A guerra na Ucrânia já esteve para acabar algumas vezes desde que Donald Trump regressou à Casa Branca, em Janeiro deste ano, sendo, agora, a escassos quatro meses do seu 4º "aniversário", o período histórico mais promissor para a paz, que vai começar hoje em Washington e terminará dentro de duas semanas na capital húngara.

Se a ida do Presidente ucraniano a Washington era o grande foco dos media ocidentais, no qual se previa que os Estados Unidos anunciassem a entrega dos famosos mísseis Tomahawk a Kiev, com os quais Zelensky prometia "apagar" Moscovo, o encontro de Budapeste entre Trump e Putin foi uma surpresa total e um novo baralhar das "cartas" com que pretende jogar esta partida de póquer a três.

Para que o encontro de Budapeste com Putin, organizado pelo primeiro-ministro Viktor Orban, amigo de Trump e de Putin, mas pouco dado a simpatias para com Zelensky, mantenha a vitalidade dos encontros históricos, com os quais se muda o curso da História, como o norte-americano gosta, o ucraniano tem de sair de Washington esta sexta-feira de mãos a abanar... ou pouco mais.

O romântico Danúbio já viu correr muito sangue

Para que o encontro nas margens do Danúbio, na capital da Hungria, com o Presidente russo, possa ser decisivo no desfecho pacífico do conflito no leste europeu, Donald Trump tem de manter acesa a chama da ameaça dos Tomahawk, até porque em Washington e em Kiev está a ser "vendida" a ideia de que foi essa "força" mostrada à Rússia que levou Putin à mesa das negociações em Budapeste.

Pelo menos os media ocidentais compraram a ideia vendida por Trump e também Zelensky, que, vendo-se já como uma carta fora do baralho no essencial das negociações, tal como estão ainda mais, sujeitos à humilhação da ausência, os países europeus da NATO e da União Europeia, correu para as redes sociais a elogiar o americano pela força usada para vergar o russo obrigando-o a negociar.

A União Europeia não tem apenas a questão da irrelevância no contexto do conflito ucraniano, tem agora outro problema para lidar, que é o facto de a Hungria, país membro, estar totalmente desalinhada das orientações de Bruxelas e em claro desafio à política externa do bloco europeu...

Este encontro com Putin não saiu propriamente do vazio, como pode parecer lendo os media ocidentais, empenhados que estão em enfatizar a sujeição de Moscovo à ameaça dos Tomahawk, porque Trump, ao admitir que podia enviá-los para Kiev, disse, na semana passada, que antes desse passo, teria de falar com Vladimir Putin, de forma a evitar uma escalada descontrolada do conflito.

É que era precisamente isso que Zelensky disse que iria fazer, ao anunciar que assim que tivesse os Tomahawk americanos, mísseis de cruzeiro de longo alcance, mais de 2.400 kms, estes seriam disparados sobre Moscovo para "apagar" a capital russa tal como os russos estão a fazer a Kiev com ataques diários e avassaladores.

Budapeste v Kiev

Mesmo não se sabendo o que está na agenda do encontro na Casa Branca, sabe-se que as atenções já não é aí que estão, é em Budapeste, para onde, como sublinhou Yuri Ushakov, conselheiro de Putin para as questões internacionais, delegações dos dois países, lideradas pelo secretário de Estado Marco Rubio e pelo ministro dos Negócios estrangeiros Sergei Lavrov, já estão a organizar e planificar os assuntos para discutir e decidir.

E entre estes, três são incontornáveis, desde logo o conflito na Ucrânia, que há muito que se sabe que será decidido entre Putin e Trump, sendo os europeus e o próprio Zelensky figurantes neste filme para "adultos"; o complexo mapa dos acordos de segurança para a vasta região da EurÀsia; e as relações bilaterais entre Washington e Moscovo, que estão agora a renascer das cinzas deixadas pela Administração Biden.

O tête-à-tête de Budapeste foi anunciado por Trump depois de uma chamada telefónica na quinta-feira, 16, com o seu "amigo" russo, e terá lugar cerca de dois meses depois do que teve lugar em Anchorage, no Alasca, sendo que, agora, ambos perderam o lastro desse primeiro encontro deste mandato do americano e estão obrigados a apresentar resultados concretos.

Para já, na sua rede social, Trump veio dizer que esta conversa preliminar com Putin foi "muito produtiva" e mostrou-se convicto de que uma solução está mesmo para breve e que o conflito na Ucrânia está para acabar muito em breve, acrescentando que Putin o congratulou pela paz no Médio Oriente (Gaza), deixou garantias de que as relações comerciais entre os dois países foram um ponto muito falado...

"Vamos ver nesse momento se podemos levar este inglório conflito entre a Rússia e a Ucrânia para o seu fim", fazendo ainda um sublinhado nesta publicação na rede Truth Social para o encontro com Zelensky sobre o qual falará da conversa com Putin "e muito mais", porque "foi feito um grande progresso" com a chamada para o Presidente russo.

Os media ecoam as fragilidades europeias

Mesmo que nas próximas duas semanas, muita especulação vá surgir, e os europeus, claramente despeitados por não lhes ser dado nenhum protagonismo sério, a não ser pagar as armas que os EUA enviam para Kiev, procurem subverter este "triângulo amoroso" entre Trump, Putin e Zelensky, só depois da conversa de Budapeste se terá uma ideia dos progressos feitos no caminho da paz na Ucrânia.

Mas para trás ficou mais que assunto para discussão e análise, porque se os media ocidentais procuram destacar como factor de sucesso desta nova fase de negociações com Putin sentado à mesa com Trump em Budapeste, fazendo eco dos argumentos de Zelensky, o poder da força da ameaça dos mísseis Tomahawk, que terão criado pânico em Moscovo, do lado dos analistas mais alinhados com o Kremlin, a razão parece ter outras origens.

E não é porque estes mísseis, criados nos idos de 1970, não constituem uma ameaça séria a Moscovo (ver links em baixo), por serem velhos e lentos, tendo, porém a particularidade de poderem carregar ogivas nucleares, é porque se sucedem notícias e comentários sobre um divergência profunda no Kremlin entre os moderados e a linha dura que começa a impor-se no sentido de endurecer a resposta à escalada norte-americana e aumentar a pressão militar na guerra...

E isso ficou claro quando Serguei Riabkov, o número dois de Lavrov nos Negócios Estrangeiros, com palavras duras para Washington, veio defender uma mudança de postura de Moscovo face aos EUA porque o processo de revitalização e aproximação entre os EUA e a Federação Russa iniciado no Alasca está "claramente extinto"

Citado pela TASS, Riabkov veio dizer que "Infelizmente tem de se reconhecer que o impulso dado em Anchorage (nas relações bilaterais) se esgotou", sendo que estas palavras ecoaram com sonoridade pouco habitual entre os próprios media russos, dando voz às posições da linha mais dura dentro do Kremlin, o que poderia levar a uma escalada imprevisível.

Putin resiste à pressão dos duros do Kremlin

Enquanto isso, Putin, de viva voz, e através do seu porta-voz, Dmitri Peskov, mantinham a postura de aproximação a Donald Trump, recusando uma deterioração do processo de reatamento das relações, apostando nesse processo para normalizar as relações entre as duas grandes potências nucleares e acabar com a guerra na Ucrânia.

Para já, todavia, não há nada, mesmo que Zelensky, tal como alguns elementos da Administração norte-americana, diga que Putin foi obrigado a ceder devido à ameaça dos Tomahawk, que mostre qualquer alteração nas condições de Moscovo para resolver o conflito ucraniano.

Condições e exigências que são, em síntese, garantir o reconhecimento da soberania russa sobre as cinco regiões anexadas entre 2014 (Crimeia) e 2022 (Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporizhia), a neutralidade ucraniana fora da NATO e a saída de cena de Zelensky e do seu "regime nazi", bem como o respeito constitucional pela língua e cultura russas no que restar da Ucrânia do pós-guerra.

Enquanto isso, com claramente mais zigue-zagues, o regime de Zelensky, em Kiev, que já aceitou ficar de fora da NATO mas depois desdisse-se, mantém que quer manter todos os territórios e que os russos paguem a reconstrução do país, além de um julgamento internacional para os dirigentes do regime russo, incluindo o próprio Putin.

Como o vai fazer, ninguém pode avançar, mas, neste momento, como nota o analista norte-americano e professor da Universidade de Chicago, John Mearsheimer, um dos mais reconhecidos especialistas sobre geopolítica em todo o mundo, Trump tem na agenda vergar Zelensky a ceder e não Putin, mesmo que o russo seja "obrigado" a surpreender com algum tipo de cedência para permitir aos ucranianos uma ligeira folga retórica para consumo interno...