Em declarações a um canal de Tv ucraniano, Mikhail Podoliak, que tem assumido o papel do ponta de lança de Kiev na frente dos mais radicais dirigentes ucranianos que se posicionam contra qualquer aproximação a conversações com Moscovo antes da saída de todos os militares russos da Ucrânia, desafia mesmo Pequim a decidir se quer mediar ou manter-se cuidadosamente de lado.

A possibilidade de Xi JInping falar por videoconferência, embora se tenha mesmo chegado a admitir que esta poderia ser em Kiev, com Zelensky, após a visita de três dias a Moscovo, que terminou esta quarta-feira, foi bastamente discutida nos media internacionais mas sem que a ela tenha surgido qualquer referência oficial da parte chinesa.

E da ucraniana, as palavras de Podoliak são as primeiras onde tal possibilidade é admitida como a saída para o impasse que se regista sobre a possibilidade de as armas se calarem e ouvirem-se as vozes do diálogo à mesa das negociações, reatando as conversações que foram violentamente interrompidas em Abril de 2022 pelo primeiro-ministro britânico numa intempestiva ida a Kiev para boicotar quaisquer possibilidades de entendimento para o fim da crise com Moscovo.

Mas, para que uma conversa de Xi com Zelensky possa vir a ser desenvolvida com sucesso, Mikhail Podoliak, que, ao assumir este papel de forja para moldar o diálogo com o líder chinês, se mostra claramente menos "falcão" de guerra, colocou já como ponto de partida uma definição por pate da China de qual o papel que quer desempenhar.

Podoliak confirmou que existem planos para que Xi e Zelensky venham a conversar, estando Kiev a preparar-se para esse momento tanto na Presidência como no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O principal obstáculo evidenciado pelo principal conselheiro de Volodymyr Zelensky é que a China "ainda não definiu o seu papel político neste processo" com clareza, e que se quer ser o mediador equidistante de facto ou manter-se cuidadosamente de lado deste problema.

No entanto, para quem segue de perto este conflito e as suas margens diplomáticas, facilmente percebe que esta posição de Podoliak evidencia uma mudança de agulha no seu posicionamento, porque até a dúvida que apresenta sobre o papel da China não ostenta qualquer dificuldade que possa impedir que essa mediação seja preparada por Pequim com sucesso.

Alias, questionar se a China quer ser mediador de acto ou manter-se afastada cuidadosamente é a forma mais "plástica" para garantir que do lado de Kiev se deseja que Xi Jinping assuma esse papel de mediação de forma a possibilitar, por exemplo, que o regime ucraniano desate o nó que ele próprio criou ao publicar por decreto uma lei que proibibe Zelensky de sequer falar com Putin, quanto mais negociar.

Recorde-se que a China divulgou um documento com 12 pontos no dia 24 de Fevereiro, quando a guerra fazia um ano, onde explana a sua posição sobre o conflito no leste europeu e destapa a abordagem que pretende ter em eventuais mediações, mas o seu primeiro ponto pode comprometer esse processo, porque, devido ao seu caso com Taiwan, Pequim não pode deixar de reconhecer o direito de Kiev às zonas ocupadas pelos russos.

Mas o mesmo desafio apresenta o documento com 10 pontos divulgado pelo Presidente ucraniano, que, entre estes, conta com a incontornável saída de todos os soldados russos do último centímetro de território ucraniano, incluindo Donbass e Crimeia, para entabular quaisquer negociações com o "invasor".

Face a estes dois obstáculos intransponíveis, porque o Kremlin já disse que, em relação às províncias anexadas no leste ucraniano, nem sequer existe abertura para sobre isso falar, só o gigante asiático, com o seu poderio económico, poderá derrubá-los, até porque a Ucrânia, devido à sua geografia europeia, poderá assumir um papel de relevo no projecto planetário da "Nova Rota da Seda", com um investimento nunca visto e de âmbito planetário, mas com um enfoque especial na EurÁsia.

Com o fim da visita a Moscovo esta quarta-feira, alguns analistas admitem que o telefone do escritório de Volodymyr Zelensky possa tocar ainda este fim-de-semana.

Entretanto, para além da visita do Presidente brasileiro, Lula da Silva, a Pequim, que propõe a constituição de um grupo de países para trabalhar num processo de paz, já esta sexta-feira soube-se que vários lideres europeus estão a caminho da China para reuniões com o Presidente Xi Jinping, como o espanhol Pedro Sanchez, que disse mesmo ser incontornável ouvir o Governo chinês para encontrar uma saída para o conflito, e ainda a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.