Numa conversa com os jornalistas em Kiev, Zelensky deixou entender que o seu finca-pé actual é sobre as partes das regiões anexadas pela Rússia em 2022 que Moscovo ainda não controla, numa mudança substantiva da posição que mantinha até há alguns dias (ver links em baixo), na qual exigia a Trump que impusesse a Putin a aceitação de um cessar-fogo imediato sem qualquer cedência territorial às fronteiras reconhecidas internacionalmente de 1991, data da independência da ex-União Soviética.

Pouco mais de 48 horas antes do encontro entre Donald Trump e Vladimir Putin, no Alasca, o estado mais a norte dos EUA, na fronteira com a Rússia ártica, aparece, pela primeira vez a ideia de que a Ucrânia se prepara para ser a parte perdedora no histórico tête-à-tête.

Segundo o jornal britânico The Guardian, o Presidente ucraniano, que tentou, com o apoio dos seus aliados europeus, sem sucesso, ser convidado para a reunião no Alasca, aproveitou a conversa com a imprensa para antecipar o resultado da conversa de Trump com Putin.

Nesse contexto, Volodymyr Zelensky assume que a Rússia não abrirá mão das áreas que tem sob sua ocupação militar, embora para os russos sejam, já regiões legalmente russas após os referendos de 2014, na Crimeia, e 2002, em Lugansk, Donetsk, Zaporizhia e Kherson.

Porém, a questão ganha outros contornos quando se trata das zonas de Kherson, Zaporizhia e Donetsk, nas proximidades do estratégico Rio Dniepre, onde a Ucrânia ainda resiste à pressão cada vez mais intensa das forças russas porque Putin quer, por essa razão, chegar ao fim das rondas negociais com Trump com esse problema resolvido.

O que não será possível, mesmo com avanços recorde, e com sinais evidentes do colapso ucraniano em algumas zonas da frente, até sexta-feira, 15, dia da primeira reunião, mas poderá, eventualmente, sê-lo para o segundo encontro, já anunciado pelo norte-americano, a ter lugar na Rússia, mas sem data ainda definida.

Mesmo sem as partes mais a oeste de Zaporizhia, Kherson e Donetsk, a Rússia já controla mais de 90 mil kms2 de área ucraniana em 1991, quando teve lugar a independência da então URSS, o equivalente ao tamanho de um país como Portugal, podendo aproximar-se dos 110 mil kms2 com o total das regiões anexadas "oficialmente".

Desta conversa de Zelensky com os jornalistas internacionais na capital ucraniana sobressai ainda a ideia de que, mesmo com o apoio dos aliados europeus, especialmente o Reino Unido, a Alemanha e a França, a realidade futura será decidido pelo Presidente dos EUA no tête-à-tête com Putin na capital do Alasca, Anchorage.

E é precisamente por isso, porque será Donald Trump a definir o limite dos ganhos russos no encontro que terá lugar numa base militar, onde, como sublinha o analista Tiago André Lopes, na CNN Portugal, a Ucrânia surge cada vez mais enfraquecida pelo iminente colapso das suas posições na linha da frente, que os europeus exigiram uma conversa por videoconferência com o norte-americano nesta quarta-feira, 13.

Com o anúncio desta conversa entre os líderes europeus e o Presidente dos EUA uma coisa já ganhou Zelensky, que foi uma clara moderação das impulsivas declarações de Trump, que passou do pressuposto de levar "a cabeça" da Ucrânia numa bandeja a Putin para "vou saber o que vai ser possível quando conversar com o Presidente russo".

É ainda de notar, como disse Tiago André Lopes, que neste contexto a posição de Volodymyr Zelensky aparece mais moderada que a dos líderes europeus e da União Europeia, que permanecem colados à posição de 2023, que consistia na exigência de Moscovo abandonar sem condições todos os cantos ocupados da Ucrânia, inclusive a Crimeia.

A diferença entre a Crimeia e as outras quatro regiões é que esta Península estratégica foi anexada em 2014, no rasto do golpe de Estado organizado pelos EUA e apoiado pela União Europeia, no qual foi deposto o Presidente pró-russo Viktor Yanukovich.

Golpe esse que abriu as portas às lideranças pró-ocidentais de Petro Poroshenko, de 2015 a 2019, e depois Zelensky, até aos dias de hoje, embora o seu mandato tenha terminado em Maio do ano passado, mantendo-se no cargo suportado pela Lei Marcial em vigor deste 2022.

Ainda nessa conversa, em Kiev, o líder do regime ucraniano disse não acreditar que Trump vá ceder a Putin nas suas condições maximalistas, que são, essencialmente, a soberania total das quatro regiões anexadas em 2022 e a garantia de que a Ucrânia não adere à NATO, o que deverá chegar no âmbito de um acordo alargado Rússia/EUA sobre segurança global na Europa, incluindo a questão das armas nucleares norte-americanas posicionadas na Europa Ocidental.

Analisando ao detalhe as palavras de Zelensky é claro que foi dado um passo de gigante rumo a um cessar-fogo, porque a Ucrânia aparece pela primeira vez a admitir ceder a geografia que os russos já ocupam militarmente, podendo as áreas ainda "livres" servir de moeda de troca para essa cedência, "negócio" que pode ainda englobar as partes, pequenas, que a Rússia ocupa em Sumy e Kharkiv, regiões mais a norte da linha da frente.

O problema, notou Zelensky, é que o Kremlin não dá sinais de querer chegar a um cessar-fogo e à paz por essa via, porque mantém as suas forças em manobras ofensivas, tanto em Donetsk como em Zaporizhia, no que é um evidente aproveitamento das notórias fragilidades militares ucranianas actualmente.

Alias, como alertam já alguns analistas militares ucranianos, como Dennys Davidov, próximo do canal "Deep State", ligado às secretas de Kiev, em Donetsk, pelo menos, a resistência aos avanços russos já é meramente residual e nada organizada, prevendo este famoso e reconhecido analista que possa colapsar em breve se a frente em questão não for reforçada.

Isto é importante, porque, no que é ainda admitido entrelinhas pelo Kyiv Independent, jornal com forte ligação à Presidência ucraniana, com os avanços importantes das forças russas nesta região, mais território deixa de estar sob controlo de Kiev fragilizando os trunfos que restam para negociar com Moscovo.

Para as próximas horas é fundamental perceber a importância deste tête-à-tête para a evolução da guerra e se esta se encaminha para o seu ocaso ou tem, pelo contrário, uma escalada grave com uma ruptura assanhada entre Washington e Moscovo.

Para esse exercício conta especialmente perceber se os europeus conseguem manipular Trump e levá-lo a manter o braço-de-ferro com Putin, se o norte-americano só quer mesmo perceber até onde Putin está disposto a ir (ver links em baixo) ou se já leva no bolso a cedência em toda a linha ao Kremlin para acabar em definitivo com este conflito que já leva quase quatro anos e que Trump diz com persistência que não é a sua guerra, "é a guerra de Biden!".