Apesar do contentamento registado entre os aliados europeus de Kiev, dos próprios ucranianos e até do Presidente dos EUA sobre os resultados das conversas em Berlim, com Donald Trump a dizer mesmo que "a guerra poderá acabar em breve", a verdade é que, se nada acontecer de extraordinário, é no campo de batalha que o braço-de-ferro continuará entre ucranianos e russos.

Isto, porque a posição russa, que nada mudou desde Julho de 2024, quando Vladimir Putin estabeleceu as balizas das condições do Kremlin para um acordo de paz, não parece ter sido considerada neste encontro na capital alemã, onde em destaque aparece a recusa liminar de Kiev para ceder a soberania dos territórios do leste da Ucrânia aos russos.

Presente na reunião, em alguns instantes, esteve o chanceler alemão Friedrich Merz, porque o encontro negocial entre americanos e ucranianos teve lugar em Berlim, que representou nesta ronda negocial o lado europeu, que se mantém igualmente irredutível nas condições que considera mínimas para Zelensky aceitar um acordo com Putin.

E essas são também bem conhecidas: manter a integridade territorial da Ucrânia, enviar uma força militar para o terreno sob a justificação de impedir novas agressões russas, dar garantias de segurança a Kiev com o apoio dos EUA semelhante ao Artº 5º da NATO (reagir militarmente de imediato face a um ataque externo) cedendo apenas na não adesão do país à NATO.

Ao início desta manhã de terça-feira, 16, dia a seguir à reunião de Berlim, que começou ainda no Domingo, o Kremlin não se tinha ainda pronunciado cabal e especificamente sobre o resultado desta reunião entre americanos e ucranianos, com a pressão alemã para Kiev não ceder a quase nada, mas pugnando pelo apoio de Washington para uma posição de força contra os russos.

Mas o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, numa entrevista a um media iraniano, aproveitou para dizer que os europeus têm apenas um objectivo, que é impedir que os EUA liderem o processo de paz com sucesso de forma a manter o conflito, esperando que Donald Trump passe para o seu lado no confronto com a Federação Russa.

"Os europeus e as suas posições agressivas são neste momento a maior ameaça à paz mundial e o Presidente Donald Trump está a tentar coloca-los no seu lugar" para permitir um espaço onde possam crescer as possibilidades de paz, sem mais delongas, até porque a posição de Moscovo é bem conhecida.

E passa, em síntese, por garantir o reconhecimento da sua soberania s obre as regiões anexadas em 2014 (Crimeia) e 2022 (Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporizhia), a neutralidade fora da NATO e a desmilitarização da Ucrânia, sem qualquer presença militar ocidental no país...

Perante este cenário, onde se pode sem grandes riscos dizer que as negociações de Berlim nada avançaram no essencial, fica a certeza de que a guerra vai ser o palco principal onde os beligerantes conseguirão ganhos nos seus objectivos ou perdas definitivas nas suas exigências.

Para já, os russos estão claramente em vantagem porque, apesar de avanços pouco expressivos, estão, nos últimos meses, a tomar algumas cidades estrategicamente relevantes, como Pokrovsk, em Donetsk, ou Kupiansk, em Kharkiv.

Embora, como vários analistas sublinham, enquanto no ocidente se valoriza mais as conquistas territoriais, o que permite dizer que a Rússia tem poucas conquistas, do lado de Moscovo a opção é a guerra de atrito que permite destruir o potencial militar da Ucrânia, tanto em equipamento como humano, retirando a Kiev capacidade para se reorganizar no futuro de forma a tentar recuperar os territórios agora perdidos.

Para contornar estas exigências de ambos os lados, o Presidente dos EUA, que tomou em mãos a mediação, com o acordo de Moscovo e Kiev, embora os norte-americanos sejam negociadores e parte no conflito ao serem, de longe, os maiores fornecedores de armas aos ucranianos nestes quase quatro anos de guerra, mesmo que menos agora no consulado de Trump, procura convencer Zelensky a ceder territórios por troca de garantias de segurança.

Para já não é isso que quer Volodymyr Zelensky, que aposta tudo em resistir até que os EUA mudem de ideias e se juntem a ele contra Putin, contando para isso com o apoio dos Europeus que apostam as fichas todas num cenário arriscado, que é usar os fundos congelados russos - mais de 250 mil milhões de euros - no sistema financeiro europeu para financiar Kiev de forma a manter a guerra até ao fim do mandato de Donald Trump na esperança de que o próximo Presidente dos EUA muda a agulha para o lado da Europa, como acontecia com a anterior Administração do democrata Joe Biden.

Até ver, o dinheiro russo congelado nos bancos e instituições financeiras europeias, como o Euroclear, com sede na Bélgica, e que é uma infra-estrutura financeira de custódia e administração de activos financeiros de todo o mundo cuja solidez e segurança atrai biliões de euros de dezenas de países, vai ser usado para apoiar Kiev contra a vontade de Moscovo que acusa os europeus de "roubo descarado" prometendo processar judicialmente os autores desse "abuso de confiança e crime financeiro".

Só que não é isso que Donald Trump quer e sem os EUA os países europeus que investem todo o seu poder diplomático e financeiro na continuidade da guerra pouco ou nada poderão fazer para impedir que Washington acabe por impor a sua força sobre Kiev no sentido de a Ucrânia aceitar a perda dos territórios do leste, "que já, claramente, perdeu de vez", oferecendo em troca garantias de segurança para o futuro envolvendo nelas os europeus directamente com apoio na retaguarda dos Estados Unidos.

Na reacção a estas declarações, o Presidente ucraniano parece estar convencido de que terá de ceder mais que a sua desistência de aderir à NATO, o que já garantiu várias vezes ao longo deste conflito, e já não é propriamente uma cedência, admitindo que alguns territórios terão de ser dados como perdidos, mas sem dizer quais.

"Já tivemos muitas discussões sobre a questão das cedências de territórios e, francamente, mantemos posições substancialmente diferentes comos EUA", apontou Zelensky, citado pelo britânico The Guardian.

Na proposta alinhavada em Berlim, o que terá, seguramente a total oposição de Moscovo, segundo os media ocidentais, ficou assente que Kiev vai manter um exército de 800 mil soldados, com os EUA a liderarem um programa de monitorização e vigilância de um cessar-fogo prevenindo qualquer situação de conflitualidade nascente, cabendo aos europeus assegurar legalmente um "compromisso de reposição da paz e segurança em caso de futuros ataques" ao mesmo tempo que Kiev terá um acesso acelerado à União Europeia.

Já se sabia, mas agora, em comunicado, vários países europeus liderados pelo Reino Unido, Alemanha e França, após estes desenvolvimentos em Berlim, voltaram a dizer que a Europa está pronta para erguer uma força militar multinacional para enviar para a Ucrânia num processo onde os EUA garantem um apoio efectivo.

Esta força teria ainda a missão de apoiar a formação e treino do futuro Exército ucraniano de 800 mil militares, além de darem cobertura efectiva de segurança nos céus da Ucrânia, tudo no âmbito de um novo pacote de garantias de segurança para Kiev que conta com o apoio da Casa Branca.

E que diz Moscovo a tudo isto? Pouco, para já. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, sublinhando que a posição da Federação Russa é bem conhecida e não hã alterações a essas condições para a paz, admitiu que a questão da NATO é relevante e deverá ser analisada, mas enfatizou que o Kremlin "aguarda pelas informações dos EUA sobre o encontro de Berlim" para poder reagir com propriedade.