A guerra na Ucrânia, que se aproxima rapidamente dos seis meses de duração, após a invasão pelas forças russas, a 24 de Fevereiro, está a entrar numa fase em que os objectivos militares que compreendam avanços e ganhos territoriais, de um e do outro lado, têm de suceder nas próximas duas a três semanas porque a aproximação do rigoroso inverno nesta parte do leste europeu torna impossível quaisquer manobras regulares, o que permite aos analistas militares colocar como mais forte hipótese a procura dos russos de consolidar posições no Donbass e no sul da Ucrânia, enquanto as forças de Kiev vão aproveitar este espaço de tempo para provocar danos na moral dos invasores.

E é neste cenário que o chefe do Kremlin, aproveitando uma conferência sobre segurança que teve lugar em Moscovo, procurou aplicar um golpe psicológico nas forças ucranianas, afirmando que estas estão a ser usadas pelos Estados Unidos da América e pelos seus aliados europeus como "carne para canhão" de forma a prolongar o mais possível esta guerra com a qual Washington quer fragilizar o poderio militar de Moscovo.

Com estas palavras, Vladimir Putin está a dizer aos combatentes ucranianos que não é pela defesa da democracia ou do país que estão a morrer na condição de "carne para canhão" mas sim porque isso interessa aos ocidentais como forma de enfraquecerem a Rússia através de uma guerra de desgaste o mais longa possível que alimenta através de uma máquina propagandística que visa "criar uma fobia aos russos e uma ideia anti-Rússia com base na enfatização de valores fermentados numa ideologia neo-nazi" que vê o povo do Donbass como "objecto natural de aniquilação", apostado no "fornecimento contínuo de armas pesadas aos ucranianos".

Estas palavras foram depois complementadas por uma declaração do ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, que retira a este conflito parte do risco que continha numa escalada catastrófica ao afirmar que Moscovo não prevê em nenhuma circunstância recorrer ao seu arsenal nuclear na Ucrânia, o que tem sido sub-repticiamente admitido pelo vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitri Medvedev, antigo Presidente russo, ao longo dos últimos meses, o que representa muito atendendo que se trata de um dos mais fieis colaboradores de Putin.

Mas Shoigu, citado pela Reuters e noticiado pelo The Guardian, fez uma acusação grave aos ocidentais que estão mais próximos de Kiev e mais alimentam o seu esforço de guerra, Washington e Londres, acusando-os de estarem a planear directamente as acções militares levadas a cabo pelos militares ucranianos, na tal condição de "carne para canhão" referida por Putin na mesma conferência internacional de segurança que teve lugar na capital russa.

Aviso directo

A embaixada russa em Washington advertiu o mundo para a possibilidade de um conflito directo entre os Estados Unidos e a Federação Russa por causa do comportamento irresponsável dos EUA em todo o mundo, e com a continuação do apoio dos EUA à Ucrânia.

"Hoje, os EUA continuam a agir sem respeito pelos interesses e segurança dos outros países, o que contribui claramente para um crescente risco de confronto nuclear", disse a embaixada russa. Confronto esse que seria inevitável no caso de uma guerra entre russos e norte-americanos como os dois Presidentes, Putin e Joe Biden já admitiram em público.

A embaixada russa em Washington adverte ainda para o crescente envolvimento dos americanos na guerra na Ucrânia, optando por uma envolvência híbrida no confronto com os russos, o que tem tudo para "conduzir a uma escalada imprevisível e a um confronto directo entre potências nucleares".

Nesta nota, a representação diplomática russa nos EUA chama a atenção ainda para a returada de Washington de dois importantes acordos sobre armas nucleares, o de 1987 sobre as armas de alcance intermédio, que bane certos tipos de armamento atómico e o de 1992, que permite que os signatários sobrevoem os outros territórios para vigiar os seus arsenais".

No entanto, no que diz respeito ao uso do nuclear, são os russos que estão a ser acusados por Washington de praticas arriscadas na maior central nuclear da Europa, a de Zaporijia, na Ucrânia, tomada de assalto pelas tropas russas em Março, nomeadamente quanto à sua ocupação como quartel militar e depósito de armamento.

Antony Blinken, o Secretário de Estado dos EUA, acusou os russos de "irresponsabilidade" pela forma como usam esta central nuclear, que tem sido alvo de ataques nas últimas duas semanas, com Kiev a acusar os russos e Moscovo a dizer que são os ucranianos porque não faria sentido estarem a atacar-se a si próprios. Kiev responde dizendo que não faz sentido é os ucranianos estarem a atacar reactores nucleares no seu próprio território e dos quais dependem para ter energia.

A Agência Internacional de Energia Atómica já veio advertir para os riscos inerentes aos disparos de roquetes contra as instalações nucleares, mas admitiu que, para já, a sua segurança não foi directamente posta em causa.

Crimeia volta a explodir

Quase ao mesmo tempo, da Crimeia, península que os russos anexaram em 2014, depois de um referendo, e habitada em mais de 85% por população russófila, e duas semanas depois de uma primeira série de explosões numa base aérea onde foram destruídos oito aviões de guerra e toneladas de munições, voltou a acontecer, com fortes explosões - os vídeos que chegaram às redes sociais são impressionantes - numa área ocupada por depósitos de munições de diversos calibres, incluindo vários tipos de foguetes.

Tal como sucedeu na base aérea, a Rússia explica as explosões com um acidente no armazenamento das munições, sem vítimas, negando que tenha sido um ataque, através de mísseis de longo alcance ou uma acção de guerrilha de natureza "partisan", sem que Kiev tenha reivindicado a acção, embora num e noutro caso, da Presidência ucraniana tenha saído mensagens nas redes sociais a ironizar sobre as explosões, deixando no ar uma reivindicação dos ataques sem assinatura, como o fez Mykhailo Podolyak, conselheiro do Presidente Volodymyr Zelensky, ao escrever no Twitter que "há um grande risco de morte para invasores e ladrões".

Desta feita foi um depósito de munições, com vários paióis, como se vê nos vídeos, na vila de Maiskoye, no norte da Crimeia, tendo a agência estatal russa TASS avançado que as populações vizinhas foram evacuadas devido à projecção de algumas das munições ali armazenadas, sendo isso mesmo visível nas filmagens divulgadas, como roquetes a saírem do local das explosões para todas as direcções.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.