Foi o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, estranhamente distante do palco principal das negociações de paz mediadas pelos EUA, que veio a público denunciar um ataque na noite de Domingo, 28, para segunda-feira, 29, com 91 drones contra a casa do Presidente russo.

A ser verdade, não seria a primeira vez, porque a 03 de Maio de 2023, como ficou registado num vídeo (na imagem) que percorreu os media internacionais durante semanas, porque também aí havia o receio de Putin ordenar ataques à Presidência ucraniana em retaliação, um drone ucraniano foi abatido já dentro do Kremlin, em Moscovo.

Agora, embora sem que existam, até ver, a meio da manhã desta terça-feira, 30, quaisquer provas documentais do ataque ucraniano ao Kremlin (Presidência) de Novgorod, também estão a surgir avisos sérios de Moscovo sobre retaliações a esta ousadia ucraniana.

Até porque desde 24 de Fevereiro de 2022, dia do início da invasão russa, os russos nunca atacaram directamente edifícios oficiais do regime de Kiev, desde ministérios, Parlamento ou a Presidência ucraniana, havendo apenas registo, em Setembro deste ano, da queda de estilhaços de um míssil russo sobre um edifício governamental no centro da capital ucraniana.

É importante notar que não existe qualquer informação de que Putin estivesse na sua residência oficial de Novgorod, a que terá sido alvo do ataque ucraniano - a localização do Presidente russo é um segredo de Estado quase permanente na Federação, onde todas as suas casas são oficiais -, sendo que a Rússia já faz saber que não há registo de vítimas e que todos os drones foram destruídos antes de atingirem o alvo.

Mas tudo pode mudar agora, porque, como deixou no ar Sergei Lavrov, e a sua porta-voz, Maria Zakharova veio consubstanciar, "Kiev vai sofrer retaliações à medida" por este "ataque terrorista" com a agravante de que "o Zelensky estar a acusar a Rússia de querer boicotar as negociações" ficcionando este ataque à residência oficial de Putin em Novgorod.

"É mesmo um brutal ataque terrorista do regime nazi baseado em Kiev", disse Zakharova citada pela TASS a partir de declarações ao canal público de televisão Rossiya-1, apontando o dedo acusatório ao Presidente ucraniano dizendo que este pretende acusar a Rússia de mentir afirmando que nada aconteceu.

Para a porta-voz da diplomacia russa, "Zelensky está a enviar uma mensagem aos seus financiadores ocidentais de que o caminho é o mesmo de sempre" e que nada mudou, estando aqui "a tentar mais uma vez fazer descarrilar o processo de paz" porque o seu regime "não está a ser pago para fazer a paz, sim para manter os actos de terrorismo".

Além de não haver quaisquer provas em vídeo ou outro tipo de suporte, ao contrário do que sucedeu no Kremlin, em Moscovo, em Maio de 2023, Kiev nega de forma veemente ter atacado a casa de Putin em Novgorod.

Pelo contrário, Volodymyr Zelensky devolve a acusação e diz que são os russos que estão a inventar este episódio de falsa bandeira para "boicotar os esforços de paz" que decorrem sob mediação do Presidente norte-americano, Donald Trump, estando ainda a criar uma justificação para atacar agora edifícios governamentais em Kiev.

Neste contexto, é a palavra de Sergei Lavrov contra a palavra de Volodymyr Zelensky, até que surjam evidências, mas há circunstâncias que permitem objectivamente discernir o escasso interesse de um e do outro lado em avançar decididamente para o fim do mais longo, destrutivo e mortífero conflito europeu desde o fim da II Guerra Mundial, em 1945.

Numa primeira abordagem a este assunto, Donald Trump mostrou-se furioso com a ousadia irresponsável ucraniana, mas, depois, numa segunda reflexão, veio a público admitir, embora sem o negar totalmente, que se pode tratar de um ataque falso à moradia oficial de Putin em Novgorod.

Eis alguns exemplos da falta de vontade em ambos os lados das trincheiras: o plano de paz de 20 pontos elaborado pelos ucranianos e pelos seus aliados europeus, não dá resposta a nenhuma das principais exigências russas para baixar as armas, e a Rússia não mexeu uma linha do conjunto de condições expostas por Putin já em Julho de 2024, sendo que mesmo ai pouco diferiram das que os russos apresentaram no início da invasão. (ver links em baixo)

Isto quando se sabe que do lado de Moscovo exige-se que Kiev e o mundo reconheça a soberania russa sobre as cinco regiões anexadas em 2014 (Crimeia), no
âmbito do golpe de Estado financiado e organizado pelos EUA e europeus contra o Presidente pró-russo Viktor Yanukovich, e 2022 (Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporizhia) logo após a invasão.

Além disso, a Federação Russa, entre outras questões igualmente relevantes, quer a Ucrânia fora da NATO para sempre, a sua desmilitarização e nem admite sequer falar sobre a presença de forças militares ocidentais no país no conjunto das garantias de segurança exigidas por Kiev.

Já a Ucrânia mantém como condição maior a manutenção da sua soberania sobre todo o território, incluindo a Crimeia, porque, alegam ,a Constituição não permite ceder nesse capítulo, a entrada na NATO permanece em cima da mesa, quer um Exército de 800 mil soldados e pretende ver forças alemãs, francesas, americanas e britânicas a erguer um muro de defesa contra futuros ataques russos.

Porém, a questão maior nesta perigosa evolução do conflito é que, sendo verdade, os russos têm agora uma magna oportunidade de lançar um ataque de decapitação do regime de Kiev, e se for mentira, significa que Moscovo procurava uma justificação plausível para seguir essa via, o que, no fim da linha, vai ter o mesmo efeito.

Nas próximas horas ver-se-á se este ficará para a história deste conflito como o momento da maior escalada já registada ou se é apenas um elemento de distracção dos media internacionais para outro tipo de movimento no complexo xadrez que está a ser jogado a três mãos: ucranianos, russos e norte-americanos.

Isso, porque, como notaram já alguns analistas, com a Ucrânia a ser severamente derrotada no campo de batalha, com perdas de localidades estratégicas diariamente, como foram os casos mais recentes de Siversk, Povrosk e Mirnograd, (Donetsk) ou Slaviansk (Kharkiv), em parte, ou Huliapole, na região de Zaporizhia, Kiev terá de ceder substancialmente nas suas posições e esta distracção pode permitir às três delegações trabalhar com menos pressão mediática.

Alias, esta estratégia já foi usada em difíceis negociações de paz, como nos Balcãs, por exemplo, e isso pode ter sido considerado como necessário porque o Presidente russo tem repetido amiúde nos últimos meses que a Rússia "vai conseguir os seus objectivos pela via negocial ou pela via militar, mas todos serão assegurados".