Quando o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, aterrou em Washington, ficou claro que esta seria uma decisiva reunião com Donald Trump, e não podia ter começado melhor, com o anfitrião a elogiar a vestimenta do visitante, um fato, embora sem gravata, a destoar fortemente da camisola verde caqui militar com que se apresenta ao mundo desde que começou a guerra, a 24 de Fevereiro de 2022.

Nalguns media mais dados à "fashion" esse pormenor não foi ignorado, tendo mesmo Volodymyr Zelensky sido considerado o melhor vestido do encontro, onde também estiveram vários líderes europeus, incluindo o alemão Friedrich Merz, o francês Emmanuel Macron, o britânico Keir Starmer ou a italiana Giorgia Meloni... mas saiu da Casa Branca despido para sempre de pelo menos 20% do território da Ucrânia para a Rússia.

Isto, porque como já notaram alguns analistas, entre estes o antigo embaixador português Francisco Seixas da Costa, ou ainda Jacques Baud, um ex-coronel da intelligentsia suíça com longa passagem pelos quadros da NATO, tendo sido notório que todos os intervenientes focaram as suas "pretensões" nas garantias de segurança futuras para a Ucrânia, isso quer, provavelmente, dizer que exista uma aceitação tácita da perda dos territórios militarmente ocupados por Moscovo.

E foi, claramente, essa a questão mais enfatizada em todos os momentos do encontro que foram acessíveis aos media internacionais presentes na Casa Branca, até que, num ápice, outro elemento narrativo entrou pela Sala Oval adentro: quando Donald Trump informou os seus convidados que os iria ouvir atentamente mas ainda mais atentamente iria ouvir ao telefone o Presidente russo, Vladimir Putin, para alinhavar os pormenores com que fecharia os trabalhos daquela histórica segunda-feira, 18.

E o que foi Trump combinar com Putin? Se o russo estaria efectivamente de acordo com uma reunião trilateral entre os Presidentes russos, norte-americano e ucraniano, para preparar os detalhes daquilo que será o acordo de paz que será assinado num terceiro encontro, desta feita, bilateral, entre Volodymyr Zelensky e Vladimir Putin, que podem acabar a falar russo, que é a língua materna de ambos, mesmo que o ucraniano há muito que não comunique em russo.

No fim, mesmo que ainda seja cedo, porque, na verdade, nada há que garanta que Putin aceita reunir com Zelensky, embora isso seja o mais provável, porque o próprio já tinha dito há meses que não vai obstaculizar um encontro com o ucraniano, e muito menos o fará se nesse momento também estiver Donald Trump.

Para já, Putin só tem a ganhar em optar em seguir com a corrente saída da turbina que é Donald Trump neste frenético esforço para acabar com a guerra na Ucrânia que, agregada ao cessar-fogo no leste do Congo entre os rebeldes do M23 (Ruanda) e Kinshasa, e ainda a pacificação entre Arménia e Azerbaijão, lhe poderá abrir o palco para o tão ambicionado Prémio Nobel da Paz, com o qual quer escrever o epílogo da sua já longa carreira política.

O chefe do Kremlin tem ainda como trincheira a transpor neste iminente desenlace para o conflito no leste europeu a rugosa batalha final sobre a questão das garantias de segurança, que, como frisou o major-general Agostinho Costa, tem, por um lado, um impulso relevante, que é já todos aceitarem essa necessidade, mas, por outro, um problema pesado que é entre os líderes europeus, Trump e Zelensky, todos estarem a pensar em formatos diferentes para assentar essas garantias que deverão impedir futuras agressões russas à Ucrânia.

Entre estas estão a mais radical, que é a entrada da Ucrânia na NATO e usar o seu famoso Artigo 5, que garante que um ataque a um membro da organização militar atlântica é um ataque a todos, e a mais razoável, que é o eventual convite a países de outras geografias, Ásia, África e América Latina para enviarem contingentes militares como força de estabilização na Ucrânia, porque Moscovo jamais aceitará tropas ocidentais nesse papel.

No entanto, esta reunião, menos de 24 horas depois, já tem o diagnóstico dos problemas feito. Tal como o encontro histórico no Alasca, na sexta-feira, 15, entre Trump e Putin, também este na Casa Branca tinha no "dorso" marcado a fogo o "x" de problema resolvido... mas não é assim.

Afinal, depois do encontro, ficou claro que um enorme passo foi dado, que é o quase certo facto consumado da perda de territórios para a Rússia, embora sem as linhas traçadas em definitivo no mapa, mas com fortes probabilidades de Kiev vir a ceder o que resta de Donetsk por ocupar pelas unidades russas, congelando a frente em Zaporizhia e Kherson, enquanto a Crimeia há muito, como Trump sublinhou, já não faz parte deste "negócio".

Falta agora definir o que é que Kiev vai ter em troca. Certo e seguro, está apenas que vai haver garantias de segurança, tenham elas a forma que tiverem, só serão aceites por Moscovo se cumprirem as suas exigências, porque, embora Putin tenha mostrado vontade de as negociar, as suas linhas vermelhas são há muito conhecidas e, estando a Rússia a ganhar a guerra, doutra forma não deverá acontecer, como notou igualmente Agostinho Costa, o especialista militar português com presença assídua nos media portugueses e no Novo Jornal.

Na sua página nas redes sociais, o antigo diplomata português Francisco Seixas da Costa nota que "a próxima e muito difícil «batalha» de Putin é garantir que os europeus não colocam tropas na Ucrânia, para as famosas «garantias de segurança». Trump já lhe fez «meio favor», ao dizer que retiraria as garantias NATO. Mas Putin nunca aceitará «boots on the ground» europeias."

É claro que, além dos territórios, o Kremlin não vai deixar de exigir a Trump que este momento histórico seja aproveitado para consolidar as relações entre Moscovo e Washington, e, nesse ensejo, redesenhar o mapa da segurança europeia e global, através da recuperação dos velhos tratados de não-proliferação nuclear e controlo das ogivas existentes, além da normalização das relações económicas internacionais, desde logo com o levantamento das sanções à Rússia e ainda a questão judicial do mandato de captura internacional do TPI sobre o Presidente russos.

Tudo temas que Trump e Putin vão discutir nos próximos dias por telefone, ou quem sabe, num segundo tête-à-tête, como o americano, de resto, já o tinha admitido, "muito em breve" e provavelmente na Rússia, ou na sua extensão europeia "de facto" que é a Bielorrússia, tendo, porém, ficado já em cima da mesa na conversa telefónica que tiveram a meio do encontro da Casa Branca com os europeus e Zelensky.

Foi o próprio Trump que explicou que telefonou a Putin com quem "foram começados os preparativos para uma reunião bilateral com Zelensky e depois uma trilateral" onde o próprio estará, tendo definido esses passos como "decisivos para a paz".

"Estamos todos muito satisfeitos com o andar dos trabalhos de construção da paz", escreveu Trump na sua rede social Truth Social, num momento que coincidiu com a confirmação pelo Kremlin destes contactos, tendo o assessor de Putin, Yury Ushakov, confirmado não apenas a conversa como também o seu tom amigável e o tema principal dessa mesma conversa, que foi a questão das exigências territoriais russas, o reconhecimento da realidade no terreno, e a arquitectura de segurança para a Europa que coincida com as exigências russas e ucranianas.

Mas há uma certeza que foi confirmada nestes momentos pós-reunião na Casa Branca, que foi a linha de um vermelho carregado que é a impossibilidade de qualquer presença militar da NATO em território ucraniano, independentemente de ser próximo ou distante da linha da frente.

Esta posição foi reafirmada por Maria Zakharova, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, depois de em Londres o Governo britânico, um dos mais empenhados em boicotar as conversas de paz encetadas por Donald Trump, ter admitido o envio de uma forma militar europeia para a Ucrânia já nos próximos dias.

"Qualquer presença de forças ocidentais na Ucrânia é totalmente inaceitável", frisou Zakharova, acrescentando, em declarações aos media russos, que os britânicos "estão a tentar boicotar o processo diplomático que visa uma resolução pacífica do conflito".

Citada pela russa RT, Maria Zakharova acusou o Governo britânico de "estar constante e empenhadamente a empurrar a NATO para uma linha muito perigosa, a partir da qual um novo conflito mundial de proporções inimagináveis os espera", tendo, no mesmo passo, o antigo ministro da Defesa e actual sceretário do Conselho Nacional de Segurança russo, Sergei Shoigu, avisado que esse passo "levará directamente à III Guerra Mundial".

Do lado europeu, enquanto líder há mais tempo num dos grandes países europeus o Presidente francês, Emmanuel Macron, defendeu que entre as garantias devidas à Ucrânia está a construção de um exército "robusto" para que possa impedir novos ataques da Rússia.

"Pude voltar esta tarde ao conteúdo dessas garantias de segurança, que são um exército ucraniano robusto, capaz de resistir a qualquer tentativa de ataque e dissuadi-lo, e, portanto, sem limitações em número, capacidade ou armamento", disse Macron aos jornalistas, citado pela Lusda, após as reuniões na Casa Branca

"Enquanto ele achar que pode vencer através da guerra, ele o fará", acrescentou o Presidente francês, referindo-se ao seu homólogo russo, Vladimir Putin, notando no mesmo passo que, em caso de fracasso do processo de saída do conflito, deve seguir-se "uma postura que exerça mais pressão sobre a parte russa".

Macron explicou ainda que as questões territoriais não foram abordadas, o que não é verdade porque o próprio Kremlin admitiu que esse foi um dos temas da conversa que Donald Trump teve ao telefone com Vladimir Putin a meio da reunião da Casa Branca.

Já o chanceler alemão, Frriedrich Merz, um voraz falcão de guerra e com a postura mais radicalmente anti-russa, ainda citado pela Lusa, insistiu num cessar-fogo como pré-condição para as negociações de um acordo de paz na Ucrânia, após o Presidente norte-americano, Donald Trump, ter defendido que a trégua é desnecessária.

"Não consigo imaginar a próxima reunião sem um cessar-fogo. Vamos trabalhar para isso e tentar pressionar a Rússia", declarou Merz, no início da reunião na Casa Branca.

Friedrich Merz avisou que os próximos passos serão "os mais complicados", depois de o Presidente norte-americano "ter aberto caminho" para as conversações de paz ao reunir-se com o homólogo russo, Vladimir Putin, no Alasca na passada sexta-feira.

"Para sermos honestos, todos gostaríamos de ver um cessar-fogo", destacou, aludindo à posição conjunta do Presidente ucraniano e dos líderes europeus que o acompanharam na deslocação a Washington.

Apesar das posições ruidosas dos líderes europeus, vários analistas não têm dúvidas de que estes só foram chamados à Casa Branca porque Donald Trump não quer perder o negócio da venda de armas aos aliados europeus e alguém vai ter de pagar as contas da reconstrução da Ucrânia, porque nem americanos nem russos dão qualquer importância ao que Londres, Paris ou Berlim tenham a dizer sobre o desfecho da guerra na Ucrânia, porque sem os EUA não têm como manter o apoio a Kiev nem sequer conseguem garantir a coesão interna sobre a posição dos 27 Estados membros da União Europeia.