Era manhã cedo de uma quarta-feira solarenga de fim da primavera, aqui no hemisfério Norte e no nosso Kimbu, o cacimbo estava no seu esplendor, quando, lendo os jornais do dia, recebi pelas redes sociais parte da aludida entrevista.

Confesso-te que primeiramente não me atentei ao conteúdo, porque a emoção e a alegria misturada com regozijo de ouvir uma governante angolana falar na nossa língua na rádio eram tão grandes que o assunto abordado passou para segundo plano.

A tua entrevista em Kimbundu encheu-me de júbilo, por ter sido dada na capital e porque está nas antípodas do que tem sido a prática do Partido-Estado de que fazes parte, responsável pela morte de símbolos identitários nacionais, como a nossa riqueza linguística.

Deves saber que o teu gesto causa irritação, sobretudo àqueles que, com o beneplácito do teu partido, vão aplaudindo e ajudando a transformação da nossa Ngimbi num subúrbio de Lisboa ou uma favela do Brasil. Tal é a sua descaracterização identitária.

Sabemos muito bem, kambadiami Jaja, que tugófonos, sobretudo aqueles que se sentam ao lado de ti nos BP, CC, Governo e outras coisas semelhantes, vão, na primeira oportunidade, tentar pôr a tua cabeça a prémio e o teu nome na pole position da próxima acção exonerativa.

Porque, como cantou recentemente Yuri da Cunha no memorável «Live no Kubico», que reuniu também Paulo Flores e Bonga: "Somos africanos de verdade (por isso)... querem nos deixar cair".

Contudo, quero que saibas que há muita gente, jovens, adultos, mais velhos, adiakimi, intelectuais, zungueiras, artistas, kunangas, jornalistas, camponeses e outros que te agradecem dizendo: Tuá Sakidila!

E também porque o teu gesto, opina o jovem jornalista Machado Mendes, "fez lembrar os políticos dos anos 80/90, que tinham uma grande preocupação com a necessidade de se comunicarem nas nossas línguas. Hoje, parece que os tempos são outros e a preocupação dos governantes e políticos de uma forma geral é falar um Português «artificializado com termos técnicos ou alguns termos cuidados», tudo isso para enganarem os incautos cidadãos carentes de instrução e educação para a cidadania".

Não sei por que razão foste nomeada para o desafio de pilotar a capital, depois de a transformarem numa cidade ingovernável, que, por ironia, só será governável quando desluandizarem o país. Não sei se é por seres Ambundu.

Também não sei se a tua nomeação obedeceu aos mesmos critérios que a de Marcolino Moco, que fora catapultado a primeiro-ministro, em pleno conflito pós-eleitoral, por ser Ovimbundu, numa tentativa de sossegar Savimbi, o que não resultou, porque o homem do «Galo Negro» o que queria mesmo era ser ele o nomeador.

Mas, começo a perceber que, nestas tuas novas funções, apareces também a exaltar a nossa identidade étnico-cultural.

Querida amiga,

Se Luanda, a capital, com quase um quarto da população do país, iniciar um sério e efectivo programa de resgaste dos valores culturais, podes ter certeza de que terá um efeito dominó em todo o território nacional. Será, sem dúvidas, um passo de gigante mu njila da (re)africanização do país político.

É bom ver que, nessa tua cruzada de recuperação dos valores nacionais, foste buscar a língua dos ngola, uma das raízes da angolanidade, o nosso Kimbundu, que juntamente com o Umbundu, são as duas grandes línguas nacionais que nascem e desaguam em Angola.

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