Esta declaração, nada surpreendente, de João Lourenço está nas antípodas da Luta do movimento mundial pelos Direitos Humanos das Mulheres, pela Igualdade de Género, consubstanciada no quinto ODM (Objectivo de Desenvolvimento do Milénio) das Nações Unidas.

O referido ODM visa, entre outros, "garantir a participação plena e efectiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, económica e pública e acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e raparigas, em toda a parte".

Parece que a liderança de Angola não está de acordo com tais objectivos e que se prepara para, prontamente, denunciá-los. É que, na fala do líder angolano, a nomeação de mulheres é tida não como um direito, uma conquista da sociedade, mas, sim, como a caridadezinha do Chefe, como o pai que diz ao filho "se te portares bem, tu e o teu irmão podeis merecer um presente".

Estas declarações, vistas em três eixos de análise, remetem-nos para o discurso misógino. A uniformização, despersonalização das mulheres, quando faz depender a nomeação de outras do desempenho de umas (se uma é incompetente, todas são), a menorização da mulher de cuja nomeação, ao invés de surgir da necessidade de estabelecer uma sociedade mais justa, onde ninguém pode ser discriminada pelo seu sexo, como defende a Constituição Angolana que João Lourenço jurou cumprir e fazer cumprir, aparece como dádiva, esmola. O terceiro pressuposto sexista do discurso é a coisificação, anulação das mulheres de cuja nomeação depende de outras "trabalharem bem", diferentemente dos homens que são nomeados, independentemente de trabalharem mal e/ou muito mal, como é fácil de comprovar pelo estado de miséria em que vivem as populações angolanas.

A incongruência é ainda maior quando tais palavras são proferidas pelo líder de um partido que se apresenta com a capa da social-democracia, família política que, a nível mundial, está na vanguarda dos progressos da luta pela defesa dos Direitos Humanos das Mulheres e tem inscrita, na sua matriz, a Igualdade entre homens e mulheres em todas as esferas da vida em sociedade.

Só pode ser irónico ouvir tais declarações de um presidente de um pais africano, em pleno século XXI, no ano 2020, que marca o fim da Década das Mulheres Africanas (2010-2020) sobre Igualdade de Género e Empoderamento das Mulheres e o início da Década da Inclusão Financeira e Económica das Mulheres Africanas (2020-2030).

Apesar de, com estas décadas a UA mostrar que está em sintonia com o movimento mundial, há em África países que insistem em "remar contra a maré". E as declarações de João Lourenço vão neste sentido.

Se para alguns Chefes de Estados africanos os Direitos das Mulheres têm de ser enfrentados pela sociedade no seu conjunto, porque são Direitos Humanos, outros fazem deles arma de chantagem política e de discriminação das mulheres.

Quando decretou a sua primeira Década das Mulheres Africanas, a UA traçou recomendações claras, para que os Estados-Membros e os parceiros de desenvolvimento acelerassem a aplicação da Igualdade de Género e o acesso das mulheres aos lugares de tomada de decisão.

E o que faz Angola, como Estado-Membro da UA, que ambiciona ser potência regional?

No que toca ao número de mulheres em lugares de liderança política, o cenário angolano actual regrediu em relação ao período 2012/2017.

A nível da Assembleia Nacional, o Parlamento, dos 220 deputados, apenas 59 são mulheres, ou seja, a representatividade feminina baixou 10 pontos percentuais, de 36,8% para 26,8%.

Mesmo tendo aumentado o número de mulheres na chefia de departamentos governativos, passando de 26 para 33 por cento e com a percentagem de governadoras, que é agora 22%, a situação está ainda muito longe da paridade 50/50 da Agenda 2030 da ONU.

Será que a evidente sub-representação da mulher no Conselho da República, órgão político de consulta do PR, também obedece à lógica "portem-se bem e depois veremos"? Começou com apenas uma mulher em 2017, equivalente a cinco por cento, e vai crescendo a cada remodelação.

No ranking africano dos parlamentos de 53 países, Angola ocupa o nada honroso 16.º lugar, numa lista liderada pelo Rwanda, com os seus 67,5% de mulheres (a maior taxa de mulheres parlamentares do mundo) e onde a África do Sul, Namíbia e Moçambique, três países da mesma região Austral, ocupam a segunda, terceira e quarta posições, com 44,8, 44,3 e 42 por cento, respectivamente.

A leitura destes números aponta para a conclusão óbvia: Angola está muito aquém do que era expectável, das directivas da SADC (que defende 50%) e das recomendações da ONU em matéria de mulheres nos lugares de tomada de decisão, um passo determinante para a Igualdade de Género.

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