O entusiasmo prevalecente é contagiante, e é bom que assim seja! Mas, tem de ser associado à acções concretas que nos conduzam a reverter o quadro da degradação das infra-estruturas fundamentais, críticas na viabilização do processo de produção no País. A produção nacional não vai acontecer, ou, se acontecer será com um elevado nível de ineficiência, que se manifesta nos altos preços relativos dos bens e serviços transaccionados na economia nacional, reduzindo a competitividade, que se requer no contexto de impermeabilidade de fronteiras pelo efeito da globalização dos mercados.

Os factores de produção (terra, capital, trabalho e tecnologia) e seus componentes têm de fluir livremente no espaço nacional, sem o qual o sistema económico fica atrofiado, tal como fica o corpo dos seres vivos, quando o coração (órgão fundamental) não funciona bem, o sangue não circula pelo organismo. A economia fica moribunda, se as componentes dos factores de produção não poderem fluir normalmente de um ponto para o outro no espaço económico nacional. Há uma série de factores que inviabilizam a realização de actividades produtivas e de serviços. Porém, o ponto mais saliente são as estradas, quer as urbanas, quer as suburbanas, que estão no estado deplorável. Hoje, nos meios urbanos, somos obrigados a dar uma grande volta para chegarmos a um determinado ponto, porque não queremos passar por cima dos charcos que se criam depois das enxurradas que ultimamente se abatem sob as cidades no País inteiro. Embora, a questão das infra-estruturas urbanas seja um outro assunto para uma próxima reflexão, não tenho dúvidas que se deve à centralização excessiva reinante, de que não se quer desfazer.

O contacto com a realidade do País no que concerne ao relançamento da produção agrícola, que, por sua vez, iria fornecer as matérias-primas à indústria, tem muito a ver com a inversão que se deu com o boom do petróleo e com a guerra. Ouço falar muito das potencialidades agrícolas do País que são extraordinárias, são mesmo! Mas quando é que saímos das potencialidades? Enquanto não se entender a inversão do movimento da cadeia de abastecimento de produtos no contexto angolano, vai ser muito difícil relançar a produção agrícola e, consequentemente, a produção industrial.

A movimentação dos produtos no período da administração colonial fazia-se das localidades do interior (Ganda, Balombo, Camacupa, Catabola, Cacuso, Sela, Seles, Quibala, Gabela, Malanje, Matala, Lubango, Ucuma, entre outras), para o litoral, onde se localizavam algumas unidades de transformação e portos para a exportação, apesar de que algumas localidades do interior também tinham algumas unidades de transformação. Por exemplo, o milho era transportado pelo comboio do Caminho de Ferro de Benguela (CFB) dos silos do Grémio das várias estações para o Lobito, uma parte era exportada, outra era direccionada para as fábricas de transformação da Canine, Palapala e outras moagens que existiam. Mas do interior vinham também outros produtos, tal como: o sisal, a crueira, o feijão, o café, que eram melhorados e tratados antes de ser vendidos ou simplesmente exportados. Com o desmoronamento do sistema produtivo nacional, por um lado, pela acção da guerra civil, por outro, pela má gestão do novo dono (o Estado, que confiscou ou nacionalizou as empresas produtivas), pois, por exemplo, nenhuma das 3 açucareiras esteve em zona de guerra, o movimento se alterou, do litoral, ou dos portos, para o interior. O país viciou-se a produzir algo que não consome (petróleo) e a consumir o que não produz (importação de produtos alimentares básicos). A importação tornou-se a preferência que passou a permear os que tinham o poder de decisão de aquisição de bens no estrangeiro, as chamadas comissões, passaram a fazer parte do rol de factores que influenciaram as decisões. Ainda hoje a importação é vista, por muitos, como a opção mais expedita para adquirir bens e serviços já produzidos no País.

A importação cai na esfera de circulação ou comércio, tal como o demonstram os trabalhos de Karl Marx, o comércio não aporta valor ao bem transaccionado, por isso, empobrece os assalariados. Por exemplo, se compra uma batata por 2 Kz, de Durban, África do Sul, passa por Namíbia, cruza todas as províncias de Angola ao Sul do Kwanza, chega à Luanda, vende-se a batata a 4 Kz, alguém embolsou um lucro de 2 Kz, nada mais. Não criou valor para a economia nacional. No entanto, se semear esta batata, colhe-se ao fim do ciclo de 90 a 100 dias, entre 5 a 10 batatas, expandiu-se a riqueza em 5 ou 10 batatas, envolveu a interacção dos factores de produção, terra, capital, trabalho e tecnologia, criou valor para a economia.

Os pressupostos acima expostos não se concretizam nas actuais condições de infra-estruturas degradadas. Infelizmente, as minhas viagens pelo interior e contacto com os produtores, fazem-me concluir que o País não está preparado para produzir, não está preparado a criar valor. Por consequência, empurra milhares dos seus cidadãos para a pobreza. Por exemplo, já se imaginou as externalidades que uma estrada cria? Certo, umas negativas (realocação de pessoas e expropriação de terras, abate de árvores, entre outras) e outras muito positivas (construção de pousadas, postos de abastecimento de combustíveis, possibilidade de venda de produtos, etc.). Já o referi aqui neste espaço, as estradas não precisam que sejam alcatroadas ou asfaltadas, precisam apenas que sejam terraplanadas e compactadas com cilindros. Era assim na grande maioria das estradas secundárias e terciárias. Entre Silva Porto Gare, hoje Cunje à Catabola (Nova Sintra) e Camacupa (General Machado), a estrada era terra batida, mas circulava-se muito bem. Infelizmente, continua terra batida na data presente, mas cheia de ondulações e buracos que dificultam a circulação.

A dinamização da produção nacional, ou a diversificação da economia, tal como referiu o Professor Alves da Rocha, no seu artigo "a Despetrolização da Economia de Angola" de 5 de Janeiro, «a diversificação da economia é uma totalidade social e sociológica, vista apenas do estrito ponto de vista económico/estatístico e das políticas públicas nos domínios da agricultura e indústria é um erro. A diversificação dos tecidos económicos e das matrizes produtivas é um processo de transformação dos diferentes elementos da formação social de cada país, onde se inserem as forças produtivas, as relações de produção e os modos de fazer a produção acontecer. É um processo de transformação de mentalidades que facilita e promove a ocorrência de alterações nas bases e nas superestruturas dos sistemas económicos e sociais. Por isso, a educação é o factor decisivo, porque é por seu intermédio que se transformam as mentalidades e se criam as elites de empresários/gestores e de trabalhadores de elevados índices de capital humano». Por conseguinte, o entusiasmo e pragmatismo reinante em torno da produção nacional é legitimo, para quem governa. Porém, as transformações sociais têm de ser mais abrangentes, de outra forma, não se passará de muitas boas intenções. Às vezes, muitas das boas intenções ficam vazias se não estiverem acompanhadas de actos que as transformem em realidade.

*Economista e professor universitário