Dada a matéria, penso ser interessante deixar aqui a minha observação sobre ela. Naturalmente que o texto final é, não só muito maior, como também é um ensaio que irá ser, em breve, publicado como Livro de Actas do Congresso.

Fica, então, aqui o resumo:

Se a Política vem do grego "polis" - cidade-estado - e que visa a "conquista, posse e exercício do poder" (Rogeiro, 1993: 19-25), tendo em conta a "arte de [bem] governar" e que a Justiça, segundo Ulpianus, é "constans et perpetua vuluntas ius suum quique tribuere (ou seja, vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu ou lhe é devido)" (Ferro, 2021: 21), coloca-se a questão de se a Política e o Justiça (ou Direito) podem coexistir sem que se interfiram? E qual será o papel da Cidadania no seio e no meio deste combinado em, por vezes, combate titânico pela prevalência?

O que difere a Política da Justiça e como podem - deveriam - coexistir em função de um Estado de Direito isento, equitativo e equilibrado?

Não esquecendo que não há Cidadania sem direitos sociais e que estes são obtidos através de política justas e que para as obter é necessário haver um Estado de Direito justo e estável, é aqui que os Cidadãos podem intervir procurando compreender como poderá ajudar a gerar esse equilíbrio através da sua conexão activa, constante e, sempre que possível, devidamente equilibrada para que a Justiça prevaleça dentro dos critérios que norteiam a Política: ou seja, para que haja uma Democracia participativa e estável, uma "Res publica" equilibrada.

Em Angola, a Cidadania vem mostrando, afincadamente, estar cada vez mais activa e participativa nas questões políticas e na busca da justiça comunitária. Terá capacidade para isso? É o que tentará mostrar e, caso disso, demonstrar qual a sua capacidade.

E foi isto que se procurou fazer, alertando para situações de cidadãos que intervêm na sociedade, quer através de actos isolados, ora não referenciáveis, quer através de actividades de cidadania participativa, como, por exemplo, a criação de bibliotecas escolares, hospitalares e outras, cujo mento é o jornalista Rui Filipe Ramos, ou a criação de algumas bibliotecas comunitárias, levadas a efeito pela jurista e escritora Sandra Poulson (nas províncias de Benguela, Kwanza-Sul, Icolo e Bengo, Lubango, Lunda-Sul e Malanje), e que, para além das bibliotecas, faz mostras da sua forte participação na sociedade através das leituras itinerantes que, com amigos, faz por via dos encontros literários semanais reconhecidos por "Roda de Leitura" do projecto literário-social "Kutanga ya henda", ou a criação da Escola de Música Camunga , criada pelo Maestro Malamba Camunga e direccionada para crianças carenciadas e de onde sobressai a "Orquestra Sinfónica Juvenil Camunga da Samba".

Mas a participação maior da comunidade, aquela em que a Cidadania participativa se faz sentir, é pelas ONG, como - e só uns exemplos - a ADRA ou Associação para o Desenvolvimento Rural e Ambiente ADRA-Angola; Associação "Mãos Livres"; Associação Justiça, Paz e Democracia - AJPD; ou a Associação para o Bem de Angola ou Associação PRO BONO ANGOLA (essas iminentemente jurídicas); a Mosaiko, Instituto para a Cidadania (essencialmente visa a protecção social e da Cidadania); ou as ambientais EcoAngola; "Projecto Otchiva" ou Otchiva Protecção e Restauração dos Mangais; ou o Projecto Kitabanga - Estudo e Conservação de Tartarugas Marinhas em Angola (sobre o qual o Novo Jornal fez, recentemente, uma excelente reportagem).

Mas a Cidadania não se fica só por estes actos. Há eventos políticos que são mostras de Cidadania, em que os Cidadãos mostram - e nos últimos tempos, de forma muito activa - o seu carácter participativo: naturalmente que abordo os eventos políticos.

Só que aqui, e como demonstrei na minha apresentação, a Cidadania participativa nem sempre é bem vista e, muitos menos, bem acolhida, em grande parte devido a conflitos e, simultaneamente, "coligações" entre Política e Justiça angolanas, podendo, algumas vezes, a Cidadania, em geral, e a Cidadania participativa, em particular, sujeitas a situações muito coercivas, pondo em causa a obrigatoriedade de, num Estado de Direito, a Política e a Justiça devem acatar e respeitar as normas constitucionais.

Talvez se devesse fazer um Seminário sobre isto, patrocinado pelo Tribunal Constitucional, explicando quais os limites de cada um dos players...

No geral, não tenho qualquer dúvida de que há uma efectiva participação do Cidadão Angolano na vida política, social e jurídica do País. Mas...

Curta referência bibliográfica

Ferro, J. M. (2021). Introdução à Filosofia e Epistemologia do Direito. Luanda; Editora FD-Iuris, Novembro de 2021.

Rogeiro, N. (1993). O que é Política. Lisboa; Difusão Cultural, Lda., Novembro de 1993. Lisboa; Difusão Cultiral, Novembro de 1993.

*Investigador Integrado do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (CEI-IUL) e Investigador-Associado do CINAMIL e Pós-Doutorado da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto**

** Todos os textos por mim escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou agregado