Com Donald Trump nada pode ser dado como certo, mas parece mesmo que é desta que os Estados Unidos da América deixam o processo de negociações entre ucranianos e russos para acabar com a guerra no leste europeu, três meses depois de ter assumido o poder.

O descontentamento da Casa Branca tem crescido quase na mesma medida em que os EUA vão mudando a táctica para levar Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky a cederem nas suas exigências férreas para aceitarem baixar as armas e abrir caminho para um acordo de paz.

Depois de uma aproximação arriscada ao Kremlin, aproveitando aquilo que, pelo menos em público assim parecia, uma simpatia mútua entre Putin e Trump, os estrategas de Washington travaram a fundo (ver links em baixo) e viraram em direcção a Kiev, afastando-se de Moscovo.

Foi assim aproveitando a assinatura do "acordo dos minerais", onde Trump cedeu em toda a linha mas com essa cedência a significar muito pouco, podendo mesmo ser apenas uma forma de encaixar Zelensky nesta nova linha de acção... Mas parece que essa mudança de nada valeu.

E agora é já claro que os norte-americanos aceitaram a "derrota" e levantaram a "bandeira branca" na forma de desafio a ambas as partes para falarem directamente, sem interferências de mediadores, embora Vance tenha deixado claro que Washington estará sempre por perto.

Esta nova postura norte-americana resulta do entendimento de que as exigências russas não são de modo a facilitar a sua intermediação pela rigidez apresentada por Vladimir Putin, tendo JD Vance notado que o mesmo se aplica aos ucranianos.

"É como se um e outro tivessem entregado um papel com as suas exigências (aos EUA) e dito: agora convençam o ouro lado do que tem de fazer para haver paz", explicou, de forma abreviada, o vice-Presidente norte-americano o porquê do esfumar da paciência de Trump.

Um bom exemplo para este braço-de-ferro onde os dois lados se mostram inamovíveis é a questão do cessar-fogo unilateral anunciado por Putin para começar esta quinta-feira, 08, estando já em vigor, com duração de três dias.

As tréguas russas, claramente desenhadas para coincidir com a maior festa da Rússia, o Dia da Vitória, que este ano marca, a 09 de Maio, o 80º Aniversário da derrota nazi no fim da II Guerra Mundial, não foi aceite por Zelensky, tendo este proposto um cessar-fogo de 30 dias.

A contraproposta ucraniana foi rejeitada pelo Kremlin sob a alegação de que Kiev iria aproveitar este período alargado para se rearmar com apoio dos seus aliados europeus, o que foi, embora sem uma assunção directa, confirmado por franceses e britânicos, enquanto Zelensky argumentou que três dias não têm qualquer significado no processo de paz definitiva.

Seja como for, o cessar-fogo unilateral russo está a ser violado, aparentemente, por ambos os lados, com Zelensky a falar em centenas de disparos de artilharia russa sobre posições ucranianas, o que não se afasta das palavras do Presidente russo que avisou que se Kiev não respeitasse estas réguas, as unidades de Moscovo responderiam de imediato...

A par desta troca de fogo de artilharia, que, na verdade, aconteceram em todos os momentos de paragem anunciada dos combates, bem mais relevante é o que se passa em Moscovo, onde Putin está a receber dezenas de lideres mundiais, incluindo os Presidentes chinês e brasileiro, para as cerimónias do 09 de Maio.

E este momento, que é, de longe, o momento mais simbólico da Federação Russa, a herdeira natural da extinta URSS, que derrotou a Alemanha nazi há 80 anos, está a ser severamente importunado por vagas de ataques de drones ucranianos contra Moscovo.

Isto, quando, nas últimas 48 horas, as autoridades russas foram obrigadas ao fecho dos quatro grandes aeroportos internacionais da capital russa devido aos drones ucranianos e ao cerrado fogo das defesas antiaéreas para abater centenas destes aparelhos.

A piorar este cenário, Zelensky, depois de não aceitar os três dias de tréguas de Putin, disse que não se podia responsabilizar pela segurança dos convidados de Putin, que incluem o chinês Xi Jinping, o brasileiro Lula da Silva e, entre outros, o eslovaco Robert Fico ou o Bissau-guineense Umaro Sissoco Embaló.

Isto levou Dmitri Medvedev, antigo Presidente russo, actual vice-presidente do Conselho de Segurança Nacional e forte aliado de Puti, a avisar que se algum drone ucraniano chegar a Moscovo durante as cerimónias do Dia da Vitória, Kiev deixa de existir no momento seguinte.

Washington-Pequim-Moscovo, o eixo que moverá o mundo

Com a altamente mediática presença em Moscovo, o Presidente da China está a dar um sinal claro de que a parceria estratégica com a Rússia, que Pequim considera "sólida como uma rocha", não sofrerá quaisquer perturbações independentemente da evolução das relações da Federação Russa com os Estados Unidos.

É que, apesar de pouco sonoras, desde que Donald Trump regressou à Casa Branca, a 20 de Janeiro, e encetou uma reaproximação a Moscovo, surgiram dúvidas sobre se o eixo Pequim-Moscovo poderia sofrer algum tipo de torção.

Isto, porque não é segredo que os EUA estão há largos anos, como alguns dos seus mais destacados líderes militares e civis já o assumiram, a preparar-se para um confronto decisivo com a China no contexto da disputa pela hegemonia global das duas maiores potências económicas.

E também não é segredo que em Washington a intelligentsia ao serviço da Casa Branca tem uma nítida percepção de que os EUA ainda são uma potência económica e militar superior à China, mas já não é assim se se considerar a junção de potenciais entre russos e chineses.

Ou seja, aliando os recursos naturais inesgotáveis, desde a produção alimentar ao petróleo e aos minerais estratégicos, e a já claramente demonstrada capacidade tecnológica no campo militar da Rússia, ao potencial produtivo e à sua população de 1,4 mil milhões, os EUA não têm como superar este gigantismo.

Alguns analistas, como Jacques Baud, antigo oficial de intelligentsia suíço com vários anos na NATO, um dos mais prolixos autores sobre o actual quadro geoestratégico, notam que a aproximação norte-americana a Moscovo tem como objectivo diluir a ligação China-Rússia.

Embora tanto Putin como Xi Jinping não se tenham, neste período, popado a palavras para enfatizar que a sua parceria é mesmo "sólida como uma rocha" e impenetrável a perturbações desenhadas no exterior, só agora parece claro que em Washington isso está a ser dado como certo.

Depois da guerra das tarifas (ver links em baixo) declarada por Trump à China, e o seu refluxo subsequente, a casa Branca está agora a enveredar por uma nova estratégia que é abrir caminho para negociações directas com Pequim.

Isso mesmo fica claro com o anúncio pela "América" de encontros negociais com a China que a CNN Internacional garante que foram desenhados para reduzir as tensões entre Washington e Pequim e elaborar um novo mapa global com o caminho definido para uma nova ordem mundial.

O primeiro encontro desta nova fase vai ter lugar na Suíça, e além das regras para o comércio bilateral, segundo vários analistas, os dois gigantes da economia mundial estão a começar a trilhar o caminho que conduzirá os EUA ao que russos e chineses á chama a nova ordem mundial baseada nas parcerias entre iguais e na cooperação, para a qual tanto Putin como Jinping dizem que os EUA são esperados de braços abertos.

Com esta evolução do relógio da geoestratégia global, o que é já evidente para alguns analistas, como o major-general Agostinho Costa, é que a Europa ocidental, a União Europeia, está cada vez mais arredada e secundarizada pela nova realidade mundial em construção.