Em Bruxelas, a chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Kaja Kallas, a antiga primeira-ministra da Estónia que nunca escondeu que defende a entrada da NATO na guerra contra a Rússia, vem agora dizer ser evidente que os russos não querem a paz.

Pelo contrário, a cara da diplomacia europeia, lançou uma "granada" para dentro da diplomacia de reaproximação entre Rússia e EUA ao fim de anos de relações cortadas totalmente, afirmando que "Putin se ri de Trump" quando este pede o fim das hostilidades.

Numa clara tentativa de fazer descarrilar as conversações e a diplomacia encetada por Donald Trump e Vladimir Putin, Kaja Kallas, numa entrevista à britânica BBC Rádio, acusou Moscovo de não querer o fim do conflito e que o Kremlin não "mantém nada do que promete".

"Os europeus, os ucranianos e os norte-americanos procuram a paz e fazem todos os esforços nesse sentido, enquanto a Rússia mostra que não quer de forma nenhuma o fim do conflito", atirou Kalas, numa evidente operação de sabotagem das conversações em curso entre Washington e Moscovo.

Estas palavras azedas ferem claramente o que é a diplomacia normal em contexto de redução das tensões, porque ao dizer que Putin se ri de Trump sabe que o norte-americano é dado a melindres súbitos e pode voltar a colocar o conta-quilómetros a zero no processo de normalização das relações entre as duas superpotências nucleares.

Mas são acompanhadas pelo Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que tem o cargo em risco assim que a guerra terminar, porque isso levará inevitavelmente à realização de eleições Presidenciais que já deveriam ter acontecido em Maio de 2024 e foram sendo adiadas no âmbito da Lei Marcial que vigora no país desde 2022.

Diz Zelensky que o Presidente russo está a "torcer" a realidade para evitar um encontro com ele, porque "não quer acabar com esta guerra", voltando o ucraniano a insistir na necessidade de aumentar a pressão sobre a Rússia por parte dos seus aliados europeus e norte-americanos, embora seja já duvidoso de que os EUA sejam hoje um aliado na sua acepção tradicional de Kiev.

Alias, o ucraniano tem estado a procurar com insistência fazer desmoronar o processo de aproximação entre russos e norte-americanos aludindo aos permanentes "ataques dos russos contra civis" na Ucrânia, tendo agora vindo acusar Moscovo de ter destruído uma unidade industrial americana.

"Esperamos dos nossos parceiros uma resposta à altura das provocações russas, porque esta guerra tem de acabar e isso só será possível através do aumento da pressão ocidental sobre o Kremlin. Putin só percebe a linguagem da força", disse Zelensky, citado pelo britânico The Guardian.

Tudo isto depois de o Presidente russos Vladimir Putin ter, durante a conversa com Donald Trump, no encontro histórico de Anchorage, Alasca, chamado a atenção para a necessidade de Washington estar atenta às manobras europeias para sabotar este reatamento das relações com Moscovo, garantindo que "essas operações de sabotagem de bastidores não terá qualquer efeito" sobre o comportamento da Rússia.

E agora o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, citado pela russa RT, veio acrescentar que Kiev está a executar o plano esperado para manter os seus aliados em confronto com a Rússia, demonstrando claramente que a Ucrânia não tem "nenhum interesse em parar o conflito através de um acordo duradouro e sólido".

Apesar de notar as tentativas europeias de desestabilizar as relações entre a Rússia e os EUA, Lavrov sublinhou, numa conferência de imprensa em Moscovo, que "há evoluções positivas no processo em curso para a paz" tendo apontado o encontro do Alasca como o passo mais relevante nessa caminhada.

O chefe da diplomacia russa fez questão de dizer ainda que nota nas declarações das autoridades ucranianas um tom "específico que permite perceber a quem estiver atento que não se deseja a paz sólida e sustentável em Kiev".

Um dos exemplos avançados por Lavrov é o que disse recentemente Mikhail Podoliak, um dos principais assessores de Zelensky, quando este admitiu que parte da Ucrânia estava perdida para a Rússia neste conflito mas garantiu que esses territórios serão recuperados pela força assim que Kiev tiver em posição de o fazer com a ajuda dos seus aliados ocidentais.

Ainda dentro desta retórica agressiva de um e do outro lado, Moscovo voltou a dizer que, para um acordo formal e robusto, a questão da legitimidade de Volodymyr Zelensky terá de ser resolvida, o que é o mesmo que dizer que se deve submeter a eleições e que, segundo as sondagens mais recentes feitas por organizações ocidentais, como a britânica Gallup, a derrota seria o desfecho mais certo.

Mas, no que verdadeiramente parece ser inamovível é que em Washington e em Moscovo a atenção está concentrada no desenho do ponto em que todos estão de acordo, inclusive em Kiev e nas capitais europeias, pelo menos verbalmente, que é que a Ucrânia deve ter garantias de segurança para o pós-conflito.

O que separa estes actores é o tipo de garantias e quem deve estar por trás delas, sendo que o processo está, para já, num beco sem saída, porque enquanto Moscovo não aceita quaisquer forças ocidentais na Ucrânia, Washington já garantiu que não enviará tropas, mas admite apoiar com maios aéreos essas forças, e Kiev e os aliados europeus fazem questão que sejam precisamente apenas militares dos países da NATO a dar essas garantias no terreno.

E é agora na discussão em concreto sobre o conteúdo dessas garantias que se vai encontrar o desfecho para este conflito, embora o Kremlin tenha voltado a desenrolar as já conhecidas condições para acabar com a guerra: a neutralidade absoluta da Ucrânia, o reconhecimento oficial da sua soberania sobre as regiões anexadas e não haver nenhuma força militar ocidental no país.

Isto, se no terreno, e face à supremacia russa, as defesas ucranianas não colapsarem entretanto, porque quase todos os analistas militares equidistantes, como o major-general Agostinho Costa, garantem que a situação de colapso na frente ucraniana é iminente.