Se os ucranianos insistem em realizar um encontro "já", passando por cima do processo normal de preparação dos encontros ao mais alto nível, os russos fazem questão de dizer que "sim" ao encontro, mas com uma condição: esse momento deve ser precedido do "normal" trabalho das equipas técnicas que preparam o caminho e limam as arestas do problema de fundo.
Em Kiev, o Presidente Volodymyr Zelensky diz que para problemas extraordinários, solução extraordinárias, pugnando não apenas pelo encontro a dois com o chefe do Kremlin, mas ainda por um cessar-fogo imediato e incondicional de forma a negociar os termos da paz sem o estrondo dos misseis e da artilharia como "som ambiente".
Em Moscovo, o Presidente Vladimir Putin faz questão de defender as "normas" aplicáveis pela diplomacia internacional a estes momentos, advogando encontros técnicos prévios para resolver o grosso dos problemas, de forma a que quando se encontrar com o seu homólogo ucraniano se diluam as pequenas questões remanescentes e o documento seja assinado sem "quês".
Mas se esta é a posição dos russos de sempre, por estes dias, Putin surpreendeu, embora tudo aponte para que se trate de uma rara e azeda utilização da ironia para levantar a lebre sobre esse tão almejado encontro, que, curiosamente, até a "coligação da vontade" europeia fortemente anti-russa apoia e diz querer: o tête-à-tête e o cessar-fogo.
E o que fez Putin para parecer mais ironia corrosiva que outra coisa? Na China, onde esteve para mostrar uma sólida parceria com Xi Jinping, tanto em Tianjin, no encontro da Organização da Cooperação de Xangai (SCO, sigla em inglês) como na parada militar gigantesca de comemoração dos 80 anos do fim chinês da II Guerra Mundial, disse, numa conversa com jornalistas, que Zelensky pode ir a Moscovo quando quiser para falar com ele sobre os termos para a paz.
Naturalmente que, em Kiev, foi com forte irritação de Zelensky ouviu estes comentários e rapidamente foi enviada a resposta a Putin.
Numa publicação na rede social X, o ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Andrii Sybiha, recusou Moscovo como local de encontro dos dois Presidentes, fazendo, desta feita, o papel da parte séria, aludindo a que existe um grupo alargado de países disponíveis para organizar o encontro entre Putin e Zelensky.
"Esta é uma proposta séria e o Presidente Zelensky está pronto para esse encontro em qualquer altura", escreveu Sybiha, deixando claro que pode ser "em qualquer altura" mas não em qualquer lugar, desde logo em Moscovo será impossível, aproveitando para acusar, de novo, o Presidente russo de "continuar a gozar com toda a gente fazendo propostas inaceitáveis"
Apesar deste momento não ter trazido nada de novo para a discussão, pode ser visto, segundo alguns analistas, como uma forma de Putin dar um primeiro, e ligeiro, passo na direcção de uma eventual solução, mas se não é para já que esse encontro acontece, é cada vez mais evidente que Moscovo e Kiev não arredam pé das suas posições maximalistas.
Isto porque, por um lado, os russos exigem "ir ao fundo da raiz do problema", travar a expansão da NATO para leste, em direcção às fronteiras das Federação, a garantia da neutralidade ucraniana, e o reconhecimento da soberania de Moscovo das cinco regiões anexadas em 2014 (Crimeia) e 2022 (Kherson, Zaporizhia, Lugansk e Donetsk), por outro em Kiev exige-se o regresso às fronteiras de 1991, o que implica que os russos devem sair de todas estas regiões. O cenário não podia ser mais complexo e difícil de resolver, para já.
Para já, porque todos os indicadores apontam para que as forças russas estejam a dominar o campo de batalha, os misseis e drones de Moscovo não param de destruir a infra-estrutura militar e civil de importância militar na Ucrânia e as mudanças na frente de batalha são claramente desfavoráveis a Kiev.
Atendendo ao que diz Putin, a Ucrânia ainda não aceitou parar o conflito, aceitando as condições de Moscovo porque os países europeus aliados de Kiev e da NATO "encorajam totalmente Zelensky" a continuar a guerra rejeitando as condições que chegaram a ser negociadas e aceites por Kiev em 2022.
Isso, quando o então primeiro-ministro britânico, Boris Jonhson, foi à capital ucraniana, com o apoio da NATO e dos Estados Unidos, "implodir" esse mesmo processo negocial que corria tramites em Istambul, na Turquia, prometendo a Zelensky todo o apoio em dinheiro e armas e entradas rápidas na NATO e na União Europeia.
Se as palavras do líder russo são lenha para a fogueiro na Europa Ocidental, a resposta dos líderes alemão, Friedrich Merz, que chama Putin de "maior criminosa da história", do francês, Emmanuel Macron, que apelida Putin de "ogre às portas da Europa" e do britânico, Keir Starmer, que diz que o chefe do Kremlin "tem de ser enxovalhado no campo de batalha", não deixam grande espaço de manobra em Moscovo para tirar o pé do acelerador da guerra.
A tudo isto, como apontam alguns dos analistas mais respeitados, como o major general Agostinho Costa, em Portugal, ou o suíço coronel Jacques Baud, antigo membro da intelligentsia estratégica da NATO, Trump terá de dar uma resposta, porque tanto os russos como os europeus sabem que dessa resposta saíra o desenho final deste conflito.
Se Donald Trump acabar por cumprir o que tem dito, embora ultimamente com menos vigor, sobre a saída de cena dos EUA do conflito, como grande financiador de Kiev e municiador de armas para os ucranianos, o conflito terminará pouco depois, porque os europeus ocidentais não têm como manter o apoio mínimo a Zelensky.
Mas se os norte-americanos optarem por manter o apoio ao ritmo da anterior Administração de Joe Biden, o conflito só terminará com a vitória de um dos lados e a guerra na Ucrânia poderá prolongar-se não apenas para 2026 como além disso, para os próximos três a quatro anos, e culminar com um explosivo confronto entre a Rússia e a NATO.
E, como se pode ver aqui, se tal acontecer, a Rússia, provavelmente, no final, terá o apoio da China, que não deixará de garantir, como o Governo de Xi Jinping já o afirmou claramente, o suporte de que Moscovo precisar para "não perder a guerra".
Isso mesmo parece querer dizer Donald Trump quando se referiu à ida de Putin à China esta semana. (ver links em baixo)