No documento que António Guterres elaborou para análise dos membros do Conselho de Segurança, depois de, por pressão dos Estados Unidos da América, este ter aprovado uma redução dos actuais 18 mil homens (capacetes azuis) para 16 mil, é defendido uma reflexão sobre essa mesma redução, lembrando que a RDC atravessa actualmente uma grave crise com vertentes que vão do periclitante processo eleitoral à actuação de múltiplas guerrilhas em algumas províncias.

Divulgado pelas agências internacionais, o documento alerta para o risco de a diminuição orçamental da MONUSCO, a mais extensa missão de paz que a ONU tem em todo o mundo, poder deixar de ter capacidade de reacção suficiente para travar um processo de desmoronamento do Estado congolês.

Recorde-se que a generalidade da comunidade internacional reconhece na RDC o maior problema com potencial de dispersão de instabilidade para o continente africano, nomeadamente para a região dos Grandes Lagos, e para a "fronteira" da África Austral, com Angola na linha da frente, como se viu neste último ano por causa da violência despoletada pelas milícias de Kamwina Nsapu nos Kasai Central e Oriental, que atirou para a Lunda Norte dezenas de milhares de refugiados.

A par dos velhos problemas na RDC, desde as províncias do Leste, afectadas, especialmente nos Kivu Norte e Sul, pela acção de guerrilhas estrangeiras, aos mais recentes nos Kasai, passando pelas sucessivas epidemias de cólera, mas também de ébola, este país, de 70 milhões de habitantes tem a correr uma grave crise eleitoral, devido aos sucessivos adiamentos das eleições presidenciais que vão definir a saída do poder do ainda Presidente Joseph Kabila.

Face a este quadro de grande instabilidade e potencial de risco para África no seu todo, António Guterres alerta, nesta visão plasmada em 27 páginas, para a necessidade de o Conselho de Segurança rever ou não permitir novos cortes depois de em Março último ter aprovado uma redução substancial do contingente no país englobado na MONUSCO.

Recorde-se que nos próximos dias haverá em Nova Iorque uma nova reunião do Conselho de Segurança dedicada exclusivamente aos problemas da RDC.

"Tenho confiança na eficácia das alterações em curso no seio da MONUSCO, mas os Estados-membros devem ser muito prudentes em caso de novos cortes no financiamento desta missão porque podem, efectivamente, comprometer a sua capacidade de cumprir obrigações essenciais", nota Guterres no documento.

Todavia, o português que chefia a ONU entende, como o demonstra no relatório, que umas eleições bem-sucedidas e uma transição no poder consolidada poderiam abrir a porta a uma efectiva redução da MONUSCO, missão que está em curso há 17 anos, com milhares de capacetes azuis e uma pesada estrutura logística, incluindo armamento pesado, aviação de guerra e uma plêiade de infra-estruturas de apoio na área da saúde etc.

A RDC tem em curso o processo eleitoral, estando na fase do registo eleitoral, mas, entre 2015 e 2016 morreram centenas de pessoas devido a manifestações, e subsequentes confrontos com as forças de segurança, contra tentativas anunciadas ou efectivas de adiamento das eleições ou de alterações à Constituição para permitir a Kabila uma terceira candidatura, ilegal face ao actual texto constitucional.

Para já, o risco de as eleições não terem lugar até ao final deste ano, como ficou plasmado no acordo assinado entre Kabila e a oposição em Dezembro do ano passado, é grande, tendo mesmo o Governo de Kinshasa admitido ser essa a probabilidade mais forte, o que levou os partidos da oposição a renovar as ameaças de novos e violentos protestos de rua.

O mapa da instabilidade actual na RDC pode-se medir pelas suas nove fronteiras, que separam o país de alguns dos países mais instáveis de África, como o Sudão do Sul ou a RCA, e outros com históricos trágicos como o Ruanda ou o Uganda, para além de Angola ou a Zâmbia, mais de três milhões de deslocados internos, múltiplas guerrilhas, milícias e movimentos activos e ainda problemas sanitários profundos que levam à eclosão de epidemias como a de cólera que já fez, nos últimos meses, mais de 1500 mortos e milhares de infectados, levando a ONU e os Médicos sem Fronteiras a alertarem para este perigo em crescendo.

A par de tudo isto, a RDC vive ainda mergulhada na cobiça de multinacionais e potências estrangeiras sobre as suas riquezas naturais, como os minérios, com destaque para o coltão, o cobre ou o cobalto, e ainda as suas florestas e também petróleo, que se aproveitam da fragilidade do Estado e de uma rede de corrupção que chega a todas as camadas da sociedade congolesa.