O presidente angolano afirma que o seu país está contra a invasão da Ucrânia e considera que não haverá vitória militar de qualquer das partes, pelo que é urgente realizar conversações, "antes que seja tarde".

"A nossa posição é muito clara (...) condenamos a ocupação, pior do que isso, a anexação de parte do território ucraniano pela Rússia, mas para se pôr fim a isso, é preciso conversar, porque militarmente ninguém vai ganhar, nem a Rússia (...) vai tomar a Ucrânia, nem a Ucrânia vai tomar Moscovo", declara João Lourenço, numa entrevista conjunta concedida à Lusa e ao jornal Expresso.

Segundo o dirigente angolano, militar de formação, a "tendência de rearmamento da Ucrânia, que está no direito legítimo de se defender", não vai levar "necessariamente" a uma vitória militar sobre a Rússia, nem vice-versa.

"Antes que seja tarde, é preciso sentar à mesa de conversações", apela.

João Lourenço adverte que, se o sentido da guerra for para piorar, não é "utópico" o risco de uma confrontação nuclear: "e, aí, não será entre a Rússia e Ucrânia, será entre as grandes potências".

Para o chefe de Estado angolano, a iniciativa dessas negociações deve caber aos líderes dos dois países, Vladimir Putin e Vladimir Zelensky, mas os Estados Unidos e a China poderão encorajar essa acção.

"Penso e já tenho defendido que os Estados Unidos da América e a China, se chegarem a um entendimento, (...) deixando temporariamente de lado a questão de Taiwan, e decidirem que nos próximos três ou seis meses vão trabalhar juntos a favor da paz na Ucrânia, acredito que estaremos muito mais próximos de a alcançar", afirma.

Apesar de "lamentar" esta guerra, João Lourenço teme que se estejam a esquecer outros conflitos no mundo, que também ceifam vidas, destroem património e causam ondas de refugiados.

O chefe de Estado pronunciou-se igualmente sobre o papel da China no mundo e em particular no seu país, rejeitando que haja um grande investimento chinês em Angola, ao contrário do que acontece na Europa e na América.

"A maior empresa chinesa que assentou arraiais aqui em Angola é a Huawei, não há mais nenhuma, de resto, são micro e pequenas empresas de cidadãos chineses, muitos deles que vieram empregados das empresas que eram contratadas para as empreitadas e acabaram por ficar e fazem os seus negócios", diz.

Segundo o governante, a entrada do capital chinês em Angola verificou-se na sequência da fracassada conferência de doadores prevista para 2002 em Bruxelas e que nunca chegou a realizar-se, apesar do país necessitar de ajuda para reconstruir o país depois da guerra.

"Quem nos estendeu a mão nessa altura foi a China, que concedeu uma linha de financiamento para recuperação de infra-estruturas (...) e que Angola vai ter que pagar, já está a pagar (...) e os valores não são poucos", relata, comparando as relações económicas: "Entre quem empresta dinheiro e quem investe, é uma diferença muito grande".

Questionado sobre os eventuais receios vindos a público, por parte dos Estados Unidos, relativamente à presença chinesa em Angola, Lourenço descartou-os, considerando que o seu país "está aberto para todos" e "há espaço para todos".

A título de exemplo, o Presidente angolano citou o caso do corredor do Lobito, que será financiado com recursos americanos. À obra concorreu um consórcio chinês, mas foi um outro, europeu, formado por uma empresa portuguesa, outra suíça e uma belga, que venceu.

"Há concorrência sim, mas em Angola não é tão grande assim, aqui está tudo por fazer, ninguém pode se queixar", diz.

João Lourenço realça que Angola recebe "muitos recados para ter cuidado", mas que esses mesmos recados, oriundos "de muitos pontos" e de "concorrentes", não são capazes de explicar as razões para essa advertência.

"Portanto, não basta dizer cuidado com a China (...) e o caricato é que os que nos vêm dizer para ter cuidado, recebem investimento privado chinês todos os dias na suas terras e vêm-nos dizer a nós (...) aqui, que não temos investimento privado chinês".

Referindo-se em concreto ao caso da Huawei, sobre a qual surgiram noticias de que o Governo português remeteu para a Anacom a eventual possibilidade de aplicar restrições ao uso dos equipamentos daquela marca no âmbito do 5G, Lourenço especificou que se houver razões objectivas para aplicar sanções a empresas, Angola terá que "parar para pensar".

"Mas enquanto isso não acontecer e se a concorrência que fizerem for leal e respeite a legislação em vigor, não vemos nada contra o investimento chinês", concluiu.