Na Malásia, numa base naval deste "tigre asiático", onde teve lugar esta semana a Cimeira da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), Xi Jinping e Donald Trump não deixaram créditos em mãos alheias e, por entre sorrisos e sinais mais ou menos óbvios, deixaram avisos e alertas à navegação mútuos.
Sobre esta reunião entre os líderes das duas maiores potências económicas globais, pendia, como pende em permanência, sobre as relações bilaterais e multilaterais, os documentos e declarações públicas dos EUA, Pentagono e Casa Branca, sobre a preparação de uma guerra "quente", em cinco anos, para determinar "quem manda no mundo" e marcar o domínio económico planetário.
E esse ponto era, sem ser dito, o epicentro do turbilhão político-diplomático que envolveu este tête-à-tête de gigantes, porque, para já, é o acesso às já famosas "terras raras", cujo comércio global é dominado em 90% pela China, que mantém os Estados Unidos sob pressão para não ir ainda mais longe da guerra de tarifas que Trump declarou a Xi.
E não é apenas - eis o mais curioso no meio de tudo - a crucial importância que esses minerais têm para a economia norte-americana baseada na indústria 2.0, desde a aviação aos chips, é também a ausência de alternativas para a indústria militar que, sem o fornecimento chinês, fica, praticamente, atolada no pântano analógico...
A questão, face a isto, é, porque é que a China, sabendo, porque é público, que os EUA se preparam para uma guerra para determinar quem fica ao comando da nova ordem mundial em construção, vão abrir a porta à exportação dos minerais essenciais para a indústria do armamento do arqui-inimigo que, mais cedo ou mais tarde, vai ser usado contra si?
Recorde-se que a China está ainda sob pressão dos EUA para deixar de importar energia russa, que Washington considera vital para municiar a máquina de guerra do Kremlin na Ucrânia, usando como arma as tarifas sobre as importações norte-americanas de tudo o que é Made in China, ao mesmo tempo que procura desligar Pequim de Moscovo, o que serviria de feição Trump porque fragilizaria o eixo sino-russo que mais concorre pela nova ordem mundial com a "América".
E a justificação é simples, como tem sublinhado Jeffrey Sachs, economista e analista norte-americano da Universidade de Columbia, e um dos mais reputados especialistas nas relações sino-russo-americanas: a China e a Rússia juntos são praticamente imbatíveis, face à abundância de recursos e a inigualável tecnologia militar de Moscovo e a capacidade industrial sem par chinesa.
É que, como elemento fundamental do lado americano para o confronto de titãs que é visto como inevitável, está a diluição da "parceria sólida como uma rocha", como a definiu o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, entre russos e chineses, o que, para já, não parece estar a correr de feição para Washington.
E foi precisamente isso que, como relata a Xinhua, a agência de notícias oficial chinesa, após as duas horas de conversa na Malásia, que acabou com seis anos sem se verem pessoalmente, que Xi Jinping disse a Trump: "A economia chinesa é como um vasto oceano, grande, resiliente e promissor".
O líder chinês acrescentou na conversa com o norte-americano que Pequim é a cabeça de uma economia "confiante na sua capacidade de navegar sobre todos os tipos de riscos e desafios", o que pode ser traduzido facilmente por uma advertência aos norte-americanos para a suas tentativas de fragilizar o músculo económico do gigante asiático... e global.
Os analistas repararam ainda num pormenor usado por Xi para colocar Trump a par da forma como na China se olha para esta "guerra" ainda "apenas" diplomática e económica com os EUA, que foi quando este lembrou que no seu país se trabalha "há mais de sete décadas, geração após geração, sob o mesmo desígnio, que é garantir o desenvolvimento social e económico do povo chinês".
Deixando como sinal de paz que "a China não procura suplantar ou desafiar ninguém", porque "o foco é gerir os próprios assuntos bem, melhorar sempre, e partilhar oportunidades de desenvolvimento com todos os países do mundo sem excepção", notando que "esse é o segredo" do milagre chines que disse querer "partilhar com os EUA também".
Por sua vez, Trump, na sua já muito notada tendência para a hiperbolização, considerou, citado pelos media, que foi "um encontro fantástico" e que a questão das terras raras foi devidamente tratada e que vai visitar Pequim em Abril do próximo ano.
Um pormenor saltou, porém, à vista, que foi não ter havido, como sempre acontece, uma conferência de imprensa conjunta ou um comunicado conjunto, e que mesmo o derradeiro aperto de mão entre ambos foi um momento tenso, com Trump a olhar para os olhos de Xi e este, clara e intencionalmente, a olhar para a frente sem encarar o interlocutor.
Alguns analistas, como o major general Agostinho Costa, entendem que o encontro "correu bastante mal" como o demonstra o facto de o norte-americano ter saído apressado para o seu avião, estacionado na pista ao lado, depois de menos de duas horas, quando estava previsto que o encontro fosse de quatro horas.
Apesar das palavras excessivas de Trump sobre o fim das restrições à exportação de terras raras para os EUA, a versão chinesa, transmitida pelo ministro do comércio, após o encontro, é claramente diferente, notando Wang Wentao que, neste capítulo, foram definidos "ajustamentos" às medidas restritivas, com a sua suspensão por um período de um ano.
O que não fica claro é se os ajustamentos e a suspensão das restrições se referem a todo o tipo de terras raras, minerais que a China domina através da tecnologia única de refinação, e não pelo acesso a estas, ou se, como já tinha sido abordado antes, as destinadas especificamente à indústria militar permanecerão sob apertado controlo.
Claro, todavia, ficou que, no prazo de um ano, ambos os lados desta guerra comercial aliviam as medidas e contra-medidas, baixando a tensão, embora apenas ligeiramente, porque, como se pode ver nos gráficos dos mercados petrolíferos, que estão no vermelho esta quinta-feira, 30, a desconfiança sobre o que pode vir na esquina do futuro breve permanece.
Em síntese, este encontro, segundo vários analistas, tanto ouvidos pelos media ocidentais, como os relatos dos media chineses e russos, revelou uma vontade, pelo menos no presente, de desanuviar o clima de negócios entre os dois gigantes da economia mundial, mas a questão estratégica mais abrangente da batalha planetária pela nova ordem mundial, essa permanece como um pêndulo que se movimento inalterado sobre o triângulo das Bermudas geoestratégico que é constituído por Pequim-Moscovo-Washington.
E se tentou, porque esse assunto esteve no centro de muitos analistas antes do tête-à-tête, Trump não conseguiu fragilizar o cimento estratégico que une Pequim e Moscovo, o que pode ser visto como, pelo menos, um fracasso, porque sem esse desligar dos interesses estratégicos sino-russos, os EUA e os seus aliados ocidentais ficam presos à inevitável conclusão que um conflito sino-americano teria um desfecho, no mínimo, impossível de prever.
Para já, ambos admitiram interesse em trabalhar conjuntamente para encontrar uma solução negociada para o conflito na Ucrânia.
Mais difícil é perceber se o anúncio de novos testes de armas nucleares nos EUA foi um aviso para Xi ou uma advertência para Vladimir Putin, o outro "amigo" de Trump, e o ausente mais presente neste encontro na Malãsia.





