" entre vários cidadãos a contas com a justiça, deixando claro que não a encara como uma rival política.

"Eu não a vejo como minha rival política. Perseguição política? Persegue-se um opositor e os opositores do MPLA são conhecidos", esclarece.

Face à insistência dos autores da entrevista, a directora da Lusa, Luísa Meireles, e a delegada da agência em Luanda, Raquel Rio, João Lourenço, sob o pressuposto de que é bem conhecida a história de Isabel com a PGR angolana, onde correm contra ela processos variados e há anos, além dos tribunais portugueses, holandeses, britânicos... apelou a que sejam a Justiça e as polícias a fazerem o seu trabalho.

"Vamos deixar que a Interpol faça o seu trabalho. Costuma-se dizer que a justiça às vezes é lenta a agir, confiamos na idoneidade e capacidade da Interpol em cumprir o seu papel", apontou e sublinhou que "há trâmites a seguir" e, por isso, o melhor é "aguardar pacientemente pelo desfecho".

Negou ainda de forma efusiva que a empresária esteja a ser alvo de perseguição política como a própria alude - ver links em baixo nesta página -, e também a oposição fala de uma acção judicial dirigida à família do antigo PR, ZéDú.

Quanto a Manuel Vicente, o Chefe de Estado lembra que o velho "irritante", como o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros português, e actual Presidente da Assembleia da República, Santos Silva se referiu a esse momento, foi "uma questão de soberania" nacional, e não foi Luanda a motivá-lo.

E deu um exemplo que os portugueses conhecem bem, para que não ficassem dúvidas sobre a relevância e a justificação para isso que o Governo angolano deu a este assunto, que já tem vários anos.

Assim: "Foram as autoridades judiciais portuguesas que entenderam levar à barra dos tribunais [portugueses] um governante daquela craveira. Não estou a imaginar Angola a ter a ousadia, por exemplo, de levar a tribunal um José Sócrates se, eventualmente, ele tivesse cometido algum crime em Angola. Felizmente, o desfecho foi bom (...) se tivesse demorado mais tempo talvez tivesse deixado mazelas, mas devo garantir que não deixou nenhumas".

Nessa altura, o Ministério Público português, como pode ser revisitado nos links em baixo nesta página, apontou ao antigo vice-Presidente angolano, quando ainda decorria o prazo temporal de plena imunidade concedida legalmente em Angola aos antigos Presidentes e vice-Presidentes, acusações de branqueamento de capitais, corrupção e, entre outros, falsificação de documentos.

Questionado pela Lusa, João Lourenço preferiu não comentar o caso, que "está na justiça", mas espera que os órgãos judiciais façam "a parte que lhes compete", escusando-se a abordar a relação que mantém actualmente com o antigo homem forte da Sonangol, já que está "absorvido 24 sobre 24 horas" com as questões do Estado.

Lourenço não revela o "segredo" da hipotética 3ª candidatura

Como esperado, a Lusa também procurou saber se o Presidente Lourenço está, afinal, a pensar numa terceira candidatura, para a qual teria de conseguir o apoio da UNITA para proceder a uma alteração à Constituição, mas ficou sem perceber, porque a resposta foi claramente evasiva.

Depois de ter, embora com opiniões contrárias sobre se o teria mesmo feito, admitido numa entrevista à France24, dias antes da visita do Presidente francês Emmanuel Macron a Luanda, que essa possibilidade seria analisada em 2027, agora foi mais contido, embora deixando claro que em 2027, anos das eleições gerais regulares, vai continuar a servir Angola.

"Em 2027 vou continuar a servir o meu país" foi a frase, novamente uma frase, escolhida pela Lusa para titular esa terceira secção da longa entrevista ao PR angolano, mas recusou-se a abordar a questão de um 3º mandato.

"... (mas) estamos muito longe dessa data, não estamos em período eleitoral, não é sensato falar em apresentação de candidaturas", dizendo que o MPLA saberá escolher o seu candidato quando for tempo disso, prometendo que quando o fizer, fá-lo-á não atropelando "nem a Constituição, nem a lei", fechando assim o assunto. Pelo menos por agora.

Outro assunto interno sempre sob o braseiro mediático são as eleições autárquicas e, quanto a isso, disse que o melhor é não falar "porque é arriscado", mas assegura que não serão afectadas pela nova divisão político-administrativa, que visa entre outras alterações, o aumento dos actuais 164 para 581 municípios, já que esta reorganização territorial não envolve o poder autárquico.

"Eu não posso convocar eleições autárquicas sem ser com base na lei", insistiu, alegando que a conclusão do pacote legislativo autárquico está ainda dependente da aprovação de uma derradeira lei do pacote autárquico na Assembleia Nacional que "não depende apenas de um partido político", embora a maioria que o MPLA detém no Parlamento lhe permitisse fechar este assunto no dia em que quiser fazê-lo.