O combate deste fenómeno só é eficaz quando conhecido. Para o efeito, os Estados têm envidado esforços com a criação de mecanismos tendentes a reduzir os níveis de corrupção e os efeitos nocivos dela decorrente. De entre estes mecanismos, trazemos à reflexão a figura do whistleblower (denunciante). O whistleblower é uma palavra anglo-saxónica que significa aquele que revela informações sobre violações de normas e padrões éticos ou que divulga actividades ilegais que ocorrerem ou ocorreram dentro de instituições públicas, de empresas públicas ou privadas que lesem, essencialmente, o interesse público. A Convenção da Organização das Nações Unidas contra a Corrupção define-os, no seu art.º 33.º, como "(...) as pessoas que denunciem ante as autoridades competentes, de boa-fé e com motivos razoáveis, quaisquer feitos relacionados com os delitos qualificados de acordo com a presente Convenção".

Em termos semelhantes, a Convenção Civil contra a Corrupção do Conselho da Europa caracteriza-os, no seu art.º 9.º, como "os empregados que, de boa-fé e com base em suspeitas razoáveis, denunciam casos de corrupção a pessoas ou autoridades responsáveis". O acto de denúncia, saliente-se, não se restringe aos empregados. Ela pode ser feita por membros do conselho de administração, do conselho fiscal, directores, advogados, auditores internos e externos, prestadores de serviços, estagiários e sócios com participações qualificadas. Quer isto dizer que qualquer uma das pessoas referidas pode - no exercício de suas funções ou depois dela - denunciar actos ilícitos cometidos no interior de uma instituição pública ou privada.

Contudo, um dos principais obstáculos à eficiência dos canais de denúncias já criados em muitas instituições prende-se com as garantias efectivas de protecção a quem denuncia as infracções. Para ultrapassar esse obstáculo, Portugal, por exemplo, aprovou a Lei 93/2021, de 20 de Outubro, sobre a Protecção ao Denunciante, emanada da Directiva Whistleblower da União Europeia 2019/1937, de 23 de Outubro de 2019, que entrou em vigor em Junho deste ano. De entre as virtualidades desta lei, ressalte-se a obrigação das entidades que empreguem 50 ou mais trabalhadores de instalarem um canal de denúncia interno e/ou externo e criarem os seus respectivos regulamentos.

O diploma prevê ainda que, se se apurar que a instituição (i) tentou impedir, dificultar, evitar, dissuadir o seguimento da denúncia, (ii) não cumpriu o direito à confidencialidade do denunciante e (iii) praticou qualquer acto retaliatório como ameaças, coacção ou suspensão do trabalho, estará sujeita a uma pena de multa variável entre os EUR 10.000,00 aos EUR 250.000,00, e a pena de multa entre os EUR 1.000,00 a EUR 125.000,00 se a mesma não dispor de um canal de denúncia interna ou externa, não comunicar o resultado da análise da denúncia ao denunciante ou dispor de um canal que restringe o acesso a todos os trabalhadores. Importa ter presente que, em África, o movimento whistlebloweing está em curso, porém ainda muito tímido. Note-se que, segundo a DW, apenas sete dos 54 países africanos aprovaram a Lei de Protecção para Denunciantes, recomendada pela Convenção da Nações Unidas contra a Corrupção.

O Gana, ressalta, é o país que dispõe de uma Lei de Protecção para Denunciantes mais fortes, porém peca, ainda, por não prever um regime de denúncia anónima e não punir, para desincentivar, as práticas retaliatórias contra denunciantes. Ora, parece-nos consensual que a corrupção é um mal que retarda/prejudica o desenvolvimento económico e social de qualquer país, pelo que deve ser combatido.

Parece-nos, igualmente, consensual que não existem modelos únicos para o efeito. No entanto, da análise aos instrumentos internacionais acima, parece de se concluir que a denúncia de actos ilícitos no seio de instituições públicas, de empresas públicas ou privadas se afigura o "ingrediente" mais eficaz para impulsionar esse movimento. Com os processos de transição digital das administrações públicas em curso em muitos países, incluindo em Angola, em que o Executivo faz do combate à corrupção, também, a sua bandeira, introduzir canais de denúncias constituiria, inegavelmente, uma sinalização clara e assertiva no reforço ao combate contra este mal, e a criação de uma Lei para Protecção de Denunciantes - conforme recomendação da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção de que Angola é parte - a cereja no topo do bolo rumo ao desenvolvimento sustentável. n

*Mestre em Direito e Gestão pela Universidade Católica Portuguesa