A muito aguardada, e desejada em alguns meios da política europeia e norte-americana, contra-ofensiva ucraniana está a decorrer desde Domingo, mas os resultados não são, nem de perto nem de longe, os esperados, porque, como revelam os media norte-americanos, incluindo o New York Times, Washington Post e Político, a resposta russa foi esmagadora e as perdas do lado dos atacantes são muito significativas.

Face ao silêncio ucraniano sobre a contra-ofensiva, como prometido por um vídeo já famoso de soldados fortemente equipados e bem nutridos, onde estes levam o indicador aos lábios, prometendo manter a boca fechada, as informações sobre os resultados do avanço das brigadas ucranianas sobre as linhas defensivas russas estão a ser "apenas" fornecidas pelo lado russo e por fontes anónimas citadas pelos jornais, tv"s e sites norte-americanos.

E esses resultados não são animadores para os mais fervorosos apoiantes desta contra-ofensiva, chegando mesmo a exigi-la, como foi o caso do secretário-geral da NATO; Jens Stoltenberg, que veio a público dizer ser difícil perceber o atraso no seu lançamento porquanto Kiev já tinha recebido todo o armamento que tinha pedido, além da chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que vem defendendo uma "derrota total" de Moscovo neste conflito.

Segundo o Ministério da Defesa russo, cujos dados são corroborados pelos media ocidentais, sem qualquer pronunciamento ucraniano oficial, nestes dias já foram destruídos dezenas de carros de combate, incluindo Leopard alemães, blindados de transporte de tropas e peças de artilharia móvel, além de mais de 1.000 soldados mortos.

E, perante este cenário, que nos media norte-americanos, incluindo aqueles que são reconhecidamente as correias de transmissão da Casa Branca e dos serviços de inteligência, o NYT e o Washington Post, apontam como estando a gerar saturação em Washington, a que o Politico se refere como um cenário em que os decisores norte-americanos já definiram como limite para a continuidade do apoio volumoso, pelo menos, o sucesso claro da contra-ofensiva.

E sucesso não parece ser palavra que se possa aplicar as estes já quase seis dias de combates enquadrados nessa contra-ofensiva, a ponto de o ministro da Defesa ucraniano, no seguimento das notícias da saturação norte-americana, ter vindo admitir publicamente que Kiev pode estar disponível para negociações com Moscovo se o Kremlin mudar as suas condições iniciais.

Estas palavras de Oleksii Reznikov, que surgem em sentido contrário incandescente às posições assumidas anteriormente, segundo o analista militar major general Agostinho Costa, "demonstram que alguma coisa está a mudar" e isso, o que está a mudar, pode ser já consequência do falhanço, pelo menos nesta fase inicial, da contra-ofensiva ucraniana.

Agostinho Costa, no seu espaço na CNN Portugal, defende que a ofensiva já está efectivamente no terreno mas não se pode esperar ver algo parecido ao que sucedeu, por exemplo, na II Guerra Mundial, com centenas de tanques em frente uns aos ouros a combaterem, milhares de soldados em assaltos brutais às trincheiras do adversário...

"Hoje o desenho operacional das ofensivas é feito de outra forma, com melhor coordenação, em rede, digitalizada, aproveitando o terreno, como forma de avançar rumo aos objectivos definidos nos centros de comando", explicou o oficial, simplificando para melhor compreensão dos leigos.

Um dos factores que fragilizou os planos operacionais dos ucranianos foi a destruição parcial da Barragem de Kakhovka, porque obrigou as chefias ucranianas a afunilarem o avanço das suas unidades numa zona menos extensa, o que facilita a resposta russa.

Apesar das múltiplas opiniões entre especialistas e estrategas militares, há uma tese que começa a ganhar corpo e que não envolve responsabilidade directa de nenhuma das partes, que é uma falha na estrutura antiga, com quase 70 anos, foi concluída em 1955, e fragilizada por falta de manutenção.

Este incidente aconteceu num momento em que a esta albufeira em NovavKakhovka, na região de Kherson,, a última das seis barragens construídas no Rio Dniepre antes da foz no Mar Negro, um dos maiores da Europa em caudal e extensão, chegaram grandes quantidades de água largada das represas a montante devido ao excesso de carga, embora algumas vozes avancem que foi uma abertura propositada por parte dos ucranianos.

Porém, segundo o analista militar Agostinho Costa, os russos destruíram parcialmente e de forma controlada a represa, evitando uma enxurrada gigantesca mas suficiente para anular uma das frentes de possível avanço da contra-ofensiva, e a mais próxima do alvo estratégico que seria a Península da Crimeia, conseguindo ao mesmo tempo criar as suas condições para esperarem o avanço dos ucranianos, nos seus termos, logo em vantagem estratégica acrescentada ao longo período em que estiveram a aprimorar as suas linhas defensivas em várias camadas.

O mesmo entendimento parecem ter as fontes do Politico, anónimas mas identificadas, ainda assim como "seniores" da Administração norte-americana, que se mostram convencidos de que o futuro apoio norte-americano, mas também a reputação do Presidente Joe Biden, dependem em grande medida do sucesso da contra-ofensiva em curso.

Em síntese, com a pré-campanha para as eleições Presidenciais a entrar na sua fase inicial, apesar de faltar ainda mais de um ano, estão previstas para Novembro de 2024, e nas quais Joe Biden quer manter o lugar, face ao quase certo oponente e bem conhecido Donald Trump, pelo republicanos, que tem uma posição critica do apoio dos EUA sem limites a Kiev, o que lhe tem rendido boas sondagens, a guerra na Ucrânia pode, como o demonstra esta "manchete" do Politico, começar a ser um "fardo" politica e eleitoralmente insustentável para os democratas.

Com mais de 110 mil milhões USD em apoio a Kiev já somado, podendo mesmo ser bastante mais segundo algumas fontes, os EUA são claramente o combustível que alimenta a chama da guerra do lado ucraniano, mas tudo pode mudar quando a actual tranche financeira acabar e for preciso pedir ao Congresso, se tal vier a acontecer, a aprovação de um novo pacote de ajuda, porque os republicanos, que dominam a Câmara dos Representantes, quase garantido, vão criar sérios problemas à Administração democrata.

Isto, quando cresce, tanto nos EUA como na Europa ocidental, uma vaga de contestação popular a este apoio massivo a Kiev, devido às implicações económicas, com, por exemplo, a União Europeia, no seu conjunto, depois de a Alemanha ter entrado também de forma singular, a entrar em recessão já confirmada, tal como nos EUA isso é um risco sempre presente.

Recorde-se ainda que alguns media norte-americanos avançaram que a recente reunião, em Washington, entre o Presidente Biden e o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, teve como um dos pontos não oficialmente agendados a discussão de uma nova abordagem à guerra entre a Rússia e a Ucrânia, visto que esta começa a ter um impacto politicamente devastador para ambos os partidos, os democratas nos EUA e os conversadores, no Reino Unido.

O tempo da diplomacia africana triunfar pode ter, finalmente, chegado

Com este cenário, claramente adverso para a posição ucraniana, pode estar a chegar de forma acelerada o tempo da diplomacia e das missões diplomáticas que se sucedem entre Moscovo e Kiev, começarem a dar frutos.

Depois da missão nas duas capitais do enviado especial da China, depois dos esforços do Brasil e da Indonésia, enre outros, como o Papa Francisco, a Turquia ou a Bielorrússia, pode acontecer que a missão dos seis Presidentes africanos, que parte na próxima semana, se nada acontecer até lá, para Moscovo e para Kiev, ganhe inesperada importância face aos acontecimentos no terreno.

Isto, porque, com as grandes potências a batalharem por protagonismo na abertura de uma frecha por onde possa entrar a paz, a delegação africana tem a vantagem de ser um elemento que não gera melindre e permite a essas grandes potências sair airosamente de palco, apoiando o esforço africano.

Os seis Presidentes africanos, incluindo o actual líder da União Africana, o Presidente das Comores, Azali Assoumani, que se constituíram como a "task force" para ajudar a acabar com a guerra na Ucrânia, seguem ainda este mês para Kiev e Moscovo

A confirmação partiu do gabinete do Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, que foi quem deu início à constituição desta equipa de Chefes de Estado africanos para irem de encontro aos Presidentes ucraniano e russo com o objectivo de ajudar a encontrar uma solução pacífica para o conflito no leste europeu.

Depois de muitas visitas de líderes internacionais, incluindo as últimas protagonizadas pelo enviado especial da China, Li Hui, que esteve na semana passada nas duas capitais com o mesmo objectivo, e o enviado do Papa Francisco, o cardeal e presidente da conferência episcopal italiana, Matteo Zuppi, é chagada a vez de os lideres africanos fazerem a sua magia diplomática para levar ao calar das armas.

Os seis Presidentes, todos eles, segundo explicou Ramaphosa, se voluntariaram para integrar esta "task force", deverão chegar a Kiev e a Moscovo a meio do corrente mês de Junho.

São eles o próprio líder da União Africana, Azali Assoumani, o sul-africano Ramaphosa, o ugandês Yoweri Musevini, o egípcio al-Sissi, o senegalês Macky Fall, e o zambiano Hakainde Hichilema.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.