O Nietzsche, ao contrário do seu contundente homónimo, é um pacifista. Só se pode ser pacifista se se for forte e seguro. E ele é-o. Quando é confrontado com atitudes agressivas de outros gatos, o que, para um gato de rua, é certamente uma situação frequente, ele simplesmente os observa, sem ceder um milímetro, e espera que a coreografia que o outro desenvolve, para se autoconvencer da sua força, termine. Aí, o outro retira-se, e ele prossegue o seu caminho. Não criou um miado aterrador, nem uma postura de samurai. Escolheu a placidez. Atitude adulta que desvaloriza o agressor e acaba por fazê-lo sentir-se ridículo e desistir, mesmo se rosnando, entre dentes, sons ameaçadores e elaborados.

Com a velhice, foi perdendo o porte sólido que sempre ostentou. Sem ser imponente, era um gato que transmitia a força da sua independência. Com o aparecimento, cada vez mais pronunciado, do desenho do seu esqueleto sob a pelagem que começava a perder o brilho, decidimos convidá-lo a ir ao veterinário. Ele acedeu, mas ficou visivelmente preocupado quando se achou confinado. A liberdade, apesar do bem-estar que lhe era agora proporcionado, chamava-o. Passava longos períodos a olhar pela janela, com um sentimento que se exprimia pela resignação de quem se sentia fragilizado, mas contrariado, pois sentia a falta de poder percorrer os caminhos, ainda que perigosos, que outrora escolhia calcorrear. O olhar longo, dos seus olhos doces, tolhia-nos o coração.

Aos poucos foi conhecendo o seu novo espaço vital. Estudando os recantos. Experimentando os sítios, numa minúcia de investigador da vida. Tendo encontros de terceiro, e outros, graus, com os outros habitantes da casa. Que são muitos, cada um procurando manter o seu espaço e a sua autoridade. A experiência que trazia da rua, aliada à sua inteligência natural, foi essencial para que contornasse os escolhos que lhe foram sendo colocados. Usando a sua principal arma: a força interior que lhe confere a placidez que desarma as atitudes mais agressivas.

Hoje, o Nietzsche, já recomposto, ainda que sem a exuberância de outros tempos, já não tem as portas fechadas. Sai e entra quando quer. É respeitado por todos. Continua a usufruir do espaço como só ele, não elegendo nenhum sítio em especial, mas utilizando com mestria as possibilidades que o entorno lhe dá. Não está fora da equação a sua escolha pela sua antiga vida de um mundo sem fronteiras. Mas até agora tem preferido o conforto e a segurança de um recanto acolhedor, onde se sente querido.
Inspirador, é um ser que nos faz bem.