Finalmente, um tema que fala directamente à alma angolana. Porque se há um povo que compreende, na pele e no nervosismo, a dramática relação com o "espaço", somos nós. Enquanto a NASA e a Roscosmos planeiam colocar seres humanos em Marte, o cidadão comum de Luanda trava uma batalha épica diária por centímetros de espaço. Comecemos pela odisseia do espaço viário. Tentar atravessar a cidade nas horas de ponta é uma experiência que merecia ser estudada pela Agência Espacial Europeia.

O nosso "trânsito" é um buraco negro que engole tempo, combustível e a pouca sanidade que nos resta. Os astronautas da Apollo 11 levaram três dias para chegar à Lua. Por aqui, numa Segunda-feira chuvosa são quase três horas para chegar ao Novo Aeroporto. Eles tinham um módulo de comando; nós temos um candongueiro com a porta a abrir com um arame e um engenheiro como cobrador. Eles tinham equações complexas; nós temos a fé e um conhecimento quase místico de todos os becos alternativos da cidade.
Mas a crise do espaço não fica pelas estradas. Construir uma casa é uma missão que exige mais recursos do que lançar um satélite. O cidadão precisa de um espaço para chamar de seu, mas esbarra num universo burocrático de licenças, terrenos com donos invisíveis e o "espaço" no orçamento que desaparece mais rápido que um cometa.

E o espaço na saúde? Um familiar doente e eis-nos transformados em engenheiros espaciais, a tentar criar espaço onde não existe. Um hospital público à hora de almoço é a imagem mais fiel de uma nave superlotada num filme de ficção científica. Os corredores são os nossos corredores espaciais, com doentes a flutuar à espera de um lugar. Uma maca vazia é um evento mais raro que um eclipse solar.
Na educação, a falta de espaço atinge níveis cósmicos. Salas de aula com alunos aos magotes, a disputarem espaço para apoiar um caderno. A verdadeira missão não é colocar um homem no espaço, é colocar uma criança numa escola com espaço para sentar e aprender.
E não nos esqueçamos do espaço social. Aquele espaço para sonhar, para respirar, para não ser importunado por um vendedor de cartões de saldo ou por um primo distante a pedir "um espaço" na nossa conta bancária para fazer as trafulhices que a digitalização permite. Esse é o espaço final, a fronteira definitiva.

Enquanto os cientistas falam em colonizar outros planetas, nós, angolanos, somos os verdadeiros pioneiros da sobrevivência em ambientes hostis e superpovoados. Dominamos a arte de viver em espaços minúsculos (até estamos a exportar esta arte para a Europa) e de negociar milímetros no trânsito.
Será uma celebração mista. Vamos observar as estrelas de noite, e de dia as constelações de buracos à nossa frente na estrada. Vamos sonhar com foguetões, e também com um autocarro que tenha espaço para entrar. A nossa missão espacial é aqui, no asfalto quente de Luanda. É um pequeno passo para o Homem, mas um salto gigantesco para o angolano que conseguir estacionar na baixa de Luanda.