Como estes documentos tinham informação verificável dando-lhes autenticidade, os media norte-americanos, como The New York Times, que divulgou esta escandalosa fuga de informação vital para o desenrolar do conflito entre ucranianos e russos, e, através deles, as autoridades militares dos EUA, vieram então corrigir o tiro e dizer que os dados contidos nos docs estratégicos tinham sido adulterados com o objectivo de mostrar uma Ucrânia fragilizada.

Foram ainda feitas acusações aos russos de estarem por detrás desta exposição de informação sensível, que, se for verificado ser fidedigna, então estará exposta uma das mais densas ficções criadas em torno de um conflito, nomeadamente as informações veiculadas diariamente pelos serviços secretos norte-americanos, britânicos e outros, especialmente da Europa ocidental, nomeadamente no que respeita às perdas humanas e em equipamento da Rússia quando comparados com os dados do lado das fileiras ucranianas.

Para já, segundo o NYT, que cita analistas militares norte-americanos, logo, segundo os próprios documentos, pouco recomendáveis, os dados inseridos nos ficheiros foram adulterados pelos autores do ataque informático aos serviços secretos militares dos EUA de forma a evidenciar fragilidades tremendas do lado de Kiev, que podem mesmo comprometer a contra-ofensiva ucraniana de que todos falam e que agora se mostra como estando efectivamente a ser programada para as próximas semanas.

Mesmo que se venha a perceber que esses dados foram de facto adulterados com o propósito de expor falhas graves da força ucraniana, uma coisa é certa... foram trespassadas as barreiras de defesa informáticas das secretas norte-americanas militares, como o demonstram os documentos profusamente divulgados no Twitter e no Telegram.

Segundo os media norte-americanos, o Pentagono, que é o comando supremo militar dos EUA e a Administração do Presidente Joe Biden estão afincadamente a procurar uma abertura para descartar a possibilidade destes documentos serem reais, mas isso não foi ainda possível, apesar de o problema já ser internamente conhecido há dias.

Uma das facetas mais dramáticas destes documentos é a forma como expõem as sucessivas mentiras propaladas pelos serviços secretos ocidentais usando os media norte-americanos e europeus como ferramentas ao seu serviço, nomeadamente no número de baixas, que, recorde-se, o Pentagono, ou mesmo a União Europeia têm caucionado, apontando para valores acima de 150 mil mortos do lado russo e um número abaixo deste mas igualmente alto de mortos e feridos do lado de Kiev.

Porém, segundo um destes ficheiros "top secret", do lado russo morreram até 01 de Março cerca de 17 mil russos e pouco mais de 71 mil soldados ucranianos.

Enquanto as autoridades políticas e militares norte-americanas buscam incessantemente uma saída para dar como falsos os documentos que sustentam este escândalo, The New York Times cita analistas especializados que confirmam a sua veracidade, pelo menos parcialmente, o que evidencia duas coisas: que os autores do roubo informático dos servidores dos serviços secretos dos EUA estão na posse de informação estratégica de grande relevância e que tudo o que estava planeado pelos EUA para ser executado pelas forças ucranianas no terreno está definitivamente comprometido, porque os ficheiros verdadeiros podem estra já nas mãos dos russos, se não foram estes os autores da audaciosa operação de pirataria informática.

Uma das notas de alguns analistas mais sublinhadas é que o conteúdo destes documentos, na versão agora conhecida, suporta as afirmações públicas do Chefe de Estado-Maior norte-americano, general Mark Milley, quando defendeu publicamente, em finais de 2022, que a Ucrânia deveria procurar uma saída negociada para este conflito, contrastando de forma incisiva com as declarações dos secretários de Estado (ministros) da Defesa dos Negócios Estrangeiros dos EUA, Lloyd Austin e Antony Blinken, ou da presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, defendendo uma derrota militar com estrondo da Rússia no campo de batalha.

Para já, sendo isso um dado curioso, mesmo que se possa tratar do maior feito desta guerra por parte dos serviços secretos da Federação Russa, o Kremlin ainda não permitiu que esse feito fosse usado como trofeu na guerra da informação e até os media russos estatais estão a noticiar este episódio incomum, no mínimo, de forma sucinta e sem reclamar qualquer tipo de sucesso do lado de Moscovo.

Outro facto é que, tendo estes documentos 01 de Março com data última reconhecida, então os autores do saque informático estiveram mais de um mês a estudá-los antes de os divulgar nas redes sociais, no Twitter, e no Telegram, a rede social russa mais conhecida, tendo muito para analisar porque eles contêm quase tudo o que as chefias russas precisariam de saber, desde os lotes de armas e munições entregues pelo ocidente a Kiev, e as rotas de acesso à linha da frente, as datas de entrega, feitas e previstas, os planos de avanço das tropas, a redefinição dos grupos de combate, as baixas em equipamento e humanas...

Sgundo o NYT, estes documentos só não apontam a data exacta para a contra-ofensiva ucraniana da Primavera, mas deixam claro que KIev está a organizar, com apoio ocidental, 12 novas Brigadas de Combate para o efeito, sendo que, por norma uma brigada comporta até 5 mil militares no padrão NATO.

"São verdadeiros", diz Agostinho Costa

Sobre este momento periclitante para os EUA/NATO e as forças ucranianas no terreno, o major-general Agostinho Costa, analista militar da CNN Portugal, sublinha que, no que diz respeito às baixas, "essencialmente expõem a informação que Washington recebe do lado ucraniano", conferindo-lhe assim idoneidade.

"Se do lado ucraniano, sabe-se que os documentos têm a precisão sobre as baixas, que são oito vezes superiores às russas, dada pela informação ucraniana enviada para os EUA, mas não se conhecem as fontes para os dados relativos ao número de baixas russas", acrescentou.

Sobre a parte onde os documentos mostram o lado organizacional da guerra, Agostinho Costa entende que o mais importante é que eles mostram que, "no essencial, o planeamento da guerra é feito do outro lado do Atlântico", ou seja, nos Estados Unidos.

E nota ainda que é também importante ter em conta que estes ficheiros e mapas mostram de forma clara, apesar de se tratar de informação datada a 01 de Março, a disposição das forças ucranianas no terreno, mostram a "heterogeneidade das brigadas ucranianas", que são, como "se confirma agora, porque já se sabia, compostas por material diversos e de diferentes proveniências", o que pode gerar dificuldades logísticas acrescidas.

Enquanto isso...

... em Bakhmut (Artiomovsk, para os russos), onde se desenrola, a par de Adviika, uma das batalhas mais sanguinárias na Europa desde a II Guerra Mundial, as forças russas, do Grupo Wagner, considerados mercenários no ocidente, vão ganhando posições atrás de posições e, como sublinha o coronel Mendes Dias, comentador para assuntos militares da CNN Portugal, já só resta uma pequena parte ocidental da urbe sob domínio ucraniano.

Este ponto é importante porque o Presidente Zelensky admitiu publicamente que a queda de Bakhmut para os russos seria uma estrondosa derrota para os ucranianos e poderia definir o futuro deste conflito, porque abriria o caminho, quase sem oposição, aos tanques de Moscovo para Sloviansk e Kramatorsk, as duas últimas cidades de Donetsk por conquistar por Moscovo.

E é face a este cenário pouco abonatório para os desígnios ucranianos que Volodymyr Zelensky esteve na quarta-feira em Varsóvia, capital da Polónia, onde disse estar à espera com afinco pelas novas remessas de armamento ocidental, bem como o que ainda falta de blindados pesados Leopard-2 e Chalenger-2, bem como os aviões de guerra, para avançar com a tão aguardada contra-ofensiva com a qual Kiev quer brindar os aliados ocidentais da NATO com uma vitória que mude o curso da guerra e a termine rapidamente, como parece ser, cada vez mais, o desejo desses mesmos aliados, quase todos submersos em crises económicas severas e com crescente contestação popular ao apoio a Kiev.

Entretanto, o Presidente francês, Emmanuel Macron, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, estão por estes dias em Pequim, com a questão da guerra na Urânia no topo da agenda, embora, aparentemente, sem grande sucesso nos objectivos definidos antes da partida, que seria pressionar a China para mudar a agulha do seu relacionamento estratégico com a Rússia.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.