Para contrapor a situação, o Governo de Cabinda, província onde mais jorra petróleo em Angola (mais de 700 mil barris/ dia), virou a sua atenção para a massificação do sector agrícola.

O concorrido restaurante Cachupa, no centro da cidade, em Cabinda está superlotado de gente. Aqui, entre os presentes, a conversa gira à volta da queda do petróleo no mercado internacional que afecta as economias dos países que só dependem do ouro negro.

O Novo Jornal está diante de uma população muito acolhedora, carismática e plena de simpatia. Desde que o cenário mudou (a drástica baixa do petróleo) no enclave, a atenção das autoridades locais virou-se para o sector agrícola e outros que podem ajudar à recuperação da economia. "As soluções e a aprendizagem surgem nos momentos críticos, quando o ser humano se vê diante de problemas. É neste momento que, adoptando uma postura pró-activa, surgirão novos caminhos", explica o agrónomo Hermelindo Puna sentado numa das mesas do restaurante. Ele não tem dúvidas ao sugerir que, com a queda do petróleo, a diversificação da economia no País deve ser baseada na agricultura, através da concessão aos empresários de créditos e financiamentos com taxa de juros baixos.

"Não há motivos para tanta celeuma. Deus despejou quase todas as riquezas em Angola. Aqui em Cabinda, já não se fala", vai dizendo, tranquilamente o agrónomo, que espera do Governo medidas concretas de estímulo para que a agricultura volte a ter o peso na economia angolana que já teve no passado. A conversa do agrónomo é retomada pelo funcionário público Amadeu Tabi, também presente no restaurante. Para ele, os programas que se gizaram para a diversificação de economia têm de ser apoiados com financiamentos plausíveis para que possam ser executados.

Além dos financiamentos, acrescenta, "tem de haver uma fiscalização rigorosa e um acompanhamento necessário. Só assim é que se pode diversificar a economia". Desde que surgiu no vocabulário político e social a expressão "diversificação da economia", o movimento é incessante no interior da província, com a ocupação de parcelas de terra para a prática agrícola. É o caso de Brandão Macaia, que trabalha numa empresa petrolífera em Malongo.

Também na chefia da sua empresa, a conversa diária assenta na crise e os custos da exploração do petróleo. Segundo este funcionário, a queda do preço do petróleo está a obrigar todas as empresas do sector a fazerem uma "revisão" dos seus negócios. "Estamos preocupados. Se o petróleo não subir, vai haver muito despedimento", disse, alarmado. Como medida de prevenção, Brandão Macaia já adquiriu três hectares de terra na sua zona natal, no município de Cacongo, onde está a produzir mandioqueiras, bananeiras (…) e horticulturas.

"A situação inspira cuidados. Os pequenos rendimentos que tenho vou aplicá-los na agricultura", acrescentou. O reformado Pedro Cabeia entende que a agricultura, como outros sectores produtivos, desempenha um papel fundamental na diversificação da economia, constituindo um grande gerador de emprego.

"Os habitantes do meu município, o Belize, estão mobilizados para o sector agrícola neste momento que o País precisa diversificar a economia", disse. Para este reformado, a agricultura em Angola caracteriza-se por produções agrícolas de valores muito baixos e o País gasta elevados recursos financeiros na importação de alimentos.

"Basta uma atenção especial do Executivo ao sector agrícola para resolvermos o problema da impor tação que tenha a ver com produtos agrícolas", alertou. Raúl Mavemba, economista, não tem dúvidas ao afirmar que, a economia angolana, praticamente dependente do petróleo, precisa de diversificação.

"E a aposta na agricultura parece ser uma solução reconhecida pelo Governo de Cabinda" explica. Segundo o economista, adstrito ao Programa de Desenvolvimento Rural, lançado pelo Governo angolano depois do fim do conflito armado, o citado programa tem estimulado o regresso à terra e criado oportunidades de negócio para muitas famílias que praticavam uma agricultura de subsistência.

"Angola depende essencialmente da produção petrolífera. Mas é previsível que os sectores agrícola e pecuário venham a ocupar um lugar de relevo na economia angolana, gerando riqueza e emprego", considerou. Nesta perspectiva, afirmou que "o apoio é fundamentalmente no domínio da assistência técnica, transmitindo aos camponeses aquilo que são as boas práticas da agricultura".

Cabinda não é só petróleo

As metas estabelecidas no Plano de Desenvolvimento da Província de Cabinda 2013/ 2017 para o sector da Agricultura já foram cumpridas em 65 por cento, segundo as autoridades locais. Das metas estabelecidas, destacam- se o aumento, até 2017, em 50 por cento do volume de produção de bens agrícolas de primeira necessidade, como raízes e tubérculos, cereais, hortofrutícolas, leguminosas e oleaginosas, além da diminuição em 15 por cento da importação de carne bovina e 25 por cento de aves de consumo e ovos.

No total, prevê-se até 2017 atingir uma produção de 726.550 toneladas de produtos diversos. Em 2013 a produção foi de 484.367 toneladas, enquanto no ano passado esteve fixada em 444.959. A previsão para 2015 aponta uma produção de 556.027 toneladas, indicadores demonstrativos de que as metas preconizadas serão atingidas até 2017.

O sector da Agricultura está empenhado na proliferação da cultura de feijão vulgar nas comunidades rurais, sobretudo no Alto Sundi, Dinge, Necuto e a sul da cidade de Cabinda, para se inverter o défice que a província regista relativamente a esse produto. Cabinda produz mandioca e banana em quantidades consideradas auto-suficientes e até para exportar, mas o feijão, uma das componentes da dieta alimentar das populações locais, regista ainda uma fraca produção.

Para a campanha agrícola 2014/2015 estão envolvidas 36.586 famílias a nível dos quatro municípios da província, das quais 23.236 no município de Cabinda (sede). A estrutura produtiva conta ainda com o empresariado emergente, associações e cooperativas agrícolas, assim como o sector pesqueiro. O Plano prevê para a presente campanha agrícola a preparação mecanizada de 900 hectares, dos quais 467,5 estavam já lavrados até 30 de Março último, correspondentes a um grau de cumprimento na ordem dos 51,8 por cento.

Saúde e Educação, os grandes desafios

Os recursos financeiros no âmbito do Programa de Combate à Fome e a Pobreza que são aprovados beneficiam, todos os municípios, comunas e aldeias da província. Segundo a governadora provincial de Cabinda, Aldina da Lomba, devido à situação financeira que o País está a viver, o enclave está a executar um orçamento de Kz 1.566.666.777.00, o que representa um decréscimo em cerca de 33%, quando comparado com o ano de 2014.

"No Programa Água Para Todos construímos pequenos sistemas de água que beneficiam mais de 16.374 habitantes e chafarizes para 72.911 habitantes", informou, salientando que foram erguidas residências para administradores, balcões único do Empreendedor e adquiridos meios informáticos e rolantes para as unidades administrativas.

No que diz respeito ao acesso ao ensino, revelou que foram edificadas e reabilitadas escolas que beneficiaram mais de 8.418 crianças, além de residências para professores num total de 16, durante o ano de 2014.

"Reabilitámos postos de saúde que atendem 11.385 habitantes, construímos residências para enfermeiros e médicos que alojam 22 profissionais" precisou. No que diz respeito ao sector da energia, a governadora informou que a província possui 30 sistemas eléctricos isolados, cinco centrais térmicas. "A nossa província tem uma capacidade instalada de 147,7 Mw e a potência disponível é de 108,9 MW. Esta produção ainda é insuficiente dado o crescimento demográfico", reconheceu.

Informou que o Plano Director da Electrificação de Cabinda até 2017 prevê atingir 335 MW de potência instalada e para atingir este objectivo, está prevista a montagem de duas turbinas na central térmica de Malembo, e o recurso à utilização do gás das turbinas para a referida central. A cobertura e a aproximação dos serviços de saúde às populações e o aumento das campanhas de vacinação permitiram melhorar os índices de longevidade dos cidadãos, tendo a esperança de vida aumentado dos 47 para cerca de 55 anos de idade. A governadora informou que, entre enfermeiros, médicos e pessoal administrativo, Cabinda controla 2.121 pessoas.

"A província registou um crescimento considerável, quer em infra-estrutras de ensino, quer da população estudantil, bem como da própria diversificação dos níveis de ensino", precisou. Segundo a governante, "a província possui actualmente 282 escolas primárias, perfazendo um total de 1.620 salas de aulas. Estamos a falar numa percentagem na ordem dos 110%".

Ainda na educação, no ensino médio saímos de dois institutos para nove nos dias de hoje, incluindo os politécnicos, tendo-se registado um crescimento da população estudantil de 93.976 para 178.549 alunos, alcançando uma percentagem de 90%. "Observámos o aumento do número de profissionais contando agora o sector da educação com cerca de 4.964 professores", esclareceu.

Quanto ao ensino superior, a província conta com as Universidades pública, a 11 de Novembro, a Universidade Privada de Angola e o Instituto Superior Politécnico de Cabinda. A título de exemplo, "só a Universidade 11 de Novembro formou, de 2009 a 2014, 1.742 quadros em diferentes especialidades, entre eles 85 médicos", concluiu.

Livre circulação e o apoio social

As autoridades da província de Cabinda conseguiram nos últimos tempos reabilitar e construir cerca de 80% da rede viária que compõe o enclave, com destaque para as estradas do Yema ao Miconje, de Massabi ao Zenze do Lucula, num total de 550 quilómetros.

O Novo Jornal apurou que as obras executadas pelo Governo estão inseridas no Programa de Investimentos Públicos (PIP). Em 2015 foi aprovado um PIP inicial, que foi revisto alguns meses depois, em função do contexto real da nossa economia. As obras contempladas no PIP revisto têm sido pagas nas condições em que o Ministério das Finanças disponibiliza as verbas para todo o País. Enquanto isso, o Governo de Cabinda prestou auxílio e a assistência a vários compatriotas que se encontravam refugiados nos países vizinhos, a mais de 3.060 famílias, muitas delas já reassentadas nas respectivas áreas de origem.

Na vertente da assistência às famílias destaca-se igualmente ao apoio alimentar que é dado a cerca de 12.513 idosos com cestas básicas alimentares. Segundo dados do governo da província foram assistidas 7.154 pessoas portadoras de deficiência e 973 crianças. No quadro do cumprimento dos 11 compromissos assumidos pelo Governo e a sociedade para com a criança, foram construídas instituições infantis, como creches e centros infantis que albergam hoje cerca de 3.444 crianças.

Sector das águas

O executivo do enclave construiu no ano passado 70 sistemas de água potável, com uma produção média de 10.700 m3/dia. Com a ampliação e optimização da ETA2, a província terá uma produção média de 32.700 m3/dia.

Em cumprimento do Plano Nacional de desenvolvimento até 2017, Cabinda vai atingir a meta de 100% de cobertura nas zonas urbanas e 80% nas zonas rurais. Para atingir as metas nas zonas urbanas, o Ministério de Energia e Águas vai implementar até 2017 a construção de sistemas de água nas sedes municipais, cujos trabalhos estão previstos arrancar ainda este ano.

Ainda no sector das águas, foi criada em Junho deste ano, a Comissão Instaladora da Empresa provincial de Águas de Cabinda (EPAC) que já cadastrou mais de 3.500 consumidores e, está a cuidar da manutenção e operação dos sistemas de água da província.

Detenções criam mau ambiente no enclave

Em Cabinda os partidos políticos da oposição (UNITA, CASA-CE, FNLA e PRS) denunciam a ocorrência de novos casos de violação dos direitos humanos cometidos por militares das forças armadas angolanas.

A oposição fala de raptos, assassinatos nos países vizinhos de activistas independentistas, a violação de mulheres e proibições no acesso as lavras. "Os militares não respeitam os civis em Cabinda", disse ao Novo Jornal o activista cívico Domingos Macaia, que aguarda uma intervenção do Governo angolano para por cobro a situação. "Somos uma terra que produz petróleo, o que não se reflecte na vida das populações", acrescentou.

Segundo Macaia, após 13 anos do fim da guerra civil, Angola comemora progressos económicos, principalmente graças ao petróleo, mas lamenta a precariedade da distribuição de riqueza e a miséria, já que 68% da população vive abaixo do limite da pobreza. Fogo cruzado Arão Tempo saiu da prisão mas José Marcos Mavungo foi condenado a seis anos de prisão efectiva. No dia em que foram detidos, estava prevista uma marcha de protesto contra a alegada má governação de Cabinda e violação dos direitos humanos - que acabou por não se realizar -, na organização da qual estavam envolvidos. O advogado de Marcos Mavungo, Francisco Luenda lamentou que, "o juiz, mesmo não tendo respondido aos quesitos, não admitiu quesitos adicionais".

"Vamos recorrer da decisão pra o Tribunal Supremo", disse o advogado. Um outro advogado, Luís do Nascimento sublinhou que "desde 2010 que em Cabinda se dão este tipo de casos". Para o advogado, as sentenças quer no Tribunal Supremo, quer no Tribunal Constitucional são anuladas.

"A condenação de José Mavungo a seis anos de prisão deve ser enquadrada no clima de repressão e supressão de dissidentes em Angola", disse segunda-feira, 14, a directora da secção portuguesa da Amnistia Internacional. "Atendendo ao ambiente altamente repressivo e de supressão de vozes dissidentes em Angola, na verdade, a condenação, não é uma surpresa", disse Teresa Pina, directora da secção portuguesa da Amnistia Internacional (AI).

"A Amnistia Internacional sempre se bateu pela libertação imediata e incondicional de Mavungo precisamente por entender que se trata de um prisioneiro de consciência, ou seja: que foi detido apenas por tentar exercer de forma pacifica o seu direito à liberdade de expressão", acrescentou a responsável pela organização não-governamental. A eurodeputada do Bloco de Esquerda, Marisa Matias, disse à Lusa que a condenação de José Marcos Mavungo confirma o autoritarismo do regime angolano, acrescentando que vai continuar a denunciar os abusos contra os direitos humanos em Angola.

A condenação do activista José Marcos Mavungo a seis anos de prisão efectiva, deve ser enquadrada no clima de repressão e supressão de dissidentes em Angola, consideraram analistas políticos, logo depois de conhecer a sentença proferida pelo Tribunal Provincial de Cabinda. No enclave angolano, as reacções dos activistas e das organizações não governamentais (ONG) também não se fizeram esperar. Acusam os juízes de cumprirem "ordens superiores".

O padre Casimiro Congo, considerou a condenação de "falta de pudor por parte do regime de Luanda e de uma clara perseguição aos activistas que reivindicam a independência de Cabinda do território angolano."

Para o Padre Congo, condenar uma pessoa a seis anos de prisão efectiva sem nunca ter realizado a manifestação "é pura e simplesmente qualquer coisa de surreal. "Na sala do tribunal olhei para o juiz e não tive vontade de me revoltar contra aquele senhor que representava todo o poderio colonial e de repressão. E pensei, afinal ele deve ser tão vítima do sistema como eu". Segundo Casimiro Congo, os últimos acontecimentos relativos à violação dos direitos humanos e perseguições políticas são reveladores de que nos próximos tempos Angola poderá assistir a uma violência política sem precedentes.

Adolfina Mavungo, esposa do activista de Cabinda Marcos Mavungo, fez um apelo emocionado ás autoridades para libertarem o seu marido. "Para o Governo de Angola ou qualquer outra autoridade do estado, por favor quero justiça, no dia 14 (de Março) o meu marido saiu para rezar e não para marchar, por isso estou a pedir que libertem meu marido", disse.

Quando foi detido, recordou Adolfina, ele "só tinha no carro um terço, uma Bíblia e o documento de meditação, não tinha mais nada". "Os filhos sempre reclamam e perguntam-me: Mamã, quando é que o pai vai voltar para casa? O pai (Mavungo) não fez nada, as crianças estão doentes", disse. Reagindo a essas acusações, a governadora de Cabinda disse que a justiça fez o seu trabalho e não houve interferência política.

"Estamos fartos de ouvir essas acusações, mas temos a cabeça tranquila de que as coisas não estão mal assim como as pessoas pensam", concluiu a governadora.

O último ataque foi à selecção do Togo

A situação política e militar na província de Cabinda é "calma e estabilizada", segundo uma fonte do comando militar da região de Cabinda. O único ataque de grande relevou aconteceu a 8 de Janeiro de 2010, quando rebeldes separatistas da FLEC atacaram a selecção do Togo que veio participar no Campeonato Africano de Futebol (CAN), que Angola organizou no mesmo ano. Do ataque resultaram três mortos e nove feridos.

"De lá para cá, nunca mais houve uma situação do género na província de Cabinda", acrescentou a mesma fonte. "A livre circulação de pessoas e bens na província é uma realidade. As armas de guerra já se calaram, já não temos medo de emboscadas nas estradas" orgulha-se a governadora de Cabinda.