No encontro entre João Lourenço e Félix Tshisekedi, que teve lugar no Domingo, em Luanda, o tema da conversa foi a questão da insegurança no Leste da RDC pautada pela acção continuada dos rebeldes do M23, apoiados pelo Ruanda, que parecem não temer a reacção dos EUA face às persistentes violações do acordado entre RDC e Ruanda.

E a última situação de clara violação do acordo que o Presidente norte-americano colocou no topo da sua longa lista de "guerras" que acabaram sob a sua mediação foi o avanço do M23 para a cidade de Uvira, que se situa a sul do Kivu Sul e pode ameaçar a região mais sudeste da República Democrática do Congo, onde se situa o Katanga, possibilidade que Angola, pela proximidade geográfica, não pode ignorar.

Apesar de os rebeldes apoiados pelo Ruanda terem abandonado as suas posições em Uvira, deixaram claro que só não avançam para a estratégica região do Katanga, agora dividida em Alto Katanga e Lualaba, fundamental para a economia congolesa devido às gigantescas reservas de minérios estratégicos, com destaque para o cobre, cobalto, urânio e "terras raras", se não quiserem porque as Forças Armadas da RDC (FARDC) não têm como se lhes opor.

E é aqui que a reunião deste Domingo entre Lourenço e Tshisekedi assume especial relevância, porque ao ameaçar avançar para sul, o M23 passa a ser uma ameaça para as fronteiras de Angola, o que Luanda não pode ignorar, e não está seguramente a ignorar, até porque isso mesmo transparece da nota da Presidência angolana sobre esse momento, publicada no Domingo, 14.

"A República Democrática do Congo e o Ruanda assinaram na passada semana em Washington um Acordo de Paz, na presença do Presidente dos Estados Unidos da América e de alguns líderes africanos, de entre eles o Presidente em exercício da União Africana. A situação no terreno, do ponto de vista militar, não melhorou apesar do acordo concluído na capital federal norte-americana", aponta a nota.

Subjacente a este apontamento, que não revela qualquer pormenor do diálogo entre os dois Presidentes, Tshisekedi e Lourenço, está o facto de o Chefe de Estado angolano ter sido até ao final do ano passado um dos protagonistas dos esforços de paz no leste congolês.

Recorde-se que João Lourenço abandonou esse processo e empenho após o encontro inesperado entre Felix Tshisekedi e o ruandês Paul Kagame, no Catar, no momento em que os EUA assumiram as rédeas das negociações, o que foi um gesto visto em Luanda como pouco simpático do ponto de vista diplomático, especialmente da parte congolesa, até porque Luanda era até aí o palco central das negociações.

Após esse encontro no Catar, o M23 e as FARDC mantiveram por alguns meses as armas em baixo, mas, logo a seguir surgiram repetidas brechas no acordado, especialmente com avanços robustos dos rebeldes para novas localidades, notoriamente interessantes do ponto de vista da existência de recursos minerais estratégicos.

Esta questão dos recursos é notoriamente relevante neste contexto, visto que toda a geografia que abrange os Kivu Norte e Sul, descaindo apar sudeste, seja a Zâmbia, o Katanga, seja a região angolana concomitante, como o demonstrou o Plano Nacional de Geologia (Planageo).

O Planageo, como ficou claro nas escassas ocasiões em que este foi apresentado publicamente, embora não esteja ainda oficialmente concluído, pôs a descoberto que a famosa "copperbelt", ou "Faixa de Cobre" da Zâmbia e do Katanga, se prolonga para território angolano ao longo de entre 80 mil e 100 mil kms2, incluindo os restantes minerais estratégicos.

E, sendo agora certo que as principais áreas de interesse mineiro nas províncias dos Kivu Norte e Sul estão agora nas mãos do M23, o que é o mesmo que dizer, do Ruanda, a possibilidade de um avanço sobre os antigos territórios do Katanga é visto por alguns analistas como sério e perigoso.

Um desses analistas é Christian Moleka Kibamgu, um cientista político ouvido pelo AfrticaNeews, que defende que "a seguir a Uvira, o M23 tem pela frente três opções" sendo que uma delas é "seguir para sul em direcção ao Katanga", sendo que esse é a opção mais provável.

E a razão é a importância estratégica do Katanga para Kinshasa, como nota Christian Moleka Kibamgu: "É uma fortaleza económica para Kinshasa e pode ser o mesmo para a rebelião se for tomada", sendo que existe a possibilidade de o M23 "conseguir ter ali algum apoio político devido às hostilidades dos líderes locais para com Kinshasa" o que pode fazer desta região um "poderoso aliado" dos rebeldes e, concomitantemente, do Ruanda.

E o facto de o M23 ter já retirado, como anunciaram esta terça-feira, 16, de Uvira, início de um corredor para sul, para a antiga região do Katanga, isso não quer dizer muito, porque sabem agora das facilidades existentes para um avanço dessa natureza, tendo justificado a retirada como uma manifestação de boa fé para com o acordo de paz assinado.

E o Governo de Tshisekedi sabe que se o M23 optar por avançar para sul, pouco ou nada pode fazer devido à capacidade superior dos rebeldes, tanto militar como logística ao contar com o apoio do Ruanda, muito melhor equipados que as FARDC e melhor organizados.

Recorde-se que vários estudos internacionais demonstram o apoio de Kigali aos rebeldes, nomeadamente da ONU, e há comprovada actividade extractiva de recursos estratégicos na RDC pelo Ruanda, especialmente o coltão (ver links em baixo), um dos mais relevantes minérios para as indústrias 2.0 ocidentais.

Face aos repetidos episódios de brechas no acordo, a visita de Félix Tshisekedi representa, segundo alguns analistas, uma tentativa de Kinshasa recuperar o papel de Angola na busca de uma solução, mas, ainda mais relevantes, de uma protecão mais musculada para os interesses da RDC.

Isso mesmo é referido nos media congoleses, como a Radio Okapi, criada pela ONU no âmbito da MONUSCO, a sua missão na RDC, que cita "diversas fontes" para sustentar que a deslocação a Luanda é uma tentativa de Kinshasa reavivar o Processo de Luanda, ao mesmo tempo que Le Potenciel avança que visa obter o apoio de Luanda para conter as persistentes violações dos acordos pelo M23.