As eleições Presidenciais na Costa do Marfim estão marcadas para 25 de Outubro deste ano mas a batalha eleitoral já está ao rubro há anos, desde que o Presidente Ouattara, no poder desde 2011, estabeleceu um plano de longo prazo ainda no decurso do seu primeiro mandato para se perpetuar no poder.
Nessa altura, já então sob forte contestação popular e da oposição, o Presidente Alassane Ouattara promoveu uma alteração constitucional profunda que agora os seus apoiantes, em total desacordo com constitucionalistas conhecidos e os partidos da oposição, está a usar para abrir a porta a um 4º mandato alegando que o conta-quilómetros constitucional foi colocado a zero apenas no decurso do seu segundo mandato.
E foi sob esse pretexto, fortemente duvidoso quanto à sua legalidade constitucional, que em Junho deste ano este país da costa ocidental de África foi surpreendido com o anúncio formal da nova candidatura de Ouattara.
Esta decisão é ainda sustentada numa decisão do Conselho Constitucional em 2020 que permite a candidatura à luz da alteração constitucional quatro ano antes, fortemente contestada pela oposição, numa altura em que existem suspeitas de uma relação entre a Costa do Marfim e os países do Sahel que cortaram relações com a França, sendo a expulsão da presença militar de Paris um sinal de uma alegada aproximação à Rússia.
Citado pela imprensa francesa, que acompanha este processo com dedicado empenho, porque a Costa do Marfim está na corda bamba quanto às ligações históricas com Paris, e especialmente atendendo ao que aconteceu com os países do Sahel, como o Mali, Níger ou Burquina Faso, por onde começou a derreter a FranceAfrique, o Conselho Constitucional costa-marfinense alude à renovação da legalidade eleitoral de Ouattara com a revisão da Lei Fundamental do país em 2016.
Todavia, esta não é a única ponta solta legal de Alassane Ouattara, porque, neste processo, os dois líderes da oposição que tinham candidaturas anunciadas à Presidência da Costa do Marfim, Tidjane Thiam, do Partido Democrático da Costa do Marfim (PDCI) e Laurent Gbagbo, antigo Presidente entre 2000 e 2011, do Partido Popular Africano - Costa do Marfim (PPA-CI), foram excluídos por uma decisão judicial altamente contestada.
Perante esta tentativa de afastar a concorrência de maior peso, Gagbo e Thiam organizaram-se numa Frente Comum, que tem conseguido arregimentar dezenas largas de milhares de pessoas para as ruas das grandes cidades costa-marfinenses, especialmente em Abidja, a capital económica, e neste Sábado último, 09 de Agosto, realizaram um conjunto de manifestações que algumas fontes garantem que mobilizaram perto de dois milhões de pessoas.
Citado pela France24, Noël Akossi Bendjo, vice-presidente do PDCI, afirmou que se tratou de "uma mobilização histórica que mostra que o povo da Costa do Marfim se está a levantar diante da intransigência".
"É um aviso, o governo deve entender a situação. Não queremos um quarto mandato inconstitucional e exigimos que nossos líderes sejam registrados novamente na lista eleitoral", acrescentou Sébastien Dano Djedje, presidente executivo do PPA-CI, ainda citado pelo site da televisão francesa.
Com um cenário imprevisível, mas com a história de tumultos violentos e tentativas de golpe de Estado repetidas e duas guerras civis deste o início do século, especialmente quando em 2011 Gbagbo se recusava a aceitar a sua saída do poder, onde era já contestado pelo actual Presidente, na época Alassane Ouattara era líder da oposição, mas que agora reverte os papéis.
Até Outubro estão reunidos os "condimentos" para que se "cozinhe" um período de forte instabilidade política e social e onde é evidente o risco de alastramento para uma crise político-militar com uma eventual intromissão externa da qual não é de afastar a possibilidade de influência francesa e russa em lados opostos da "mesa".
Enquanto isso, como nota ainda a France24, o ambiente político e social permanece tenso e quando faltam menos de três meses para as eleições Presidenciais, especialmente após a prisão nas últimas semanas de vários membros do PDCI e do PPA-CI, com a oposição a denunciar "sequestros" e "assédio", enquanto as autoridades garantem que não há "prisões arbitrárias" no país.
Outra evidência deste conflito legal e político na Costa do Marfim é que em África ainda se repetem, mesmo nos países com economias mais prósperas, e mais sofisticados, como é o caso, as tentativas de perpetuação no poder através da manipulação da Constituição repetem-se com uma arrepiante regularidade.
O histórico turbulento da Costa do Marfim
Após o golpe de Estado de 1999, quando a 24 de dezembro de 1999, Henri Konan Bédié, no poder desde 1993, foi derrubado, o primeiro no país, liderado pelo general Robert Gueï, permitiu que uma não depois, em 2000, Laurent Gbagbo chegasse ao poder.
Mas já ai estava a semente da ilegalidade e da usurpação do poder pela via da manipulação judicial, porque a 26 de outubro desse mesmo ano, o opositor Laurent Gbagbo tornou-se presidente após uma eleição controversa da qual Henri Konan Bédié e o já então ex-primeiro-ministro Alassane Ouattara foram excluídos.
Mas tudo se agrava em 2002 com o país cortado ao meio e giovernado por facções opostas até 2007, com tudo a começar a 19 de setembro de 2002, numa rebelião armada que lançou ataques em Abidjan, Bouaké (centro) e Korhogo (norte), como recorda num fio dos acontecimentos aturado o site Le360Afrique.
Nessa data, os rebeldes, que não conseguiram derrubar Gbagbo, recuaram para o norte, assumindo o controle regional e a 06 de novembro de 2004 nove soldados franceses foram mortos em um ataque das forças oficias em Bouaké.
Em 4 de março de 2007, Laurent Gbagbo e o líder da rebelião, Guillaume Soro, assinaram um acordo de paz. No dia 29, Soro tornou-se primeiro-ministro.
E chegamos a 2010, que, a 28 de novembro, fica marcado pela segunda volta das eleições presidenciais, adiado seis vezes desde 2005, que colocou Gbagbo contra Alassane Ouattara cujo resultado foi que 03 de dezembro, o país viu-se com dois presidentes, obrigando o Conselho Constitucional a proclamar a vitória de Gbagbo e a comissão eleitoral a de Ouattara, reconhecida pela ONU.
Em 28 de março de 2011, continua ainda o Le 360 Afrique, após quatro meses de crise pós-eleitoral mortal, as forças pró-Ouattara lançaram uma ofensiva, assumindo o controle de quase todo o país em quatro dias.
Em 11 de abril, Laurent Gbagbo foi preso pelas Forças Republicanas de Ouattara (FRCI) após uma batalha de dez dias na capital e bombardeios da força francesa Licorne e da ONU.
Mais de 3.000 pessoas são mortas durante esta crise.
Em 21 de maio, Alassane Ouattara foi empossado, juntamente com Guillaume Soro como primeiro-ministro.
Em 30 de novembro, MGbagbo foi encarcerado no Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia, acompanhado em 2014 por um de seus parentes, Charles Blé Goudé, ex-líder dos "Jovens Patriotas".
Em agosto de 2018, o Partido Democrático da Costa do Marfim (PDCI) encerrou sua aliança com o partido de Alassane Ouattara, rompendo a coligação no poder desde 2010.
Em outubro, as eleições municipais foram marcadas pela violência em muitas localidades onde a oposição contestou os resultados.
Em 15 de janeiro de 2019, Gbagbo e Blé Goudé foram absolvidos pelo TPI e libertados sob condições.
Em outubro, Guillaume Soro, exilado na França e enfrentando vários processos judiciais, incluindo uma sentença de 20 anos de prisão na Costa do Marfim, anunciou sua candidatura para as eleições presidenciais de outubro de 2020.
Em março de 2020, prossegue o site de notícias marroquino, o primeiro-ministro Amadou Gon Coulibaly foi indicado como candidato presidencial por Ouattara.
Em 27 de julho, Henri Konan Bédié foi nomeado candidato de seu partido, o PDCI.
Em 6 de agosto, Alassane Ouattara finalmente anunciou que estava concorrendo a um terceiro mandato, citando um "caso de força maior".
A oposição se opõe ao limite constitucional de dois mandatos, mas o presidente acredita que a nova lei fundamental de 2016 colocou o conta-quilómetros a zero.
As manifestações contra sua candidatura degeneraram, deixando cerca de quinze mortos.
No dia 14, o Conselho Constitucional validou quatro candidatos: Alassane Ouattara, Henri Konan Bédié, Pascal Affi Nguessan, ex-primeiro-ministro de Laurent Gbagbo, e o deputado Kouadio Konan Bertin, um dissidente do partido de Bédié.
Quarenta candidatos, incluindo Laurent Gbagbo e Guillaume Soro, foram excluídos.
Em meados de outubro, Henri Konan Bédié e Pascal Affi N'Guessan pediram um boicote às eleições
Confrontos intercomunitários deixaram pelo menos dezasseis mortos perto de Abidjan.
No dia 22, a oposição rejeitou concessões do governo para acabar com o boicote. A ONU está preocupada com uma "situação tensa".
Quatro anos depois, o cenário volta a aquecer com Ouattara a tentar forçar um 4º mandato.