A escolha do município de Cacuaco para a realização do acto político não foi feita por acaso, mas enquadrada no âmbito de uma ampla campanha que visa inverter o sentido do voto em 2027, num dos maiores esteios de apoio da UNITA na capital do País.
Este sentimento foi publicamente manifestado por responsáveis do MPLA que não esconderam o desejo de o partido governante aumentar a pontuação no campo do adversário, ou seja, tirar o tapete ao partido do Galo Negro que, no último pleito eleitoral, alcançou resultados "históricos" no País, sobretudo em Luanda.
Daí que o MPLA, nesse seu "assalto" a um dos municípios mais populosos de Luanda, a uma das praças-fortes da Oposição, "entrou com tudo", como se diz na gíria desportiva.
Apoiado por uma ruidosa máquina de propaganda, o MPLA não se conteve em mobilizar apenas os seus militantes, simpatizantes e amigos residentes naquele município, mas também foi aos bairros pobres e degradados de Luanda e da vizinha província do Bengo "pescar" outros tantos. Muitos dos quais terão sido atraídos pela música e o entretenimento.
Nas redes sociais tem estado a circular um vídeo de moto-taxistas a receber dinheiro de elementos trajados com as cores da bandeira do MPLA, como forma de pagamento pelos serviços por eles prestados a essa formação política, o que, a ser verdade, confirma a tese segundo a qual o partido no poder tem recorrido à corrupção política e à "kixiquila" de militantes para encher os seus comícios.
Sem menosprezar a sua enorme capacidade de mobilização, o MPLA poderia abster-se do recurso à "Kixiquila política", ou seja, tirar apoiantes ou simpatizantes dos vários municípios para concentrá-los em Cacuaco, com o objectivo de passar a ideia de que goza de grande adesão popular nessa localidade quando, na realidade, crescem em todo o País as bolsas de descontentamento e o clima de raivas surdas em torno da má governação.
É inquestionável o apoio que o partido governante ainda goza em vários segmentos da população, mas o movimento "migratório" de apoiantes em actos de massas, para além de não transmitir ou traduzir um quadro real, não ajuda também a "medir o pulso" de popularidade dessa formação política.
Mais do que uma demonstração de força política, que teve como alvo um terreno tradicionalmente afecto à UNITA, o acto de massas de Cacuaco constituiu também um gesto de preparação da opinião pública no sentido desta, em 2027, não colocar em dúvida os resultados eleitorais em Luanda, ainda que os mesmos venham a ser obtidos de forma fraudulenta, para não variar.
Sintomaticamente, o acto decorreu numa altura em que os níveis de popularidade de João Lourenço estão acentuadamente em baixa, a sua governação cada vez mais contestada ou questionada, de forma aberta ou velada, não apenas por sectores ligados à Oposição e à sociedade civil, como também no seio do próprio MPLA, onde são cada vez mais evidentes os sinais de clivagens e lutas intestinas.
Escusado será perguntar se o partido governante cumpriu com os pressupostos exigidos pela Lei de Reunião e Manifestação, ou seja, se agiu da mesma forma em matéria administrativa como os demais partidos, quando estes manifestam o seu desejo de sair à rua.
É dado adquirido que não houve da parte do Governo Provincial de Luanda (GPL) qualquer gesto ou uma manifestação, expressa ou tácita, no sentido de "desautorizar" o referido acto, como tem ocorrido amiúde com os partidos da oposição ou determinadas organizações da sociedade civil.
Esta última questão nem deveria ser colocada ou equacionada, sabendo-se que o governador Luís Nunes da Fonseca foi um dos participantes na referida manifestação, na sua qualidade de primeiro secretário do MPLA em Luanda.
Desnecessário será também equacionar ou questionar o papel da nossa polícia dita "republicana" e "apartidária" nessa manifestação, que lá esteve em massa, dando cobertura aos manifestantes, evitando que a mesma fosse tomada por "arruaceiros" - as aspas são propositadas -, como tem acontecido em actos promovidos pela Oposição ou pelas ONG's.
Em Cacuaco, o também governador de Luanda teve a plena liberdade para manifestar os seus sentimentos, sem que tivesse sido minimamente perturbado pela polícia, que age e muda de postura em função das manifestações e dos seus actores, como se estes estivessem divididos entre filhos e enteados.
O acto político provou, uma vez mais, o quanto a polícia tem sido tolerante, para não dizer cúmplice, com as manifestações de apoio ao MPLA e, por arrasto, a JLO, mas que tem sido excessivamente dura e repressiva quando se tratam de manifestações de protesto, de pessoas ou órgãos que não se revêem nas políticas governativas.
Daí que tem sido recorrente o uso de argumentos subjectivos e pueris para inviabilizar as acções protagonizadas pela Oposição ou pelas Organizações da Sociedade Civil (ONG's) ao ponto de, no pior dos cenários, a polícia utilizar a força para cercear os direitos dos manifestantes consagrados na CRA.
Se a polícia cumpriu com o seu papel, ainda que o tenha feito dando um tratamento "privilegiado" ao partido governante, o mesmo pode dizer-se também da comunicação social estatal que, verdade seja dita, não destoou.
A "bem comportada" imprensa pública não só participou da mobilização da "populaça", como também deu cobertura e destaque mediático ao acto, agindo como se fosse uma caixa-de-ressonância do partido no poder, um instrumento de propaganda ao serviço dos promotores da manifestação.
Algumas vozes críticas sugerem que o MPLA, em vez de promover actos de massa em apoio ao seu líder, deveria, em sentido contrário, exigir publicamente do Executivo uma melhor gestão dos recursos financeiros e materiais, de redução da despesa pública, de forma a diminuir os elevados índices de pobreza, desemprego e outras chagas sociais.
De facto, faria todo o sentido que assim fosse, visto que muitos dos milhares de manifestantes que, no sábado acorreram à manifestação, não têm empregos, vivem abaixo da linha de pobreza, em bairros miseráveis, sem as mínimas condições de salubridade.
Uma manifestação do género, que exigisse transparência na gestão da coisa pública e em prol da melhoria da qualidade de vida dos angolanos, seria o "melhor presente" que os milhares deserdados e pobres poderiam oferecer aos governantes, por ocasião dos 50 anos de (In)dependência.