Para tentar recuperar das cinzas o "seu" acordo de paz, assinado com a presença de pompa e circunstância, mas sem os líderes do Hamas e de Israel, no Egipto, há precisamente uma semana, Donald Trump enviou de urgência os seus dois "socorristas" especiais para o Médio Oriente.
Steve Witkoff, um milionário e amigo de longa data do Presidente norte-americano, e Jared Kushener, seu genro, chegaram esta segunda-feira, 20, a Israel com o objetivo espinhoso de vigiar o cumprimento do acordo e encontrar-se com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyhau e o seus conselheiros e ministros.
Esta missão difícil de Witkoff e Kushener foi decidida à última da hora porque o maior triunfo diplomático de Donald Trump está prestes a transformar-se em escombros indistinguíveis dos em que as Forças de Defesa de Israel (IDF) transformaram Gaza desde 07 de Outubro de 2023.
Este é o 3º acordo de cessar-fogo que pode ruir dias depois de ter sido assinado, sendo que o último, em Janeiro deste ano, durou ainda menos mas sem o sucesso evidenciado por este materializado na libertação de quase todos os reféns na posse do Hamas e da Jihad Islâmica nestes pouco mais de dois anos.
Alias, alguns analistas notam que, mais uma vez, está em cima da mesa a possibilidade de Benjamin Netanyhau, como já fizera no caso da guerra dos 12 dias com o Irão, ter voltado a usar Trump para alcançar resultados imediatos, que era a libertação dos reféns para agora poder bombardear ainda com maior vigor Gaza sem a contestação dos seus familiares em Israel.
Ao mesmo tempo, Israel abriu as portas das suas masmorras para centenas de palestinianos ali mantidos há anos, na sua maior parte sem sequer saberem de que estavam acusados, embora no que diz respeito à ajuda humanitária prometida para chegar a Gaza em quantidade e qualidade para salvar centenas de milhares de pessoas da morte por fome e doenças, simplesmente não está a acontecer.
E não está a acontecer porque as IDF mantém os acessos fechados a Gaza, mantendo mais de 600 camiões a aguardar no Egipto, alegando que o Hamas ainda não libertou todos os reféns que tinha na sua posse, embora apenas faltem devolver às suas famílias alguns corpos dos 28 que morreram já em Gaza, na maior parte devido aos bombardeamentos israelitas.
Além da questão da ajuda humanitária estar travada, Israel não parou os bombardeamentos, com dezenas de pessoas mortas nas últimas 72 horas, alegando acções inamistosas do Hamas e ter justificado as várias mortes de civis por "snipers" porque estes teriam atravessado uma linha "amarela" no mapa, mas imaginária no terreno, para onde se terão retirado parte das IDF em Gaza.
Questionado em Washington pelos jornalistas sobre o evidente descalabro do acordo de paz, Donald Trump recusou que já esteja morto, aludindo a alguns problemas circunstanciais que serão diluídos nas próximas horas.
Citado por The Guardian, o vice-Presidente dos EUA, JD Vance, admitiu também deslocar-se a Israel, o que denúncia claramente a noção em Washington de que Israel não está empenhado na manutenção da paz em Gaza.
"Estamos a tentar perceber ao detalhe o que é que está a acontecer", disse Vance, sublinhando que pode deslocar-se a Israel, admitindo que o cessar-fogo está a ter altos e baixos.
Como notam alguns analistas, os baixos são obviamente forjados pelo lado israelita, mesmo que em Gaza o Hamas se tenha já envolvido em violência com grupos adversários, com escabrosas imagens de vários indivíduos abatidos a sangue-frio no meio de uma praça repleta de "espectadores", e mesmo, como notou Trump, disparado sobre posições das IDF.
Mas o facto mais evidente, como os media começam a enfatizar, é que Netanyhau está forçado a manter a guerra em curso se quiser manter o curso do seu Governo, seja porque tem á sua espera, assim que a paz se imponha, vários processos na justiça onde está acusado de corrupção e peculato...
... seja porque o seu Governo está condenado pelos seus aliados na frágil coligação que o sustém, porque os dois ministros radicais, tanto religiosos como ideológicos, Itamar Bem Gvir, da Segurança Nacional, e Bezalel Smotrich, das Finanças, líderes de dois pequenos partidos sionistas extremistas, já avisaram que se a ofensiva em Gaza terminar, abandonam o Executivo e o Likud de Netanyhau deixa de ter a maioria mínima no Knesset (Parlamento) para se aguentar.
... e como se não fosse suficiente, o primeiro-ministro israelita está no centro das graves suspeitas de conluio interno para permitir o ousado e extraordinário assalto do Hamas ao sul de Israel a 07 de Outubro de 2023, com milhares de combatentes a atravessarem sem ninguém dar conta a fonteiras mais vigiado, tanto electronicamente como pelas unidades especiais israelitas, do mundo.
Nesse assalto que quase ninguém acredita que tenha sido uma surpresa para todos em Israel, como o demonstram as dúvidas do próprio líder do Shin Bet, a secreta interna, Ron Bar, (ver aqui) e alguns media, como o Haaretz, têm feito notícia, foram mortos mais de mil pessoas, centenas de feridos e feitos 250 reféns.
Além da paz que daria a Trump (e dará se se mantiver) o lastro que procura para ganhar o Nobel da Paz em 2026, está igualmente em risco o mega-projecto imobiliário que o próprio já disse ter para Gaza, no contexto da reconstrução, criando gigantescos empreendimentos turísticos na costa mediterrânica deste território com 40 kms de praias...
Numa primeira avaliação, como noticiam os media internacionais, a reconstrução de Gaza, se começar nos próximos meses, chegará aos 40 mil milhões de dólares, segundo estimam os enviados norte-americanos a Israel, bastante menos que a ONU estima serem necessários para a reconstrução cabal de Gaza.